Neuroanatomia Comparativa: um pequeno ‘tour’ pelo laboratório de pesquisa da neurocientistas de plantão.

Este é um post* bem fácil de escrever, pois todas as informações que preciso estão concentradas em um único local, o próprio site que me proponho a divulgar, o do Laboratório de Neuroanatomia Comparativa, do Instituto de Biociências, da UFRJ,  coordenado pela professora Suzana Herculano-Houzel, a neurocientista de plantão, grande e conhecida divulgadora científica de nosso país.

Suzana, juntamente com seus alunos e colaboradores, além do excelente trabalho de divulgação das neurociências, mantém uma produtiva linha de pesquisa científica na área de neuroanatomia comparativa, pesquisando principalmente o cérebro dos mamíferos, um campo essencial para a compreensão da evolução dos sistema nervoso dos animais.

[Figura retirada da página do laboratório e originalmente presente em Herculano-Houzel, 2012]

Entre as informações encontradas na página do laboratório e que chamam nossa atenção é a de que os cérebros, apenas entre os mamíferos, variam em até 100000 vezes em relação aos seus tamanhos, o que pode ser visualizado se pensarmos que este grupo de vertebrados inclui desde o menor musaranho até a gigantesca baleia azul. Esta simples mas impressionante constatação sugere uma importante questão aos biólogos evolutivos e comparativos:

 

Como tal diversidade de tamanhos cerebrias foi produzida ao longo da evolução?

O que por sua vez, suscita várias outras questões:

Há alguma regularidade em todas as espécies e de grupos taxonômicos mais amplos, compartilhadas independentemente da dimensão ou da espécie em particular?

Ou será que existem características que seriam específicas apenas de alguns grupos de mamíferos e quais seriam as regras de [auto]construção dos cérebros dos mamíferos?

Com um a resposta inicial, hoje, está bem estabelecido que existe claramente uma ordem subjacente por trás desta grande diversidade. Isso é facilmente demonstrável pelo fato dos cérebros dos mamíferos terem um córtex cerebral claramente identificável, um cerebelo em sua porção posterior, bulbos olfativos em sua porção anterior, além de um tronco cerebral em sua base que é contíguo medula espinhal. O principal tópico investigado no laboratório é a questão da escala na evolução do sistema nervoso, ou seja, das relações entre números de neurônios (e outras células nervosas) e tamanhos relativos de estruturas cerebrais e do corpo dos animais.

A maioria dessas pesquisas feitas no laboratório envolvendo análise quantitativa tem como base uma metodologia de contagem celular muito refinada e precisa, o fracionamento isotrópico, que permitiu, por exemplo, a estimação com muito mais confiança do número de neurônios nos cérebros dos seres humanos que antes imaginava-se estarem por volta dos 100 bilhões, mas hoje são estimados em cerca de 86 bilhões de células.

Algo semelhante ocorreu com as estimativas das células gliais, um outro tipo de célula dos sistema nervoso com papéis estruturais, suporte metabólico e imunológico, que antes acreditava-se existirem em números 10 vezes maiores do que o número de neurônios, mas que, de acordo, com a nova metologia desenvolvida por Suzana e Robert Lent existiram em um número equivalente ou apenas um pouco maior ou menor do que o de neurônios.

Apesar do laboratório não ser muito antigo, seus pesquisadores já estão envolvidos no re-exame de muitos pressupostos, bem disseminados mesmo entre os neurobiólogos comparativos, entrando fundo em questões muito interessantes e pertinentes.

Nem todos os cérebros são construídos da mesma maneira:

Tradicionalmente o tamanho do cérebro tem sido considerado um indicador do número de neurônios no cérebro nas diversas espécies, o que era defendido a partir da ideia que os diferentes cérebros de diferentes grupos de mamíferos seguiriam as mesmas regras de dimensionamento e escala (veja as revisões em Herculano-Houzel, 2011, 2011 e 2012). Porém, isso não pode mais ser defendido, já que comparações entre diversas ordens de mamíferos como as envolvendo a análise quantitativa de roedores (aqui, e aqui), primatas (aqui e aqui) e insetívoros. Estes estudos mostram que cada ordem segue suas próprias regras de dimensionamento neuronal, ou seja, cada um desses grupos tem sua relação particular entre o tamanho do cérebro e o número de neurônio, o que contrasta com as relações entre o tamanho cerebral e o número de outras células não-neuronais são compartilhadas por todas as ordens e estruturas cerebrais estudadas até momento.

Não somos tão especiais assim, mesmo no que diz respeito aos nossos cérebros.

Embora nossas capacidades cognitivas, culturais e tecnológicas sejam impressionantes (pelo menos para nós mesmos), nossos cérebros não destoam tanto do padrão mamífero e primata como muitos acreditam. Pelo menos em relação ao número de neurônios nossos cérebros não são lá especiais quando comparados a outros primatas. Mesmo em relação ao tamanho, desde que os grandes primatas hominoides não humanos sejam deixados de lado, nós também não somos primatas tão diferentes assim dos demais, o que leva a colocar algumas questões tradicionais sobre as relações entre cérebro e tamanho corporal de uma maneira um tanto diferente:

A maneira usual de expressar esta comparação é afirmando que o cérebro humano é maior do que o esperado para o seu tamanho corporal. O raciocínio aqui é que, se os seres humanos são menores do que os grandes macacos, então nosso cérebro deve ser menor do que a deles. Mas o argumento pode ser o contrário: se os grandes símios são maiores do que os humanos, por que eles não têm cérebros maiores do que eles têm?”

Esta questão pode ser respondida por meio de outra linha de investigação leva à cabo pelo membros do Laboratório de Neuroanatomia Comparativa, da UFRJ:

O custo metabólico de ser humano: Cozinhando para que o alimento renda mais.

De acordo com Herculano-Houzel e Karina Fonseca-Azevedo, sua aluna de pós-graduação, os custos de manter um cérebro humano estariam por volta 500 kcal ao dia, o que envolveria cerca de 20 a 25 % do gasto energético total do copo. As duas pesquisadoras, entretanto, demonstraram que este custo energético não é extraordinário, mas é, de fato, a quantidade esperada de calorias necessárias para manter o número de neurônios no cérebro humano, tendo como base a constatação de que o custo metabólico de um cérebro é independentemente do tamanho desse cérebro, sendo, na verdade, uma função linear simples de seu número de neurônios com um custo médio de 6 kcal por cada bilhão de neurônios por dia. De acordo com as pesquisadoras, esta relação linear poderia explicar o paradoxo dos grandes símios da forma como o grupo propôs sua reformulação. Por que estes animais não evoluíram cérebros maiores? A resposta seria que sua dieta não é suficiente para pagar os custos energéticos de cérebros proporcionalmente maiores, como seria esperado.

Provavelmente, nossos antepassados enfrentaram o mesmo tipo de limitação metabólica, mas de acordo com as pesquisadoras, estas limitações devem ter sido vencidas, sugerem elas, pelo cozimento dos alimentos, o que teria liberado nossos ancestrais das restrições energéticas típicas dos primatas e permitindo a evolução do tamanho cerebral em nossa linhagem nos últimos 2 milhões de anos. Com mais calorias disponíveis obtidas como menos tempo de forrageio e esforço por dia, grandes cérebros que seriam originalmente inviáveis pelos seus custos podem ter passado a ser itens vantajosos, especialmente frente as demandas socioculturais e ecológicas as quais nossa linhagem estaria sujeira, sendo portanto favorecidas pela seleção natural positiva ao longo da evolução.

Grandes cérebros para corpos grandes?

Embora o tamanho do cérebro aumenta a uma taxa menor do que o tamanho do corpo, normalmente espécies de maior porte tendem a ter cérebros também maiores, geralmente seguindo funções de potência com expoentes variando entre 0,6 e 1,0, entre as espécies de diferentes ordens. Esta característica normalmente é tida como devida a uma exigência de corpos maiores por mais neurônios para controlá-los. Porém, mais uma vez, o grupo descobriu que embora grandes primatas tenham realmente mais neurônios em sua medula espinhal, a taxa pela qual estes neurônios aumentam em número é pequena, com expoente em torno de apenas 0,3. De modo semelhante, o número de número de neurônios motores faciais aumenta de maneira bem lenta em relação ao tamanho do corpo, com um expoente de apenas 0,2, tanto entre marsupiais como entre primatas. Além disso, no crocodilo, que é um animal que cresce por toda a sua vida, o aumento da massa corporal é acompanhado apenas uma pequena taxa de aumento da massa cerebral.

Estas descobertas, de acordo com o grupo de pesquisadores, em conjunto com os muito baixos números de neurônios localizados na medula espinhal e no tronco-cerebral em comparação com o cérebro, sugerem que apesar de corpos maiores realmente tenderem a precisar de mais neurônios,esta pressão por mais neurônios é muio menos do que o imaginado e explica apenas uma pequena parte do aumento da massa cerebral e do número de neurônios entre as espécies. Esta constatação levou a proposta de que, no final das contas, a massa corporal não seria assim tão relevante e, portanto, não deveria ser usada como parâmetro de normalização em estudos comparativos.

Livrando-se de alguns dogmas:

Como já aludido, uma das características mais interessantes do trabalho do grupo de Suzana é que seus trabalhos tem ajudado a livrarmo-nos de alguns dogmas e refutar alguns mitos da neuroanatomia comparativa, alguns deles repetidos em livros e disseminados na imprensa, mas que não tinham base experimental:

1) O primeiro mito sobre o qual já comentamos é que o cérebro humano teria 100 bilhões de neurônios. Segundo o site do grupo os pesquisadores consideram que na verdade esta nunca foi uma estimativa precisa, mas apenas uma estimativa da ordem de grandeza do número de neurônios. Como já comentado o número estaria por volta dos 86 bilhões de neurônios;

2) Outro dogma também já comentado é as células gliais não existiram em um número 10X maior do que o de neurônios no cérebro humano, mas, no máximo, uma célula da glia para cada neurônio em todo o cérebro;

3) A porcentagem de neurônios no córtex cerebral que estão conectados através da substância branca (antes tida como constante entre as espécies), na verdade, diminui ente as espécies de primatas com o aumento do tamanho do cérebro. Porém, essa porcentagem parece ser relativamente estável em roedores de tamanho cerebral maior;

4) A proporção de células da glia para neurónios não aumenta com o tamanho do cérebro, mas sim com a diminuição da densidade neuronal (e, assim, presumivelmente com o aumento do tamanho médio neuronal);

5) O número de neurônios no cortex de uma espécie não é uma simples função de sua área de superfície e o grau de girificação não é nem uma função do número de neurônios nem da área da superfície, dentro do córtex cerebral humano ou entre as espécies. Os pesquisadores propõem, em contraste, que o grau de dobramento cortical seria determinados pela substância branca, por meio de uma combinação de fatores envolvendo o número de fibras na substância branca subcortical, o calibre dessas fibras e a tensão ao longo dos axônios.

6) A noção tradicional de que a neurogênese teria seus fim por volta do nascimento, de modo que todos os neurônios encontrados no córtex adulto já estariam presentes ao nascimento, não se sustenta mais, já que se verificou-se neurogênese cortical maciça em ratos após o seu nascimento – e em todo o cérebro;

7) Antes a expansão cortical era equacionada com “a evolução do cérebro”, pressupondo que o tamanho relativo do córtex cerebral aumentaria enquanto o tamanho relativo do cerebelo permaneceria razoavelmente constante, mas essa expansão não é acompanhada por uma expansão do número relativo de neurônios corticais. Em vez disso, o córtex cerebral e o cerebelo ganham neurônios de maneira coordenada entre as várias espécies, incluindo os seres humanos, apesar do rápido aumento no tamanho do córtex cerebral.

Estes resultados e as linhas de pesquisa desenvolvidas no laboratório indicam uma característica importante das ciências. O avanço no conhecimento também depende da desmistificação e correção de equívocos e erros. Muitas vezes é preciso desconstruir para avançar no conhecimento em bases mais sólidas e mais críticas.

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Curtam a última palestra de Suzana sobre as regras de dimensionamento dos cérebros de primatas e como nós seres humanos nos inserimos nesta história, além de como mudanças em nossas estratégias dietárias podem ter permitido a evolução de nossos cérebros em nossos ancestrais, direto do TED:

O que há de tão especial sobre o cérebro humano? 


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*Este post foi baseado principalmente nos textos em inglês disponíveis na própria página do laboratório de neuroanatomia comparativa, além dos artigos publicados por Suzana, seus colaboradores e sua equipe de neurocientistas.

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Literatura Recomendada:

  • Herculano-Houzel S. The human brain in numbers: a linearly scaled-up primate brain. Front Hum Neurosci. 2009;3:31. doi: 10.3389/neuro.09.031.2009.

  • Azevedo FA, Carvalho LR, Grinberg LT, Farfel JM, Ferretti RE, Leite RE, Jacob Filho W, Lent R, Herculano-Houzel S. Equal numbers of neuronal and nonneuronal cells make the human brain an isometrically scaled-up primate brain. J Comp Neurol. 2009 Apr 10;513(5):532-41. doi: 10.1002/cne.21974.

  • Herculano-Houzel S. The remarkable, yet not extraordinary, human brain as a scaled-up primate brain and its associated cost. Proc Natl Acad Sci U S A. 2012 Jun 26;109 Suppl 1:10661-8. doi: 10.1073/pnas.1201895109.

  • Herculano-Houzel S. Coordinated scaling of cortical and cerebellar numbers of neurons. Front Neuroanat. 2010;4:12. doi: 10.3389/fnana.2010.00012.

  • Ventura-Antunes L, Mota B, Herculano-Houzel S. Different scaling of white matter volume, cortical connectivity, and gyrification across rodent and primate brains. Front Neuroanat. 2013;7:3. doi: 10.3389/fnana.2013.00003.

  • Herculano-Houzel S, Lent R. Isotropic fractionator: a simple, rapid method for the quantification of total cell and neuron numbers in the brain. J Neurosci. 2005 Mar 9;25(10):2518-21. PubMed PMID: 15758160.

  • Bandeira F, Lent R, Herculano-Houzel S. Changing numbers of neuronal and non-neuronal cells underlie postnatal brain growth in the rat. Proc Natl Acad Sci U S A. 2009 Aug 18;106(33):14108-13. doi: 10.1073/pnas.0804650106.

  • Watson C, Provis J, Herculano-Houzel S. What determines motor neuron number? Slow scaling of facial motor neuron numbers with body mass in marsupials and primates. Anat Rec (Hoboken). 2012 Oct;295(10):1683-91. doi: 10.1002/ar.22547.

  • Mota B, Herculano-Houzel S. How the cortex gets its folds: an inside-out, connectivity-driven model for the scaling of Mammalian cortical folding. Front Neuroanat. 2012;6:3. doi: 10.3389/fnana.2012.00003. eCollection 2012. PubMed PMID: 22347170; PubMed Central PMCID: PMC3270328.

  • Herculano-Houzel S. Neuronal scaling rules for primate brains: the primate advantage. Prog Brain Res. 2012;195:325-40. doi: 10.1016/B978-0-444-53860-4.00015-5.

  • Herculano-Houzel S, Kaas JH. Gorilla and orangutan brains conform to the primate cellular scaling rules: implications for human evolution. Brain Behav Evol. 2011;77(1):33-44. doi: 10.1159/000322729.

  • Gabi M, Collins CE, Wong P, Torres LB, Kaas JH, Herculano-Houzel S. Cellular scaling rules for the brains of an extended number of primate species. Brain Behav Evol. 2010;76(1):32-44. doi: 10.1159/000319872.

  • Herculano-Houzel S. Brains matter, bodies maybe not: the case for examining neuron numbers irrespective of body size. Ann N Y Acad Sci. 2011 Apr;1225:191-9. doi: 10.1111/j.1749-6632.2011.05976.x.

  • Herculano-Houzel S, Mota B, Wong P, Kaas JH. Connectivity-driven white matter scaling and folding in primate cerebral cortex. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010 Nov 2;107(44):19008-13. doi: 10.1073/pnas.1012590107.

  • Fonseca-Azevedo K, Herculano-Houzel S. Metabolic constraint imposes tradeoff between body size and number of brain neurons in human evolution. Proc Natl Acad Sci U S A. 2012 Nov 6;109(45):18571-6. doi: 10.1073/pnas.1206390109.

  • Herculano-Houzel S. Not all brains are made the same: new views on brain scaling in evolution. Brain Behav Evol. 2011;78(1):22-36. doi: 10.1159/000327318.

  • Herculano-Houzel S. Scaling of brain metabolism with a fixed energy budget per neuron: implications for neuronal activity, plasticity and evolution. PLoS One. 2011 Mar 1;6(3):e17514. doi: 10.1371/journal.pone.0017514.

  • Herculano-Houzel S, Ribeiro P, Campos L, Valotta da Silva A, Torres LB, Catania KC, Kaas JH. Updated neuronal scaling rules for the brains of Glires (rodents/lagomorphs). Brain Behav Evol. 2011;78(4):302-14. doi: 10.1159/000330825.

  • Burish MJ, Peebles JK, Baldwin MK, Tavares L, Kaas JH, Herculano-Houzel S. Cellular scaling rules for primate spinal cords. Brain Behav Evol. 2010;76(1):45-59. doi: 10.1159/000319019.

  • Herculano-Houzel S, Collins CE, Wong P, Kaas JH. Cellular scaling rules for primate brains. Proc Natl Acad Sci U S A. 2007 Feb 27;104(9):3562-7.

  • Sarko DK, Catania KC, Leitch DB, Kaas JH, Herculano-Houzel S. Cellular scaling rules of insectivore brains. Front Neuroanat. 2009;3:8. doi: 10.3389/neuro.05.008.2009.

  • Collins CE, Leitch DB, Wong P, Kaas JH, Herculano-Houzel S. Faster scaling of visual neurons in cortical areas relative to subcortical structures in non-human primate brains. Brain Struct Funct. 2013 May;218(3):805-16. doi: 10.1007/s00429-012-0430-5.

  • Herculano-Houzel S, Collins CE, Wong P, Kaas JH, Lent R. The basic nonuniformity of the cerebral cortex. Proc Natl Acad Sci U S A. 2008 Aug 26;105(34):12593-8. doi: 10.1073/pnas.0805417105.

  • Herculano-Houzel S, Mota B, Lent R. Cellular scaling rules for rodent brains. Proc Natl Acad Sci U S A. 2006 Aug 8;103(32):12138-43.

  • Herculano-Houzel S. Encephalization, neuronal excess, and neuronal index in rodents. Anat Rec (Hoboken). 2007 Oct;290(10):1280-7. PubMed PMID: 17847061.

  • Ngwenya A, Patzke N, Spocter MA, Kruger JL, Dell LA, Chawana R, Mazengenya P, Billings BK, Olaleye O, Herculano-Houzel S, Manger PR. The continuously growing central nervous system of the Nile crocodile (Crocodylus niloticus). Anat Rec (Hoboken). 2013 Oct;296(10):1489-500. doi: 10.1002/ar.22752.

  • Herculano-Houzel S, Watson C, Paxinos G. Distribution of neurons in functional areas of the mouse cerebral cortex reveals quantitatively different cortical zones. Front Neuroanat. 2013 Oct 21;7:35. doi: 10.3389/fnana.2013.00035.

Créditos das Figuras:

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Filogenia Mastigada 4 : Interpretando uma árvore filogenética – parte 1/2

Veja também: Filogenia Mastigada 5

Eventualmente a interpretação (leitura, análise) de uma árvore por estudantes de biologia pode se revelar uma tarefa um tanto complicada. O mesmo exercício, para um leigo em biologia, pode se revelar ainda mais maçante. O objetivo desta postagem é facilitar ao máximo a compreensão de qualquer leigo ou estudante sobre o assunto e possibilitar o aprofundamento do estudo da evolução e filogenia por qualquer interessado.

 

(Figura 1). Relações de diversas raças de cachorros e lobos 

 

Muito se diz da contribuição de Darwin e Wallace quanto à mutabilidade das espécies e do surgimento delas pela seleção natural. Entretanto já na época desses autores a mutabilidade das espécies não era tanta novidade, sendo essa proposta por autores anteriores a eles. A grande relevância do trabalho de Darwin e Wallace se centra na robusta descrição do processo de seleção das espécies através da seleção natural e da grande sacada de que todos os organismos (eu repito com maior ênfase: todos) evoluíram do mesmo ancestral comum. Ou seja, todas as espécies estão interconectadas por meio de espécies ancestrais e, portanto, integram a mesma árvore evolutiva. Notem que este é o ponto das maiores discussões filosóficas que se sucederam ao “A origem das espécies” e aos trabalhos de Wallace. Este é o ponto chave que vai de encontro à visão criacionista do mundo: a ancestralidade de todos os seres vivos, a ideia de uma única árvore da vida e não uma escala crescente como a “scala naturae ” propunha.

(Figura 2) A árvore de Darwin em seus cadernos de notas, com a poética inscrição “I think”, “Eu penso”

 

Anteriormente a Darwin e Wallace outros autores já haviam comentado sobre aspectos da geração de novas raças ou variedades, dando a ideia de que as espécies não eram imutáveis, mas nenhuma dessas teorias chegou à compreensão mais profunda do processo evolutivo, e portanto os criacionistas jamais se encrencaram com elas. Entretanto a teoria de Darwin e Wallace não somente dizia que as espécies não eram imutáveis, como também propunha o surgimento de novas espécies, desaparecimento de espécies antigas e a interconexão de (ou conexão entre) todas as espécies (incluindo a humana) na mesma árvore de descendência (agora o homem é incorporado e deixa de ser uma criação especial). O Darwinismo também destruiu a ideia platônica de “tipo” (organismo que fixa o nome e a descrição de uma espécie) como o ideal da espécie enquanto que às variações intraespecíficas restaria o status de “cópias imperfeitas”. Veremos isso com mais cuidado em uma futura postagem sobre o tipo e a transformação da taxonomia. Na visão darwinista, as variações fazem parte do processo de evolução das espécies e são imprescindíveis ao trabalho da seleção natural.

 

A ideia central de Darwin e Wallace é a filogenia. Os autores propõem a existência de uma filogenia de raiz única para todos os organismos, que os interconecta. Falar em ancestralidade de espécies e falar em filogenia é a mesma coisa.

 

(Figura 3) Única figura de “A origem das espécies” em sua primeira edição (1859) mostrando inter-relações entre espécies.

 

HISTÓRICO DAS ÁRVORES FILOGENÉTICAS 

As representações diagramáticas de espécies ou clados, conhecidas atualmente como árvores filogenéticas, são razoavelmente antigas. Entretanto até 1950 as árvores filogenéticas eram utilizadas como diagramas ramificados que expressavam como os autores achavam que os táxons relacionavam-se em termos de ancestralidade (a ideia de ancestralidade e mudança das espécies não era tão absurda assim na época, como já comentamos). As árvores não eram acompanhadas de uma explicação sobre a escolha da utilização daqueles critérios. Ninguém se preocupava em averiguar a existência de homoplasias e em garantir que os critérios selecionados refletissem homologia, não havia preocupação  com a polarização correta de séries de transformação, com a seleção satisfatória de grupos internos e grupos externos, com hipótese prévia de ancestralidade comum… Nada disso existia. Essas árvores refletiam a opinião intuitiva dos autores quanto à semelhança entre os táxons. Portanto, são pouquíssimo informativas e interpretá-las é um trabalho duro e, em certos aspectos, impossível. Não se pode precisar se em certos pontos o autor infere politomia (veja próxima postagem da série), quando sugere uma espécie como mais terminal ou mais basal, o que significa a espessura ou a distância dos ramos (se é que significam alguma coisa além de estética…), etc. 

O primeiro diagrama representando relações entre seres vivos foi publicado em 1801 pelo botânico Augustin Augier. Lamarck publicou a primeira representação diagramática dos animais em 1809 em seu “Philosophie Zoologique”. Em 1840 o geólogo americano Edward Hitchcock publicou a primeira árvore da vida baseada em dados paleontólogicos em seu “Elementary Geology”. Ernest Haeckel construiu várias árvores filogenéticas após a publicação de “A origem das espécies”. 

(Figura 4) Diagrama de Hitchcock em “Elementary Geology” 

(Figura 5) Árvore representativa da vida na Terra por Haeckel (“Monophyletischer Stambaum der Organismen”) no livro ‘Generelle Morphologie der Organismen’ (1866) com os ramos Plantae, Protista e Animalia.

 

Nenhuma dessas representações apresentadas até agora são baseadas no método filogenético (que sequer existia) e possuem todos os problemas mencionados acima, são ditas árvores “pré-hennigianas”. Com o aperfeiçoamento da filogenia, as árvores agora podem sistematizar e representar uma vasta gama de informações e tornar acessíveis detalhes da evolução dos grupos.

 

 

CONCEITOS

 

Para iniciar nosso estudo na interpretação das árvores temos de fazer algumas distinções conceituais:

 

A FILOGENIA é um objeto transtemporal – ou seja, cuja existência atravessa os tempos – existente na natureza que corresponde às relações entre espécies. Podemos compará-la à genealogia de uma família, a qual existe independente de alguém traça-la num diagrama ou não. O termo Filogenia também é usado para se definir o processo científico de se inferir uma filogenia (cujo melhor nome seria “inferência filogenética” ou “método filogenético”) ou até mesmo o diagrama usado para sua representação (o “diagrama filogenético”).

 

TÁXONS TERMINAIS são aqueles que são conectados a outros em uma Filogenia, mas que não se subdividem. Esses podem ser espécies recentes, fósseis, espécies extintas, grupos supra-específicos (gênero, ordem, família) de espécies recentes, extintas ou misto…

 

Chama-se DENDROGRAMA qualquer representação em forma de árvore que organiza fatores e variáveis em vários ramos do conhecimento. Em filogenia chama-se dendrograma qualquer diagrama ramificado que conecta espécies (Amorim, 2009). Atualmente também utiliza-se o termo “Árvores Filogenéticas” especificamente para os dendrogramas da Filogenia, apesar de alguns autores utilizarem “árvore filogenética” como sinônimo de Filograma.

 

Existem dois tipos básicos de Árvores Filogenéticas: os cladogramas e os filogramas.

 

Os CLADOGRAMAS (figura 6) são simplesmente uma topologia de relações entre os táxons terminais, ou seja, o comprimento de seus ramos não representa unidades de tempo ou mudanças decorridas. Os FILOGRAMAS se diferenciam nesse quesito, visto que seus ramos de diferentes tamanhos podem representar tanto as linhagens em relação ao tempo geológico, quanto o número de mudanças ocorridas entre elas ou o tempo gasto em sua divergência. O filograma que representa as linhagens no tempo geológico terá todos os ramos viventes (não extintos) terminando na mesma altura, pois esta representa o tempo atual, enquanto que os táxons extintos serão representados por um ramo que termina em determinada época geológica (figura 8). Os filogramas de tempo de divergência entre clados terão uma escala de tempo transcorrido entre as separações dos ramos (figura 7). Por fim, o filograma de quantidade de mudança (fig. 9) terá os ramos terminando em diferentes alturas representando a quantidade de modificações, portanto os ramos mais curtos representarão táxons que são mais semelhantes ao seus respectivos ancestrais.

 

Assim, podemos concluir que os filogramas possuem muito mais informação do que os cladogramas. Um modo fácil de checar à primeira vista se a árvore filogenética em questão é um cladograma ou um filograma é checar se os ramos diferem de tamanho entre si em relação a uma escala. O melhor é estar sempre atento às legendas das figuras e metodologia dos trabalhos.

 

 (Figura 6). Na figura vemos exemplos de dendogramas. A, B e C nos fornecem a mesma informação, a diferença entre eles é estética. B é outro tipo de representação gráfica de A. Em C houve o alinhamento dos ramos terminais no topo por estética. Retirado de Lopes e Ho.

(Figura 7). Nessa representação há uma escala de tempo indicada pela linha (0,2 milhão de anos).  O tamanho de cada ramo representa o tempo envolvido na diferenciação da espécie em questão. Assim interpretamos que a espécie A levou um pouco mais de 0.4 mi anos para se divergir do ancestral a’; que a” levou menos de 0.2 mi anos para se divergir de a’; que B levou cerca de 0.6 mi anos para se divergir do ancestral a” e por aí em diante. Modificado de Lopes e Ho.

 

(Figura 8). Filograma de ordens extintas e viventes de insetos em relação aos períodos geológicos e informações dos principais eventos de cada período.

 

(Figura 9). Analise a árvore acima. Essa foi retirada de um artigo científico publicado na revista Nature em 2010 por Regier e colaboradores sobre a evolução dos artrópodes. Segundo a legenda da figura, esse diagrama mostra as relações filogenéticas de 75 grupos de artrópodes (o grupo interno) e 5 grupos externos. Ela foi baseada numa análise de 62 genes nucleares e os ramos são proporcionais à quantidade de mudança na sequência desses genes, sendo que a barra da escala indica número de nucleotídeos modificados por sítio, 0.03 nucleotídeos. O que você pode interpretar sobre essa árvore? 

Outro dendograma utilizado é chamado de CENÁRIO EVOLUTIVO, nesse a construção é mais complexa e você encontrará diversos tipos de informações como idade dos táxons, distribuição geográfica das espécies, grau de diferenciação entre os ramos, mudanças ambientais, entre outras (não quer dizer que um cenário evolutivo obrigatoriamente terá todas essas informações). Você poderá ter uma ideia de um cenário evolutivo de uma forma divertida e didática neste link do Smithsonian National Museum of Natural History sobre a evolução humana.

 

As árvores que somente expressam semelhanças fenotípicas sem supor filogenia do grupo são chamadas de fenogramas (figura 5). As primeiras árvores que apareceram quase sempre são simplesmente fenogramas.

(Figura 10). Exemplo de Fenograma com quociente de semelhança que indica somente a divergência de formas (morfologia) entre organismos e não propõe filogenia.

Além de tudo isso um dendograma simples e grosseiro pode ser usado por você somente para estudar rotineiramente e para visualizar melhor o conteúdo estudado, ou por mim para compartilhar contigo um pouco da ideia de filogenia como venho fazendo em todos os dendogramas toscos altamente simplificados que publico aqui. Lembre-se de não chamar isso de cladograma ou filograma…rs.

 

 Todas as árvores mostradas até agora são enraízadas, isto é, possuem uma raíz, uma origem. Por isso consegue-se encontrar nessas árvores o ponto de início que é o ancestral mais antigo. Mas reparem nesta figura abaixo:

 

(Figura 11). Essa é uma árvore não enraizada das famílias de besouros (Coleoptera), ou seja, não há uma raiz e todos os ramos partem de um ponto central, veremos mais sobre sua utilização principalmente nas postagens sobre filogenia molecular. Essa árvore foi retirada do artigo de Caterino e colaboradores, publicado em 2011 na revista Zoologica Scripta.

 

 

A FILOGENIA É UMA HIPÓTESE

 

A inferência filogenética deve ser vista como uma hipótese. É muito fácil visualizar uma hipótese quando se tratam de trabalhos em ecologia, comportamento, fisiologia, genética e etc. Geralmente escreve-se essas hipóteses de trabalho em forma de uma frase bem simples que  representa a chamada H’ (hipótese alternativa), que é contraposta a H0 (hipótese nula) da estatística. A ideia é simples. A estatística rejeita ou aceita a possibilidade de sua variação na amostra ser em função do acaso (a H0 é o acaso, a casualidade, os eventos randômicos, etc). Algumas vezes a hipótese de trabalho pode ser a própria H0 no caso de partir-se da ideia de que a variação na amostra é puramente uma variação casual sem influência de qualquer  outro fator. Rejeitar a H0 JAMAIS implica na aceitação da H’. Nunca se aceitará a H’ num trabalho científico. Se a H0 for rejeitada, ou seja, se for constatado que existe um fator influenciando a variação da amostra que não a pura casualidade, pode-se propor discussões e teorias a respeito desse fator que a influencia, propostas que estarão ali previamente pensadas na sua H’. Mas as hipóteses não são aceitas, pelo contrário, sempre se tenta refutá-las. Quando uma hipótese se mostra sólida frente a diversas tentativas de refutação se diz que ela é “corroborada pela comunidade científica”. 

 

Com a Filogenia e até mesmo a Taxonomia ocorre o mesmo. Geralmente os alunos de biologia tem dificuldade em enxergar qual seria a hipótese de uma inferência filogenética ou a hipótese de uma descrição de espécie. Pois bem, as hipóteses desses trabalhos são exatamente o resultado da inferência filogenética e a delimitação da espécie em si _ espécies são hipóteses que vão sendo testadas aos poucos e sofrendo modificações. Em essência é a mesma ideia de qualquer trabalho de ecologia, fisiologia, etc. Ou seja, existe uma hipótese inicial que no caso da Inferência Filogenética é a relação entre os grupos terminais que se supõe através dos estudos de homologias e etc. Ao escolher os grupos terminais (tanto o grupo externo quanto o interno), ao escolher os caracteres utilizados ou os genes, estaremos moldando a hipótese inicial. Assim ao final da inferência teremos uma hipótese mais robusta, a própria árvore filogenética, da filogenia do grupo. O trabalho de inferência filogenética é, portanto, um trabalho de refinamento de hipóteses e de construção de hipóteses robustas que sustentem outras hipóteses (pode-se criar em cima dessa hipótese de filogenia uma hipótese para a evolução de algum caractere específico, ou da dispersão geográfica do grupo, etc). Assim como trabalhos de ecologia propõem uma hipótese inicial, a qual é contraposta a uma hipótese nula e se refina em uma hipótese “conclusiva”, que por sua vez serve de base para hipóteses posteriores. Ambos os trabalhos _ assim como quase todo estudo científico_ são testados estatisticamente. Sim, a Filogenia também tem estatística, e muita, e veremos aos poucos aqui no blog.

 

Veja também: Filogenia Mastigada 5

E não deixem de visitar a série, e outros textos, no meu Blog pessoal BioSubverso.

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texto por Ester Helena de Oliveira.

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Para Saber Mais

Amorim, Dalton de Sousa. Fundamentos de Sistemática Filogenética (1º edição), Editora Holos, 2002.

Site “Understanding Evolution” 

Lopes & Ho. “Noções básicas de Sistemática Filogenética

Livro: Amorim, Dalton de Sousa. Fundamentos de Sistemática Filogenética (1º edição), Editora Holos, 2002.

Literatura Citada:

Caterino et al. Basal Relationships of Coleoptera inferred from18S rDNA sequences. Zoologica Scripta, 31, 1, 2002. pp. 41-49.

Regier et al. Arthropod relationships revealed by phylogenomic analysis of nuclear protein-coding sequences. Letters to Nature, 2010.

Mais Sobre Cachorros e Lobos

Crânio de canídeo com 36 mil anos, achado em caverna na Bélgica, pode ser de animal ancestral comum de lobos e cães (Instituto Real de Ciências Naturais da Bélgica)

A revista Science em sua edição de 15 de novembro de 2013 publicou uma estudo afirmando que o animal ancestral comum de cães e lobos era europeu e teria cerca de 20 mil anos, o dobro do tempo transcorrido desde a invenção da agricultura, precedendo até a chegada do homem ao continente americano.

Segundo a revista, as origens geográficas e temporais do cão doméstico ainda permanecem controversas. Apesar  de dados genéticos sugerirem que o processo de domesticação tenha iniciado há 15 mil anos no leste da Ásia, o estudo de fósseis de canídeos antigos encontrados em cavernas na Europa e na Sibéria datam de mais de 30 mil anos.

Para este estudo, foram analisados os genomas mitocondriais de 18 canídeos pré-históricos da Eurásia e do Novo Mundo, juntamente com um painel abrangente de análise do DNA de cães modernos, coiotes e lobos. Segundo reportagem da Folha de São Paulo de 18/11/2013 foram analisados o DNA de 77 cães de diferentes raças, 49 lobos e 4 coiotes.

Os pesquisadores, liderados por Olaf Thalmann, da Universidade de Turku, na Finlândia, e Robert Wayne, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, fizeram uma leitura completa do DNA mitocondrial desses animais e construíram uma  árvore genealógica a fim de analisar as relações filogenéticas entre as espécies.

Segundo Wayne ” Quase nenhum dos lobos atuais, por outro lado, tem parentesco próximo com os cães de hoje, o que outros estudos já mostravam. Tudo indica que a população de lobos ancestral dos atuais cães acabou se extinguindo“.

A reportagem da Folha acrescenta que

“as análises também trouxeram uma estimativa para a data de domesticação, a qual, segundo o pesquisador, encaixa-se bem com a ideia de que certos lobos começaram a rodear os acampamentos dos caçadores humanos e ‘limpando’ as carcaças abandonadas.

Com o tempo, a relação foi se tornando mais estreita, com os bichos sendo usados como guardas ou companheiros de caça. Uma hipótese popular apostava em outro mecanismo de origem, a domesticação depois do surgimento da agricultura.

Pesquisadores rivais, no entanto, dizem que ainda é cedo para abandonar ideias concorrentes. Peter Savolainen, do Instituto Real de Tecnologia de Estocolmo (Suécia), um dos defensores da origem asiática dos cães, criticou a falta de DNA de fósseis da Ásia na análise.”, diz a Folha.

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Para saber mais:

Thalmann, O et al. Complete mitochondrial genomes of ancient canids suggest a european origin of domestic dogs.  15 November 2013: Vol. 342 no. 6160 pp. 871-874 DOI: 10.1126/science.1243650

Folha de São Paulo.Animal ancestral comum de cães e lobos era europeu, diz estudo. 

As Espécies Que o Homem Extinguiu

Fala-se muito em espécies em extinção, mas muita gente acha que o homem extinguiu até agora relativamente poucas espécies, e que portanto nossa capacidade de extinguir espécies possa estar superestimada. . Apenas de 1600 para cá, foram comprovadamente extintas pelo homem pelo menos umas 120 espécies de aves, umas 60 de mamíferos e pelo menos 25 de répteis, entre muitas outras.(…)  Além disso, já extinguimos mais de 600 espécies de plantas, e provavelmente vários milhares de invertebrados, que são mais mal conhecidos.(..) A lista continua crescendo. Isso tudo não inclui centenas de outras extinções de animais de grande porte causadas pelo homem muito antes da Idade Moderna.

Relatos de casos históricos sobre a extinção de espécies promovidas pela ação do homem pode ser encontrados no livro “A Gap in Nature”, de Tim Flannery e Peter Schouten, publicado em 2001. Mas na matéria do biólogo e professor Fernando Fernandez para o site “O Eco” ( da qual utilizei trechos para abrir esta postagem) intitulada Por que não existem pinguins no hemisfério norte? este tema é discutido a partir de exemplos emblemáticos de espécies animais que foram extintas deliberadamente pelo ser humano.

Esta matéria já foi postada integralmente no Evolucionismo por Eli Vieira em dezembro de 2008, mas dada a importância das considerações apresentadas resolvi voltar ao assunto. Voltemos ao exemplo dos pinguins do hemisfério norte.

“Todos nós aprendemos que pingüins são encontrados apenas no hemisfério sul, na Antártida e adjacências. Implicitamente, isso nos é passado como sendo um fato da natureza – como se sempre tivesse sido assim. Mas não é o caso. A resposta para a nossa questão é muito mais interessante que isso, e ao mesmo tempo desconcertante e perturbadora.

Não existem pingüins no hemisfério norte porque o homem os extinguiu em 1844″, diz a matéria.

“A ave que foi originalmente chamada de pingüim é hoje conhecida – menos do que deveria ser – pelo nome de grande alca (“great auk”). Seu nome científico – Pinguinus impennis – foi baseado em seu primeiro nome vulgar. Os pingüins do hemisfério sul, aves pertencentes a outra família e descobertos depois, receberam o seu nome exatamente por que se assemelhavam às grandes alcas. As alcas eram aves de grande porte, que viviam no Atlântico norte, em volta do círculo polar ártico, e que eram caçadas em imensa quantidade entre os séculos XVI e XIX – enchiam os porões dos navios para servir de alimento, e também eram usadas como isca para a pesca de bacalhau e lagostas. Sob essa imensa pressão, as alcas declinaram inexoravelmente até uma situação desesperadora. Então, no dia 3 de junho de 1844, um grupo de marinheiros avistou o último casal de grandes alcas, denunciados por sua grande estatura em meio às aves marinhas menores, na pequena ilha de Eldey, ao largo da Islândia.

Os marinheiros correram para as grandes alcas com porretes. As alcas tentaram desesperadamente alcançar a segurança da água, mas uma foi encurralada contra as rochas, e outra alcançada já à beira d’água. Ambas foram mortas a porretadas. Em seu ninho havia um ovo, que se acredita ter sido esmagado sob a bota de um marinheiro.

É por isso que não existem (mais) pingüins no hemisfério norte. Não, não é um fato da natureza, infelizmente. Nós fizemos isso ser assim.”

Fernando Fernandez nos conta também que havia um peixe-boi de oito metros, chamado de vaca marinha de Steller (Hydromadalis gigas), o qual foi extinto pelo homem em 1768. Um animal dócil, inteligente, com uma elaborada vida social. No mesmo texto Fernandez nos conta como se deu a extinção do tilacino e do morcego terrestre pelo homem. Diz ele:

” O tilacino ou lobo marsupial (Thylacinus cynocephalus ) é um espetacular exemplo do fenômeno que os biólogos chamam de convergência evolutiva, ou seja, animais de linhagens muito diferentes – no caso, os mamíferos placentários (como nós) e os marsupiais – evoluindo formas similares em lugares diferentes, como adaptação a papéis ecológicos similares. O tilacino, comum na Austrália inteira até uns poucos milhares de anos atrás, sobreviveu na grande ilha da Tasmânia, ao sul do continente australiano, até bem dentro do século XX. Porém, foi impiedosamente perseguido pelos colonizadores australianos, em represália à predação sobre suas ovelhas. A extinção do tilacino na natureza não teve nada de acidental, ao contrário, foi meticulosamente planejada, e levada a cabo como política oficial do governo da Tasmânia. Com o fim de erradicar a “praga”, recompensas foram pagas para cada pele de tilacino entregue. À medida que os animais começavam a escassear, o valor da recompensa foi aumentado cada vez mais. Em 1936, o governo da Tasmânia enfim mudou de política e decretou uma lei protegendo a espécie. Tarde demais. Naquele mesmo ano, o último tilacino conhecido, uma fêmea, morreu no zoológico de Hobart, capital da Tasmânia.”

“Já os morcegos terrestres eram animais bizarros, que eram capazes de voar só uns poucos metros, mas que se moviam agilmente pelo chão da floresta nas patas de trás e nos cotocos das asas, exercendo o papel ecológico dos roedores. Eram tão bem adaptados à vida terrestre que alguns tinham bolsas ao lado do corpo onde recolhiam as asas. À medida que a colonização das ilhas do Pacífico avançava, animais introduzidos pelo homem, como ratos e gatos, foram extinguindo os morcegos terrestres em ilha após ilha. As ilhas Salomão e Big South Cape, que permaneceram livres de ratos domésticos até muito recentemente, foram seu último refúgio. Mas mesmo ali, os ratos chegaram em 1962 ou 1963, e em 1965 Mystacina robusta, a última espécie de morcegos terrestres, deixou de existir.”

O dodô (Raphus cuculattus) é um dos exemplos mais conhecidos, um verdadeiro símbolo das extinções causadas pelo homem, diz Natalia Allenspach na página do seu blog “A Passarinhóloga”:

“Parente próximo dos pombos, o dodô vivia em Maurício, uma ilha que fica a cerca de 800 km de distância de Madagascar, no Oceano Índico. Muito isolada e distante do continente, originalmente não haviam mamíferos nesta ilha. Praticamente sem predadores, os dodôs acabaram se tornando aves grandes e pesadonas, perdendo a capacidade de voar.

Como outros animais encontrados em ilhas isoladas e na ausência de predadores, estas aves agigantadas eram mansas e não tinham medo dos homens que ali começaram a aportar no começo do século XVI. Facilmente capturados, não demorou para que os dodôs entrassem para o cardápio dos marinheiros. Como se não bastasse, porcos e macacos que foram trazidos para a ilha rapidamente descobriram uma fonte fácil de alimento: ovos e filhotes de dodô.

Em um período de tempo muito curto, o dodô estava extinto. O último relato confiável de avistamento de um exemplar vivo foi feito por um holandês em 1662. Hoje tudo que sabemos sobre esta espécie se baseia em alguns poucos esqueletos guardados em museus, além de fontes históricas como documentos e gravuras feitos na época. Acredita-se que era cinzento, com um bico enorme e  rosto desprovido de penas.”

Em uma reportagem de 2005 também do site “O Eco“, Juliana Tinoco entrevista o professor Dante Martins Teixeira, um dos diretores do Setor de Ornitologia do Museu Nacional da UFRJ (o qual tive  a honra de conhecer pessoalmente) e autor da tese de doutorado “O Mito da Natureza Intocada” onde relata fatos históricos que foram determinante para a extinção de várias espécies, sobretudo no litoral nordestino durante o nosso período colonial. Diz o professor Dante Teixeira:

Um estudo acadêmico sobre a distribuição dos elefantes no mundo vai afirmar que o animal só pode existir no leste da Índia e ao sul do Saara, pois tem como limite de expansão o deserto. Supomos fenômenos naturais onde na verdade houve ação do homem”. 

O professor volta às Guerras Púnicas — em que Roma lutava contra Cartago pela hegemonia na região do Mediterrâneo — para falar da distribuição dos elefantes sobre a Terra. Para surpreender o exército romano com um ataque por terra, Aníbal, o general cartaginês, valeu-se de uma enorme falange de elefantes de guerra, com a qual saiu da região onde hoje é a Tunísia e cruzou Espanha, França e os Alpes, antes de chegar ao norte da Itália. 

Hoje sabe-se que existem apenas dois tipos de elefantes: os indianos, encontrados na região leste da Índia, e os africanos, que habitam a África sub-saariana. Cartago localizava-se no norte da África. “Como não existe disque-Paquiderme, de onde Aníbal conseguiu seus elefantes?”, pergunta o professor. “Alguns podem até ter atravessado o deserto para se unir à falange, mas a teoria mais possível é a de que existiram elefantes também no norte da África e na Ásia menor, que foram exterminados pelos romanos após a vitória, temendo que Cartago se reerguesse”. 

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Para saber mais:

  • Flanery, T e P. Shouten. 2001. A gap in nature: Discovering the world’s extinct animals, The Atlantic Monthly Press. 192 pp. 

  • Vieira, E.2008. Por que não existem pinguins no hemisfério norte? Evolucionismo.org. 12/12/08

  • Tinoco, J. 2005. Era uma vez um Brasil. O Eco.13/10/2005 

  • Allenspach, N. 2013. Aves extintas: Dodô (Raphus cucullatus). A Passarinhóloga 18/10/2012

O que começa bem devagar, mas acelera mais tarde? Especiação em borboletas

O que os cientistas chamam de especiação está na base da ancestralidade comum, pois, na medida que sub-populações divergem umas das outras (mudando suas características hereditárias ao longo das gerações) novas linhagens emergem, linhagens essas que são aparentadas, uma vez que originaram-se de uma população ancestral comum.

Por isso o estudo da especiação é tão importante dentro da biologia evolutiva, com seus aspectos genéticos e ecológicos sendo constantemente alvos de estudos de campo e experimentos. Esta é uma área onde existem muitas questões em aberto sobre como este fenômeno ocorre e quais seriam suas causas nas diversas etapas do processo de divergência.

Por exemplo, até hoje, não conhecemos a taxa em que os genomas divergem durante o processo de especiação, bem como não compreendemos em detalhe a dinâmica física do processo [1]. [Imagem ao lado. Crédito: Marcus Kronforst]

“Especiação é um dos processos evolutivos mais fundamentais, mas ainda há aspectos que nós não entendemos completamente, por exemplo, quais as alterações do genoma quando uma espécie se divide em duas“, disse Marcus Kronforst, professor assistente Família Neubauer  de ecologia e evolução da Universidade de Chicago [2] coautor de um novo estudo sobre a questão.

Neste novo estudo, publicado na revista Cell Reports, seus autores fornecem evidências de que apenas algumas mudanças genéticas seriam necessárias para deflagar a evolução de novas espécies, inclusive mediante a continua troca de genes entre as populações divergentes. O estudo também mostrou que, uma vez iniciado o processo de divergência, ele passa a acontecer rapidamente, levando a espécies totalmente isoladas geneticamente umas das outras [2].

Com o intuito de elucidar essas e outras questões o grupo de cientistas responsáveis por este artigo comparou as sequências genômicas completas de 32 borboletas de uma comunidade de cinco espécies de borboletas do gênero Heliconius (Nymphalidae: Heliconiinae) capazes de hibridização. Os pesquisadores analisaram, então, os padrões de introgressão por meio de análises dos genomas como um todo para que pudessem inferirem como o processo de divergência teria ocorrido durante a especiação [1]. [Imagem ao lado. Crédito: Marcus Kronforst]

Os trabalhos concentraram-se inicialmente em duas espécies de borboletas Heliconius intimamente relacionadas, H. cydno e H. pachinus que divergiram há relativamente pouco tempo e que ocupam habitats ecológicos semelhantes e ainda são capazes de cruzarem entre si e, portanto, continuam trocando uma pequena quantidade de material genético [2].

Antes de continuarmos cabe, porém, uma pequena contextualização. Essas borboletas, que habitam regiões tropicais do continente americano, são conhecidas por exibirem uma enorme diversidade de padrões de coloração em suas asas, tendo passado por eventos de rápida especiação e divergência, mostrando também um impressionante nível de convergência nesses mesmos padrões de asa devido ao mimetismo. Essas borboletas são há mais de 150 anos um fantástico laboratório ecológico e evolutivo, nos possibilitando  acumularmos uma grande quantidade de informação sobre sua ecologia, sistemática e evolução, principalmente do que tange o mimetismo e a especiação. [Para mais informações consulte o site heliconius.org]

O mimetismo é um fenômeno encontrado na natureza no qual uma espécie assemelha-se a outra, tendo como efeito a confusão de eventuais predadores, ou que a tomam pela outra espécie perigosa, por exemplo não palatável, como é o caso do mimetismo Batesiano (proposto por Henry Bates); ou, como é o caso de outra forma de mimetismo, chamado de Mülleriano (proposto como explicação para tais padrões de similaridade por Fritz Müller), ocorre quando espécies não palatáveis convergem em sua morfologia, comportamento e ecologia de modo que seus padrões de alerta sejam disseminados reforçando-se mutuamente já que a predação sofrida por uma que serve como aprendizado da não palatabilidade da outra,por parte do predador, dividindo a pressão ecológica sobre ambas, diminuindo o custo de predação sobre todas elas. Esse é o caso das borboletas do gênero Heliconius. [Dê uma olhada no artigo “Como o mimetismo se estabelece em borboletas”].

Voltando ao estudo da revista Cell Reports, este gênero de borboletas permite aos pesquisadores explorarem a dinâmica da evolução genômica durante a especiação porque sua radiação recente produziu um continuum de táxons que co-ocorrem em diferentes fases do processo de especiação. Como essas borboletas divergiram umas das outras em épocas diferentes, podemos capturar várias etapas desse processo de divergência ao compararmos os grupos que divergiram a menos tempo com os que divergiram há mais tempo, analisando a quantidade e a o tipo de mudanças que acumularam-se em escalas de tempo distintas.

Outro ponto importante, que permitiu este estudo, é que os pesquisadores descobriram que o fluxo gênico entre essas espécies, em virtude da manutenção de certa capacidade de hibridação, silencia as variantes genéticas sem importância para a especiação. E foi isso que possibilitou que eles identificassem neste trabalho as principais áreas genéticas  afetadas pela seleção natural [2].

Para caracterizar o sistema, os pesquisadores empregaram o modelo de isolamento-com- migração (IMa2), incorporando dados de muitas regiões genômicas amostradas em todo o genoma para estimar a história da divergência e o fluxo gênico entre as espécies. Os tempos de divergência inferidos e as taxas de migração entre as espécies foram todos consistentes com os resultados anteriores obtidos a partir de conjuntos de dados menores. Os pesquisadores foram mais além na caracterização do sistema e estimaram os parâmetros demográficos que foram inferidos por meio da simulação de dados genômicos em situações com e sem fluxo gênico interespecífico. Com as simulações incluindo fluxo gênico interespecífico duradouro dando resultados semelhantes ao nível de divergência realmente observado , enquanto simulações sem o fluxo de genes produziram níveis de divergência de cinco a seis vezes maiores do que os observados [1].

Em conjunto, estes resultados sugerem que as taxas de fluxo gênico entre as espécies são altas e suficientes para impedir a diferenciação genética neutra forte que seria esperada na ausência de introgressão. Isso quer dizer que o fluxo gênico interespecífico parece homogeneizar parcialmente a variação genética nas porções do genoma que estão livres para cruzar as fronteiras das espécies, permitindo um estudo abrangente de como divergência ao nível de espécie é iniciada ao nível genômico e como ela se desenvolve posteriormente.

Abaixo estão mostradas as cinco espécies hibridizáveis do gênero Heliconius da Costa Rica que demonstra diferentes níveis de diferenciação genômica e de fluxo gênico. Em (A) está mostrada uma filogenia de H. cydno, H. pachinus e H. melpomene, juntamente com as suas espécies usadas como grupos externos, H. hecale e H. ismenius. Esta filogenia foi inferida tendo como base dados das sequências dos seus genomas. À direita estão mostrados espécies comimicas distantemente relacionadas. Em (B) podem ser vistos os locais de coleta de amostras individuais, codificadas por cores de acordo com (A). Em (C) está ilustrada a história da divergência e fluxo gênico entre os táxons focais com base na análise dos dados do genoma usando o modelo IMa2. Por fim em (D) vemos as distribuições dos FST empíricos entre H. cydno , H. pachinus e H. melpomene , com sombreamento indicando as distribuições FST obtido de simulações com base na teoria do coalescente com e sem fluxo gênico interespecífico. O FST (índice de fixação) é uma estatística baseada na estatística F de Wright que serve para medir o grau de diferenciação genética das populações, sendo em geral estimada a partir de dados de polimorfismo genético [1].

 

Em seu artigo, os pesquisadores descrevem que a divergência inicial é restrita a uma pequena porção dos genomas das borboletas, porções essas agrupadas, principalmente, em torno de genes ligados aos padrões das asas já bem conhecidos [1]. Esse processo, com o tempo, passa a evolver novas regiões divergentes, progredindo mais rapidamente [1]. De acordo com seus resultados, as espécies de borboletas diferiam umas das outras em apenas 12 pequenas regiões genômicas, mantendo-se praticamente idênticas em todo o resto dos seus genomas. Dessas regiões, oito estão associadas com genes envolvidos na formação dos padrões de coloração das asas que, por sua vez, desempenham papeis reprodutivo (evitar o acasalamento entre as populações divergentes) e ecológico (evitação de predadores) claros, estando sob intensa pressão de seleção [2]. Como explica Kronforst:

“Estas 12 porções parecem funcionar bem somente no ambiente que sua espécie ocupa, e por causa disso são impedidos de moverem entre os pools gênicos, embora outras partes dos genomas sejam trocadas de um lado para outro”

Essas porções, portanto, trariam prejuízos adaptativos as populações da outra espécie em divergência e portanto não se disseminariam nelas, mesmo mediante ao intercruzamento eventual, já que os híbridos que mostrassem essas características no ambiente errado não sobreviveriam muito tempo e não deixariam descendentes.

Os cientistas continuaram suas análises, mas desta vez comparando os genomas dos duas espécies muito próximas como o de uma terceira espécie, ainda intimamente aparentada, mas mais distante em termos de divergência evolutiva [2]. Aqui, Neste caso foram encontradas centenas de diferenças genômicas, indicando que a taxa de divergência genética teria rapidamente se acelerado após o início do processo [2].

“Nosso trabalho sugere que algumas mutações vantajosas são suficientes para causar um cabo-de-guerra entre a seleção natural e o fluxo gênico, o que pode levar a rápida divergência entre genomas“,  disse Kronforst .

“Nós descobrimos que apenas uma pequena fração do genoma é marcadamente diferente entre espécies estreitamente relacionadas, mas muito mais porções do genoma – mais do que alguém esperaria – mostram diferenças similares entre as espécies mais distantemente relacionadas”, explicou Kronforst. [3]

“Isso indica que as mudanças genéticas que são importantes para causar especiação são bem agrupadas no início da especiação, mas não tão tarde assim no processo, o padrão geral de divergência do genoma que começa lento depois pega carona em um foguete rumos aos céus.” [3]

Estudos anteriores já haviam avaliado a importância evolutiva da hibridação e da introgressão uma vez que, apesar de híbridos poderem muitas vezes serem raros e mal adaptados, a hibridização pode ajudar o processo de adaptação, transferindo características benéficas entre as espécies. Este fenômeno parece ser particularmente em espécies como as do gênero Heliconus. Os pesquisadores do The Heliconius Genome Consortium valeram-se de ferramentas de análise genômica para investigar introgressão em Heliconius e, ao sequenciarem o genoma de Heliconius melpomene e compararam-no aos genomas de outros grupos, puderam verificar que, entre os 12.669 genes preditos, estavam expansões biologicamente importantes em famílias dos genes Hox e de genes ligados quimiorrecepção (detecção de moléculas odoríferas) foram particularmente notáveis [5]​​.

Os cientistas do consórcio constataram que a organização cromossômica manteve-se bastante conservada desde o período Cretáceo, quando as borboletas separaram-se da linhagem das mariposas Bombyx. Por meio do re-sequenciamento genômico foi possível mostrar a troca de genes por hibridização entre três espécies co-miméticas, Heliconius melpomene, Heliconius timareta e Heliconius elevatus. Trocas essas que foram particularmente significantes em duas regiões genômicas associadas ao controle dos padrões miméticos das asas. A partir desses resultados, os cientistas concluíram que espécies Heliconius próximas trocam entre si genes de padrão de coloraçã de maneira promiscua, o que, segundo eles, implica que a hibridização teve um papel importante na radiação adaptativa [5]. [Para saber mais veja o post “O genoma da borboleta – mimetismo e introgressão” do Genomando]

Porém, ainda assim esses resultados poderiam ser decorrentes de polimorfismo ancestral, já que este fenômeno pode também produzir uma assinatura de ancestralidade compartilhada em torno dos genes do mimetismo. Para investigar esta hipótese alternativa, dois pesquisadores, Joel Smith e Marcus R. Kronforst (co-autor do estudo do Cell Reports e participante do consórcio de sequenciamento) mediram a divergência entre as sequencias de DNA em torno dos genes associados ao mimetismo e que hipoteticamente haviam introgredido, comparando-os esta com o resto do genoma [6]. Essas análises revelaram que as regiões supostamente introgredidas exibiam níveis bem reduzidas de divergência entre as sequências entre as espécies co-miméticas, resultado este que sugere que os tempos de divergência são menores para estas sequências do que o para o resto do genoma. Estes resultados são consistentes com a hipótese de introgressão e, portanto, não com a variação ancestral, reforçando a ideia que o empréstimo de genes (não apenas miméticos) por hibridização são a causa mais provável dos padrões encontrados [6].

Este ‘cabo-de-guerra’ entre a seleção natural e o fluxo gênico resultaria nesse início lento e na progressão rápida, posterior, com a divergência entre as espécies de borboletas sendo impulsionada por uma combinação de novas mutações e de genes emprestados das populações das quais divergiram [3]. Os pesquisadores também puderam constatar que os genomas dessas borboletas mostram também que as mesmas porções nos genomas foram importantes em vários outros eventos de especiação [3].

“Além de borboletas, é possível que este tipo de especiação, em que a seleção natural associada a ecologia causa a origem de novas espécies, tenha sido importante na evolução de outros organismos”, disse Kronforst [3].

Este estudo mostra que a especiação em Heliconius frente o fluxo gênico gera heterogeneidade genômica durante a divergência, com este processo inicialmente sendo altamente restrito – agrupado, em sua maior parte, ao redor dos genes responsáveis pela padronização das asas -, porém, depois disso, evoluindo rapidamente com novas regiões diferenciadas sendo observadas. Sendo todo esse processo influenciado pela seleção natural divergente e purificadora, bem como pela introgressão de genes de outras espécies. Os pesquisadores, por fim, concluíram que este estudo fornece um retrato muito abrangente da evolução dos limites entres espécies, como o papel da hibridação na redução da acumulação de divergência de fundo em regiões genômicas neutras [1].

Estes resultados mostram como processos microevolutivos podem produzir os padrões de heterogeneidade genômico durante a especiação, dando partida ao processo de divergência que apesar de começar de maneira lenta e restringir-se a poucos genes e regiões adjacentes imediatamente associadas com a adaptação, com o passar do tempo, acaba por ganhar tração na medida que as linhagens divergem cada vez mais rapidamente. Assim, mesmo sem a necessidade de barreiras rígidas ao fluxo gênico, este processo pode ocorrer por meio desse cabo-de-guerra entre a seleção natural agindo em contextos ecológicos locais diferentes e a troca de genes por meio da hibridização com espécies co-miméticas.

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Referências:

  1. Kronforst, Marcus R.; Hansen, Matthew E.B.; Crawford, Nicholas G.; Gallant, Jason R.; Zhang, Wei; Kulathinal, Rob J.; Kapan, Durrell D.; Mullen, Sean P. Hybridization reveals the evolving genomic architecture of speciation. Cell Reports, 2013 DOI: 10.1016/j.celrep.2013.09.042

  2. Evolution of New Species Requires Few Genetic Changes, University of Chicago Medical Center, 28 de outubro de 2013.

  3. Butterflies show origin of species as an evolutionary process, not a single event Eurekalert, 31 de outubro de 2013

  4. Dasmahapatra KK, Walters JR, Briscoe AD, Davey JW, Whibley A, Nadeau NJ, Zimin AV, Hughes DS, Ferguson LC, Martin SH, Salazar C, Lewis JJ, Adler S, Ahn SJ, Baker DA, Baxter SW, Chamberlain NL, Chauhan R, Counterman BA, Dalmay T, Gilbert LE, Gordon K, Heckel DG, Hines HM, Hoff KJ, Holland PW, Jacquin-Joly E, Jiggins FM, Jones RT, Kapan DD, Kersey P, Lamas G, Lawson D, Mapleson D, Maroja LS, Martin A, Moxon S, Palmer WJ, Papa R, Papanicolaou A, Pauchet Y, Ray DA, Rosser N, Salzberg SL, Supple MA, Surridge A, Tenger-Trolander A, Vogel H, Wilkinson PA, Wilson D, Yorke JA, Yuan F, Balmuth AL, Eland C, Gharbi K, Thomson M, Gibbs RA, Han Y, Jayaseelan JC, Kovar C, Mathew T, Muzny DM, Ongeri F, Pu LL, Qu J, Thornton RL, Worley KC, Wu YQ, Linares M, Blaxter ML, ffrench-Constant RH, Joron M, Kronforst MR, Mullen SP, Reed RD, Scherer SE, Richards S, Mallet J, McMillan W, Jiggins CD. Butterfly genome reveals promiscuous exchange of mimicry adaptations among species. Nature. 2012 Jul 5;487(7405):94-8. doi:10.1038/nature11041.

  5. Smith J, Kronforst MR. Do Heliconius butterfly species exchange mimicry alleles? Biol Lett. 2013 Jul 17;9(4):20130503. doi: 10.1098/rsbl.2013.0503.

Predadores ou presas? Como eram os ancestrais dos vertebrados modernos.

As origens do nosso esqueleto remontam a centenas de milhões de anos, ao aparecimento e evolução de estruturas ‘biomineralizadas‘ em nossa linhagem. Este fenômeno foi bem generalizado tendo seu início aparente na explosão cambriana, por volta de 530 milhões de anos atrás. Portanto, não envolveu apenas os ancestrais diretos dos vertebrados mas também os ancestrais dos demais invertebrados que de grupos que possuem carapaças, conchas, endosqueletos etc.

Esta radiação adaptativa, cada vez mais, parece ter sido desencadeada por um série de fatores bióticos e abióticos, internos e externos. Porém, o aumento da complexidade das relações ecológicas – resultando no escalonamento da competição interespecífica e da corrida armamentista coevolutiva entre presas e predadores – teria sido o fator chave [Veja os posts “A explosão cambriana. Parte II: Rápida, mas nem tanto assim!”, [“A Explosão Cambriana”, “Conheça os fósseis dos primeiros animais com ‘esqueleto’”, “Uma Breve História da Vida”, “A Explosão Cambriana: Uma introdução””, “De volta ao cambriano: Dividindo o evento”, “O ‘pavio filogenético’ e a ‘explosão cambriana’ não se fundem.” e “Como distorcer a genética e a biologia evolutiva: Muita ignorância e pouca humildade].

Voltando, ao caso específico dos vertebrados não está bem claro se a origem de nossa versão de esqueleto evolui originalmente no contexto da defesa ou do ataque, ou seja, será que nossos esqueletos evoluir para proteção ou para a violência?

Encontramos em depósitos fósseis de por volta de 500 milhões anos de idade os primeiros vestígios de esqueletos em fósseis de peixes, alguns dos quais eram de animais filtradores que varriam o fundo coberto de lama e que eram protegido por uma amadura de placas mineralizadas, enquanto outros eram de predadores com corpo não protegido, mas cheios assustadores estruturas dentárias.

Tradicionalmente, pensou-se que o esqueleto dos vertebrados modernos e os demais tecidos ósseos característicos teriam originado-se do segundo tipo de espécies de predadores mais conhecidos como “conodontes”. Os conodontes são um grupo extinto de vertebrados sem mandíbula considerados os primeiros vertebrados ‘esqueletizados’, por causa de seu aparato alimentar mineralizado que é normalmente interpretado como tendo realizado a função dentária, sendo, portanto, estes elementos anatômicos tidos como as primeiras estruturas dentais dos vertebrados [3].

Por causa desta descoberta, foi proposta a hipótese “de dentro para fora”, ou seja, que os dentes teriam evoluído independentemente do esqueleto dérmico dos vertebrados e antes da origem das mandíbulas. Porém, mais recentemente, como mostra um novo estudo publicado na famosa revista Nature, as evidências sugerem que os conodontes parecem ter evoluído suas estruturas dentárias de maneira independente dos demais vertebrados, nossos ancestrais diretos [1]. De acordo com os autores deste trabalho essa hipótese é baseada no exame de euconodontes já derivados e não das formas mais primitivas desses animais.

Este novo trabalho envolveu a colaboração dos paleontólogos das Universidade de Bristol, Pequim e do Serviço Geológico dos EUA, com físicos da Suíça [1].  No artigo os pesquisadores fornecem evidências e argumentam que a origem do nosso esqueleto está nas ‘armaduras ósseas’ dos nossos ancestrais que alimentavam-se vasculhando a lama que evoluíram suas carapaças ósseas sob pressão da predação de animais como os conodontes [2].

As partes consideradas responsáveis ​​pelo fracionamento dos alimentos – as cúspides e dentículos – são geralmente compostas por um tecido coronal lamelar (que supõe-se homólogo aos esmalte) e por um tecido que cobre um núcleo de tecido de dentina ou de um enigmático tecido semelhante ao osso, a “matéria branca”. Por fim, esses dois tecidos sobrepõem-se a um terceiro tipo de tecido, o “corpo basal” que é  interpretado como cartilagem calcificada globular [3, 4].

Um ponto muito importante em relação a estas estruturas semelhantes a dentes é que sua disparidade morfológica é enorme, rivalizando com a disparidade exibida pela dentição dos outros vertebrados como um todo, embora pouco saibamos sobre como essas estruturas eram usadas.

Os pesquisadores propõem que, por causa dessa grande disparidade, os conodontes são um recurso valioso para testar a generalidade dos princípios funcionais derivados do estudo dos dentes de outros vertebrados, além de permitirem a exploração da convergência de uma série de estruturas de processamento de alimentos [5, 6]. A direita podemos observar reconstruções recentes dos corpos de espécies de conodontes, cujos espécimens tem todos cerca de 4 cm de comprimento.


Os autores do estudo, Duncan J. E. Murdock, Xi-Ping Dong, John E. Repetski, Federica Marone, Marco Stampanoni, Philip C. J. Donoghue, decidiram testar a hipótese da ascendência dos euconodontes a partir dos paraconodontes, utilizando tomografia microscópica de raio-X gerado a partir de uma fonte de radiação síncrotron, da Fonte de Luz Suíça, no Instituto Paul Scherrer. Eles fizeram isso como forma de caracterizar em maior detalhe e comparar com maior precisão a microestrutura de elementos morfológicos similares entre euconodonte e paraconodontes [1, 2].

A figura ao lado mostra o crescimento e a microestrutura dos elementos do paraconodonte Furnishina, encontrado na seção Threadgill Creek na formação Wilberns, região central do Texas. De ‘a’ a ‘c’ podemos observar o elemento completo dividido em várias etapas de crescimento discretas delimitadas por linhas que mostram a cessação de crescimento (b, c). Já em d-h são mostradas a fase de crescimento inicial: o protoelemento (d) que não é envolvido por lamelas de crescimento subsequente, ao invés disso as lamelas são adicionadas apenas às margens proximal e lateral do proto-elemento (e-h). Barra de escala, 50 mm. [2]

Na figura à esquerda vemos o padrão de crescimento do elemento e da microestrutura do paraconodonte Problematoconites [Formação Windfall, Tremadocian, Ordoviciano, Eureka County, Nevada, EUA.] Nela está mostrado um close-up de uma parte distal da cúspide que foi também subdividida em vários estágios de crescimento discretos delimitados por linhas que mostram a cessação de crescimento (b-f), com o uma renderização em SRXTM do elemento completo na mesma orientação (g). Podemos ver também a fase de crescimento inicial, proto-elemento, não está envolvida por lamelas de crescimento subsequente, mais uma vez ao invés disso, as lamelas são adicionadas apenas às margens proximal e lateral apenas do proto-elemento. Barra de escala representa 100 μm (a-f), 266 μm (g) [2].

Abaixo podemos observar o padrão de crescimento do elemento euconodonte Proconodontus posterocostatus [Formação Gros Ventre, fim do Cambriano, montanhas Bighorn, Wyoming, EUA.] Em a, vemos um corte longitudinal mostrando a delimitação do elemento entre a coroa e o corpo basal. Em b-F, vemos renderizações em SRXTM das duas camadas iniciais de crescimento do corpo basal e as relações entre a coroa (em vermelho) e corpo basal (em azul, roxo, verde). O crescimento do corpo basal continua como nos elementos da paraconodontes de Furnishina, mas com a adição de tecido coronal; Barra de escala, 50 mm.

A equipe de cientistas conseguiu mostrar que as estruturas dentárias, como as encontradas nas bocas de conodontes, evoluíram dentro da própria linhagem evolutiva destes animais, em vez de terem evoluído em um antepassado comum ao dos outros vertebrados [1].

O primeiro autor do trabalho, Duncan Murdock, da Universidade de Bristol, comentou:

“Nós fomos capazes de visualizar todas as linhas de crescimento, tecidos e células dentro dos dentes ósseos, o que nos permitiu estudar o seu desenvolvimento. Nós comparamos o esqueleto dental dos conodontes com o de seus ancestrais “paraconodontes” e aos dentes em vertebrados vivos atualmente, demonstrando que a estrutura similar a dentes dos conodontes foi reunida através do tempo evolutivo independentemente de outros vertebrados .”[1]

A análise dos elementos morfológicos dos paraconodontes mostrou que eles exibem uma variedade de graus de diferenciação estrutural, incluindo tecidos e um padrão de crescimento comuns aos corpos basais dos euconodontes. Estas comparações permitiram mostrar que a hipótese tradicional não parece sustentar-se. Ao lado temos a imagem da comparação entre o crescimento dos “dentes” do paraconodonte Furnishina (à esquerda) e do euconodonte Proconodontus (à direita). Eles foram divididos em vários estádios de crescimento discretos, revelando um modo comum de crescimento entre os dois grupos. Euconodontes evoluíram a partir dos paraconodontes por meio da origem de uma coroa de esmalte (em vermelho, transparente) [Imagem por DJE Murdock]:

“Os diferentes graus de diferenciação estrutural exibidos por paraconodontes demonstram a aquisição gradual das características dos euconodontes, resolvendo o debate sobre a relação entre esses dois grupos. Por implicação, a homologia suposta entre o tecido da coroa dos euconodontes e o esmalte dos vertebrados deve ser rejeitada por que estes tecidos evoluíram de forma independente e convergente.” [2]

O professor Philip Donoghue, também da Universidade de Bristol, co-autor do artigo disse:

“Isso remove uma evidência chave da hipótese de que os dentes evoluíram antes da armadura óssea, e sugere que aos ancestrais comuns, dos conodontes e dos outros vertebrados provavelmente, faltava um esqueleto mineralizado. Pelo contrário, parece que os dentes evoluíram a partir da armadura de nossos humildes antepassados filtradores.” [2]

Com base nessas comparações, os pesquisadores concluíram que as similaridades de natureza ontogenética, estruturais e posicionais (topológicas) entre os elementos dentais dos euconodontes e dos vertebrados seriam um exemplo notável de convergência. De acordo com os cientistas, o último ancestral comum de conodontes e vertebrados com mandíbula, provavelmente, não possuía tecidos esqueléticos mineralizados, o que fez proporem a rejeição das hipóteses de que os dentes evoluíram antes das mandíbulas e a “de dentro para fora” para a evolução dental. De acordo com os resultados, os dentes parecem ter evoluído através da ampliação das “competências odontogênicas” da derme externa para a região do epitélio interno logo após a origem da mandíbula [2]. Ao lado uma imagem obtida por microscopia eletrônica de varredura mostrando quatro elementos dos conodontes sobre uma cabeça de alfinete.

Abaixo vemos a proposta da hipótese filogenética para a relação entre paraconodontes e euconodontes, e para a evolução das características esqueléticas dos conodontes [2].

A primeira característica a originar-se teria sido o padrão incremental de crescimento em volta da base e dos lados da estrutura que estaria presente em todos os Paraconodontes e Euconodontes. Após a separação da linhagem que deu origem a Furnishina, foram as lamelas estendendo-se através da cavidade basal que originaram-se e esse evento foi sucedido pela separação da linhagem que deu origem a Problemarocodontes, seguido da mineralização esférica dos corpos basais, tendo sido sucedida, por sua vez, pela separação da linhagem que deu origem a Rotundoconus. Sendo só depois deste evento que o tecido da coroa teria evoluído, seguido da divergência da linhagem que deu origem a Granatodontus que foi sucedida plela redução dos corpos basais, como vemos em Proconodontus [2].

Os euconodontes, portanto, são derivados a partir de um conjunto parafilético (ou seja, que não inclui todos os descendentes do ancestral comum) de ancestrais paraconodontes que exibiam um aumento da complexidade do corpo basal, mas que diferenciam-se pela aquisição do tecido da coroa. Sendo assim, a coroa dos euconodontes não pode ser homóloga aos esmalte dos vertebrados [2].

Provavelmente, este não é o fim da história e outros estudos devem seguir-se a este e aos poucos vamos ver consensos mais sólidos emergirem. O ponto importante aqui é como dados comparativos e métodos modernos muito precisos permitem testar hipóteses de maneira contrastiva a avançar no conhecimento científico.

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Referências:

  1. Sinking teeth into the evolutionary origin of our skeleton, University of Bristol – Press release issued 16 October 2013.

  2. Murdock, D. J. E., Dong, X.-P., Repetski, J. E., Marone, F., Stampanoni, M. and Donoghue, P. C. J. The origin of conodonts and of vertebrate mineralized skeletons. Nature, 2013; DOI: 10.1038/nature12645

  3. Jones D, Evans AR, Siu KK, Rayfield EJ, Donoghue PC. The sharpest tools in the box? Quantitative analysis of conodont element functional morphology. Proc Biol Sci. 2012 Jul 22;279(1739):2849-54. doi: 10.1098/rspb.2012.0147.

  4. Janvier, Philippe. 1997. Euconodonta. Version 01 January 1997 (under construction). in The Tree of Life Web Project, http://tolweb.org/

  5. Jones D, Evans AR, Rayfield EJ, Siu KK, Donoghue PC. Testing microstructural adaptation in the earliest dental tools. Biol Lett. 2012 Dec 23;8(6):952-5. doi: 10.1098/rsbl.2012.0487.

  6. Jones D, Evans AR, Siu KK, Rayfield EJ, Donoghue PC. The sharpest tools in the box? Quantitative analysis of conodont element functional morphology. Proc Biol Sci. 2012 Jul 22;279(1739):2849-54. doi: 10.1098/rspb.2012.0147.

Créditos das figuras:

Conodonta© 1997 Philippe Janvier
Reconstrução de conodontes – Mark A. Purnell

Cabeça de alfinete – Mark A. Purnell

A Evolução da Metamorfose e a “Síndrome das Homonímias Mascarantes” na Biologia

Desde a pré-escola temos contato com o estudo da metamorfose. Toda criança aprende desde pequena que a lagarta vira casulo e depois borboleta e que o girino cria patinhas e vira sapo. Muitas professoras(es) adoram criar lagartas nas escolas infantis para que as crianças acompanhem o desenvolvimento da lagarta, o empupamento e a metamorfose. No ensino fundamental aprendemos que grande parte dos insetos sofrem metamorfose e no ensino médio gastamos certo tempo com a  metamorfose de vários seres marinhos, além da metamorfose dos insetos e da metamorfose dos anfíbios. Mas o que é metamorfose? O processo de metamorfose de um grupo de organismos é similar ao processo de outro grupo? Metamorfose é um processo único e facilmente reconhecível?

 

Dalton de Souza Amorim faz uma interessante observação em seu livro “Princípios de Sistemática Filogenética” (que você pode conhecer melhor na série “Filogenia Mastigada” aqui no blog). O professor afirma que muito da “evolução convergente” pode ser simplesmente considerada casos de homonímias entre processos ou estruturas similares que recebem o mesmo nome por aparência externa, função ou tradição. A metamorfose é uma delas.

 

Metamorfose quer dizer “mudança” e o termo é usado por pura tradição para organismos que sofrem alterações corporais e mudam de hábitat durante certa fase da vida. Entretanto, o processo não é o mesmo em todos os organismos, na verdade, ele é completamente diferente dentro dos grupos. “A metamorfose” seria melhor descrita como vários processos desenvolvimentais completamente distintos entre si – sejam na sua regulação, fisiologia e evolução – de seres cuja estratégia é utilizar de dois ambientes em duas fases distintas de suas vidas.

 

A “metamorfose” evoluiu diversas vezes até mesmo em insetos (seriam umas sete evoluções de “metamorfoses” distintas somente em insetos). Cada processo é distinto e típico de cada grupo, porém recebe o mesmo nome: “metamorfose”.  A ideia geral da evolução das “metamorfoses” seria através de uma compactação de vários estágios desenvolvimentais que ocorreriam ancestralmente ao longo da vida do ser e que passam a ocorrer sintética e drasticamente em um momento curto. Apesar desse aspecto em comum, os mecanismos evolutivos e seus processos metabólicos são altamente variáveis entre os seres.  Se analisarmos a fundo, o termo “metamorfose” não nos traz qualquer informação relevante sobre os processos que descreve, a não ser a super informação de que os corpos se alteram… uau.

 

A metamorfose em insetos é estudada desde os primórdios da biologia. Ela é tão importante no estudo dos insetos que esses são até mesmo classificados (somente por razões ditas “didáticas”) em ametábolos, hemimetábolos e holometábolos. Mas o que esses termos nos dizem? O que é uma “hemimetamorfose” ou uma “metamorfose incompleta”? Alguém saberia me dizer? Por que incompleta? Por que “hemi”(meia)? Quer dizer que a metamorfose nesses seres não é total, quer dizer que falta alguma coisa?

 

O nome metamorfose “incompleta” ou “meia” revela uma visão totalmente distorcida que vem de um tempo onde se acreditava que os seres vivos eram criados em uma série hierárquica de complexidade crescente tendo em seu ápice o ser supremo triunfal e machudo Homo sapiens (machudo claro, porque mulher seria simplesmente um homem incompleto sem pênis que morre de ciúmes do pênis alheio).  A ideia passou triunfante pelo início da história da evolução por conter a premissa errônea senso comum naquela época de que a evolução é dirigida a um fim. Assim o raciocínio seria: esses insetos sofrem um processo de metamorfose incompleto, ao qual falta uma parte, sendo que essa parte é alcançada no grupo posterior e “mais evoluído” holometábola, os de metamorfose completa.

O processo desenvolvimental dos hemimetábolas (ou “metamorfose” por “hemimetabolia”) é completo sim, não tem nada pela metade, nada incompleto e nada faltando, ponto. Os hemimetábolas não são holometábolas incompletos assim como chimpanzés não são Homo sapiens incompletos e as mulheres não são homens incompletos. Escalas hierárquicas de complexidade crescente não existem na evolução. Quando o termo metamorfose começa a ser questionado pela própria ideia de que a metamorfose não é um processo único em todos os grupos e sim vários processos diferentes com uma “cara” superficialmente semelhante, a ideia de ametabolia em insetos cai por terra em sua utilidade.

Ciclo desenvolvimental de um Orthoptera (Hemimetábola)  e de um Diptera (Holometábola)

Mas você está a pensar que existe sim alguma coisa que diferencia muito o processo que ocorre em holometábola de todos os demais grupos de insetos, sejam eles hemi ou ametábolas. Você está certo. A holometabolia é um processo que se originou somente uma vez, ou seja, todos os holometábolas possuem um ancestral comum imediato e são sim um clado monofilético. A hemimetabolia em insetos provavelmente se originou diversas vezes, entretanto a holometabolia se originou somente uma vez. Ela sim é um processo que nos mostra um certo padrão decorrente de uma ancestralidade compartilhada, apesar de variar entre grupos. Aqui fica mais claro porque as homonímias de estruturas e fenômenos atrapalham tanto a ciência. Elas escondem e mascaram processos, nos atrapalham de enxergar e refletir sobre o assunto. Mas o que a holometabolia tem de diferente? Pense um pouco, reveja o ciclo de vida desses insetos e compare-os com os dos demais “hemi” e “ametábolos”. Eu tenho certeza que pra você agora chegar à conclusão será muito fácil.

 

A chave é a pupa.

 

Sim, a chave é a pupa. Os holometábolo passam por uma fase de pupa. Essa é a fase metamórfica. É durante a fase de pupa que a metamorfose ocorre, ou seja, todos os tecidos são reorganizados drasticamente. A forma corporal muda completamente e o hábitat do organismo antes da pupa e depois da pupa é completamente distinto. Mas como a holometabolia evoluiu?

 

A teoria de Berlese & Imms nos dá um interessante panorama da evolução da Metamorfose. Berlese & Imms notaram similaridades entre diferentes formas corporais larvais e formas de transição durante a embriogênese de insetos hemimetábolos. Eles propuseram então que a larva teria evoluído a partir de um processo de “desembrionização”, ou seja, a larva seria um embrião vivendo e se alimentando no ambiente externo ao ovo. Um embrião de vida-livre. Assim nos insetos holometábolo (clado monofilético mais conhecido pelo nome Endopterygota) haveria uma pressão para que a última fase de desenvolvimento do embrião (chamada também de pró-ninfa) deixasse o ovo mais cedo e passasse a se alimentar no ambiente externo.  A pró-ninfa se especializaria em determinado ambiente externo e atingiria uma alta aptidão (fitness).Por se alimentar em local diferente do adulto e com hábitos altamente especializados. Ao obter alimentos diferentes do que os adultos geralmente utilizam a ninfa teria evitado uma competição intra-específica entre juvenis e adultos (cada um se alimenta de algo diferente) e essa vantagem teria sido importantíssima para sua alta aptidão. Essa alta aptidão da pró-ninfa externa ao ovo teria aumentado o tempo de vida dessa fase em detrimento das demais fases de ninfa (que existem nos hemimetábolas). Assim a pró-ninfa de vida longa e especializada teria se tornado a larva, enquanto que as demais fases de ninfa com todas suas modificações corpóreas teriam se reduzido a uma rápida fase de alta mudança corpórea drástica. Acertou quem disse que essa fase de drástica mudança corpórea se chama pupa (sim, a teoria é linda, mas nunca se deixe levar somente pela beleza delas, ela é a mais aceita hoje, mas sempre questione e pense).

Pró-ninfa (Fase embrionária tardia) com tecidos desenvolvidos vivendo e se alimentando fora do ovo, no ambiente.

Fase de Pró-ninfa, com alta vantagem adaptativa, aumenta seu tempo em detrimento das demais fases ninfais que reduzem seu tempo.

Fase de Pró-ninfa se especializa e a larva evolui.

Fases de ninfa compactadas a uma única fase rápida de mudança corpórea radical: a pupa. 

James W.  Trueman e Lynn Riddiford detalharam e estudaram a fundo a teoria a partir principalmente do ponto de vista endocrinológico. Eles demonstraram que a evolução da pró-ninfa a protolarva envolveu uma mudança heterocrônica da secreção de hormônio juvenil. A heterocronia (hetero = diferente e Chronos = tempo) se refere a mudanças no tempo dos eventos ontogenéticos (= desenvolvimentais) ou nas taxas desenvolvimentais, veja mais aqui.

Não se assustem com a endocrinologia dos insetos, não é nenhum bicho de sete cabeças. Tenha em mente que o hormônio juvenil é um hormônio “mantenedor de forma corpórea”. Quando ele está em nível alto não acontecem mudanças corpóreas significativas no inseto. Quando ele cai, mudanças na forma corpórea ocorrem. A ecdisona, o hormônio responsável pela troca do exoesqueleto (muda), permite o crescimento do corpo do animal e determina o fim de um estágio e início de outro. Enquanto o hormônio juvenil está alto, a ecdisona somente troca o exoesqueleto, mas a forma do organismo continua intacta.

O que Trueman e Riddiford perceberam estudando a dinâmica hormonal de insetos hemimetábolos e holometábolos foi que o hormônio juvenil está em altas concentrações no fim da vida embriônica em ambos os grupo (holo e hemi). Entretanto em hemimetábolos o hormônio juvenil começa a cair e desaparecer durante as fases pós-embriônicas de ninfa. A muda entre a última fase da ninfa e o adulto acontece sem a presença do hormônio juvenil e a maturação sexual é completada surgindo o adulto sexualmente maturo. Em holometábolas a dinâmica do hormônio juvenil na vida pós-embriônica é diferente sendo que altos níveis de hormônio juvenil são mantidos até o final das fases de larva. Nas últimas fases de larva o hormônio juvenil cai aos poucos e a pupa se forma, entretanto o hormônio juvenil volta a dar um salto no começo da formação da pupa e depois seu nível cai rapidamente a zero. A próxima muda induzida pela ecdisona acontecerá na ausência do hormônio juvenil e conduzirá a liberação do adulto da pupa. A base do sistema é bem simples, certo?

 

Dinâmica Hormonal durante fase embriônica e pós-embriônica em a) Hemimetábola e b)Holometábola. Em azul os níveis de Hormônio Juvenil, linha negra representa os ecdisteróides.

Para Trueman e Riddiford, o efeito do hormônio juvenil atuando mais cedo na vida da pró-ninfa suprimiu aspectos do crescimento embriônico (mantendo a forma corporal embriônica) e teria causado a maturação precoce da pró-ninfa tornando seus órgãos funcionais e fazendo-a capaz de sair ao meio externo. Assim a presença do hormônio juvenil teria aumentado a vida do estágio de larva e esse hormônio desapareceria para que todas as mudanças morfológicas ocorressem restritas ao estágio de pupa. Assim, o misterioso pico do hormônio juvenil durante a transição larva e pupa estaria ligado à necessidade ancestral desse hormônio na transição pró-ninfa a ninfa e seria correspondente à queda nos níveis dos estágios de ninfa em hemimetábolas.

 

Agora o panorama que desponta nos faz separar em nossas cabeças três diferentes processos que muitas vezes são mascarados sob o processo de metamorfose quando não estudados com cuidado. Seriam eles: a muda, a maturidade sexual e a pupa. A muda é mais facilmente compreendida em separado afinal ocorre várias vezes e em fases não metamórficas também. Quanto à maturidade sexual e a “metamorfose”, os dois se misturam um pouco. Se a pupa é o estágio metamórfico, ou seja, é durante a fase de pupa que a metamorfose ocorre, não faz sentido dizer que os hemimetábolos possuem metamorfose. Eles não possuem pupa, a mudança morfológica da ninfa ao adulto não é tão drástica e a ninfa e o adulto geralmente vivem no mesmo ambiente. A fase chamada de “metamórfica” em hemimetábolos é simplesmente a fase na qual o organismo alcança a maturidade sexual e desenvolve suas asas, sendo as asas ligadas à maturidade sexual, afinal é quando sexualmente maturo que o inseto voa para encontrar um parceiro para cópula, ou participa de enxames ou de vôos nupciais e usa o vôo como dispersão ativa. Não faz sentido chamar o processo de maturação sexual de metamorfose. Durante a metamorfose em Holometábola ocorre também a maturação sexual.

 

Então temos em insetos aqueles que sofrem várias mudas mesmo após alcançado a maturidade sexual e não possuem um número de eventos de muda fixo, os antigos ditos ametábolos. Temos aqueles com números de eventos de muda fixo (costuma ser 5 ou 6) nos quais a muda cessa com a maturidade sexual e que antes eram chamados de hemimetábolos (por que a muda cessa após a maturidade sexual? Deixemos essa interessante teoria para outra postagem) e temos aqueles que passam pelo estágio de pupa, e podem até ser considerados metamórficos, e nos quais os eventos de muda também possuem um número fixo, sendo somente esses últimos pertencentes a um clado monofilético e portanto formando um grupo válido. Casos estranhos como as efêmeras (Ephemeroptera) e os tripes (vulgos lacerdinhas, Família Thysanoptera, deêm uma olhada no ciclo de vida dos Tripes aqui, que vão suspeitar do que eu digo) podem ser considerados como autapomorfias (ou arqueomorfias?) e podemos abordá-los em outras postagens.

Voltando à moral da história: o mal das homonímias mascarantes, ou o que chamo de “péssimos nomes da biologia” (nome que me apoderei de meu orientador Cristiano Lopes-Andrade). Não somente esses péssimos nomes podem apontar para uma falsa evolução convergente como podem mascarar e distorcer nossa compreensão dos fenômenos e estruturas. Obviamente a ciência deve aceitar uma novidade com cautela e ter cuidado ao averiguar as novas hipóteses. Da mesma forma não podemos nos deixar maravilhar com qualquer novidade e aceitá-las como pertinentes sem analisar as evidências cautelosamente. Portanto, biólogas(os), nada de manter nomenclatura por tradição e puro conservadorismo, não perpetuem a Síndrome das Homonímias Mascarantes.

Não deixem de visitar meu blog pessoal BioSubverso

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Leitura Complementar:

  • Amorim, Dalton de Sousa. 2002. Fundamentos de Sistemática Filogenética (1º edição), Ribeirão Preto- SP: editora Holos. 156 p.

  • Trueman & Riddiford1999. The origin of insects metamorphosis. Nature hypothesis 401: 447-452.

  • Trueman & Riddiford 2002. Endocrine insights into the Evolution of Metamorphosis in Insects. Annu.Rev.Entomol. 47: 467-500.

  • Grimaldi & Engels 2005. The Evolution of Insects – cap. 9 The Holometabola. Cambridge Universty Press.

Quando Não Havia os Genes Hox

Pode parecer ridículo, mas eu estudei numa época em que a última palavra de modernidade em termos de biologia evolutiva era a teoria de Haeckel, aquela famosa que afirmava que “a ontogenia recapitula a filogenia”. E olha que não sou tão velho assim, nasci em 1967 e me graduei em 1990. Considerando que a metodologia da Sistemática Filogenética proposta em 1950 por Willy Henning (1913-1973) só teve ampla divulgação depois de traduzida do alemão para o inglês em 1965. E que aqui no Brasil essa metodologia foi introduzida mais de 10 anos depois, nos cursos de pós graduação em Sistemática e Taxonomia e levou cerca de 20 anos para chegar aos cursos de graduação e mais de 10 anos para chegar ao ensino médio. Vendo por este lado, até que tive uma formação bem “atualizada”.

Para quem nunca ouviu falar em Haeckel e nem em sua teoria esclareço: o zoólogo alemão Ernst Haeckel (1834-1919) foi o responsável pela frase “a ontogenia recapitula a filogenia“, a qual data de uma publicação do Quaterly Journal of Microscopical Science de 1872 (foi Haeckel quem inventou os termos “ontogenia”e “filogenia”, além do hoje familiar “ecologia”). Haeckel denominou esse processo de “lei biogenética“. [A Ontogenia Recapitula a Filogenia]

A versão de Haeckel, com uma visão verdadeiramente mais evolucionária, foi inspirada, é claro, na Origem das Espécies (1859), de Darwin, traduzida para o alemão em 1860 [A Ontogenia Recapitula a Filogenia].

A teoria de Haeckel trouxe consigo a antiga questão de como os organismos tomam forma. Como assinalou Aristóteles, os embriões dos animais parecem virtualmente informes, no início. Ele estava inclinado a acreditar que o crescimento ocorre em três estágios distintos, durante cada um dos quais uma nova forma é impressa a partir do exterior no embrião.

Haeckel estava tão convencido de sua Lei Biogenética que ele estava disposto a forjar evidências que a confirmassem. A verdade é que o desenvolvimento dos embriões não se encaixa no progresso estrito que Haeckel alegava. Equidnas, por exemplo, desenvolvem seus membros muito depois da maioria dos mamíferos. Mas em suas ilustrações de embriões de equidnas, Haeckel enganosamente omitiu membros nos primeiros estágios de formação, apesar do fato que esses membros em formação existissem naquele estágio de desenvolvimento. Na própria época de Haeckel, alguns biólogos perceberam seu truque, contudo a Lei Biogenética se tornou muito popular e ilustrações de Haeckel ainda encontraram seu caminho em livros de biologia.[Evolução e Desenvolvimento primitivos: Ernst Haeckel (1/2)]

Se fosse estritamente verdadeira, a ideia de que a ontogenia recapitula a filogenia prediria, por exemplo, que no curso do desenvolvimento da galinha, ela passaria pelos seguintes estágios: um organismo unicelular, um ancestral invertebrado multicelular, um peixe, um réptil similar ao lagarto, um pássaro ancestral e, finalmente, um pintinho.” [Ontogenia e Filogenia]

Esse claramente não é o caso – um fato reconhecido por muitos cientistas mesmo quando a ideia da ontogenia recapitulando a filogenia foi introduzida. Se observarmos o desenvolvimento de uma galinha, você verá que o embrião da galinha pode parecer com os embriões de répteis e peixes em algum ponto de seu desenvolvimento, mas ele não recapitula as formas de seus ancestrais adultos.”[Ontogenia e Filogenia]

Mesmo em uma escala menor, a teoria de Haeckel é geralmente, falha:

Por exemplo, o axolote evoluiu de uma salamandra ancestral que tinha brânquias internas na fase adulta. Entretanto, o axolote nunca se desenvolve a um estágio com brânquias internas; suas brânquias permanecem externas em uma flagrante violação da ontogenia recapitula a ontogenia.” [Ontogenia e Filogenia]

(Fonte das imagens: Ontogenia e Filogenia )

Se a Lei Biogenética de Haeckel fosse completamente verdadeira, faria com que a construção de filogenias fosse muito mais fácil. Poderíamos estudar o desenvolvimento de um organismo e ler sua história diretamente. Simples assim.

Até então não havia os genes Hox.

Os genes Hox são um subgrupo dos genes Homeobox (conjunto de genes que desenvolvem importante função no desenvolvimento a partir do controle das partes do embrião que se desenvolverão em órgãos e tecidos específicos). Esse subgrupo de genes controla o desenvolvimento e a diferenciação posicional das células no embrião, sendo a sua disposição ao longo do cromossomo, colinear em relação às partes do embrião que os mesmos irão regular [Genes Hox].

Em outras palavras, os genes Hox ajudam a estabelecer a forma básica do corpo de muitos animais, incluindo humanos, moscas e larvas. Eles ajustam a organização da “cabeça aos pés”. Podemos pensar neles como instruções diretas conforme um embrião se desenvolve: “Ponham a cabeça aqui! As pernas vão para lá!

Eles são de aplicação geral no sentido de que eles são similares em muitos organismos; não importa se é a cabeça de um rato ou de uma mosca que está sendo construída, o mesmo gene dirige o processo. Pequenas alterações em genes controladores tão poderosos ou alterações nos genes que são ligados por eles, podem representar uma enorme fonte de mudanças evolutivas.” [Genes Hox ]

Atualmente, zoólogos e biólogos evolucionistas têm recorrido ao estudo dos genes Hox para solucionar questões de relacionamentos filogenéticos nos mais variados grupos. Genes Hox codificam fatores de transcrição que definem identidades celulares ao longo dos eixos principais e secundárias do corpo. Sua expressão coordenada no espaço e no tempo é fundamental para a modelagem embrionária. Estudos recentes revelaram que, além de fatores de transcrição, os padrões dinâmicos de marcas de histonas e estrutura da cromatina de ordem superior são importantes determinantes da regulação dos genes Hox [Soshnikova, N., 2013].

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PARA SABER MAIS:

Soshnikova, N. (2013) Hox genes regulation  in vertebrates.  Dev Dyn. 2013 Jul 5. doi: 10.1002/dvdy.24014.

Véras, R. (2013). O genoma do celacanto e a evolução dos vertebrados terrestresevolucionismo.org, 21 de abril.

Genes Hox In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Genes_Hox>; Acesso em: 20 out 2013.

Ontogenia e Filogenia em “Entendendo a Evolução”

Genes Hox em “Entendendo a Evolução”

Evolução e Desenvolvimento primitivos: Ernst Haeckel (1/2) em “Entendendo a Evolução”

Sobre revistas, criacionismo e portais de imprensa Parte I

Vivemos em um mundo dependente da tecnologia e, de modo mais geral, dos conhecimentos científicos como um todo. Compreender as bases da investigação científica torna-se assim crucial para qualquer debate social, político e educacional de grande monta. Estas discussões não podem ser levadas com base em meras opiniões. Elas precisam ser informadas pelos nossos melhores conhecimentos que em muitos casos são aqueles produzidos pelas diversas disciplinas científicas, o que depende, não só que os cidadãos leigos sejam informados com certa precisão dos resultados e conclusões científicas, mas também que eles tenham um boa noção, pelo menos, dos rudimentos de como se dá a produção do conhecimento científico, acadêmico e técnico de modo geral. A disseminação de mitos, erros e distorções do conhecimento científico não serve a ninguém a não ser aos mais retrógrados setores de nossa sociedade. Por isso disseminação de tal desinformação por parte de imprensa é tão nefasta para nossa sociedade que precisa cada vez mais de cidadãos críticos e bem informados. Recentemente, sob o pretexto de um crítica a uma resposta dada a um leitor da revista Superinteressante, da editora Abril, o jornalista, teólogo e criacionista Michelson Borges, publicou no portal Observatório da Imprensa um texto eivado de mitos, erros e informações distorcidas sobre a evolução dos seres vivos (“Revista desconversa quando o assunto é evolução“), a teoria evolutiva e a biologia evolutiva.

Embora seja admirável e compreensível a postura adotada por veículos de imprensa sérios (como é o caso Observatório da Imprensa) de “mostrar os dois lados da questão” e, assim, “dar espaço ao contraditório” principalmente, em se tratando de questões sociais e políticas mais polêmicas. Caso isso seja feito de maneira apropriada, de modo a permitir uma visão mais justa e equilibrada de questões polêmicas e de relevância social, estamos diante de um grande serviço a informação do público e ao debate honesto de ideias, mas nem sempre esse é o caso. Quando lidamos com questões mais técnicas e científicas que sofrem uma grande oposição ideológica, por parte de certos grupos específicos da sociedades, a abertura desse espaço de maneira não crítica pode facilmente ter o efeito oposto, sendo apropriado por setores mais retrógrados, colocando ao serviço da propagação da ignorância. Este é exatamente o caso da controvérsia envolvendo o criacionismo. Por isso, em nome da abertura à crítica e da cobertura justa de temas polêmicos, o Observatório da Imprensa acabou por prestar um desserviço a divulgação e a educação científica neste país.

Infelizmente, ao dar o espaço aos argumentos falaciosos, às alegações absurdas e a exposição distorcida das evidências e do estado de arte da pesquisa científica, tão típicas do modus operandi criacionista, o OI (pelo menos aos olhos dos leigos) equiparou uma posição doutrinária muito particular (e que nem pode ser vista como representativa dos religiosos) ao amplo e esmagador consenso atual da comunidade científica sobre a realidade da evolução biológica, um fenômeno estabelecido acima de qualquer dúvida razoável por múltiplas linhas de evidências convergentes que acumularam-se ao longo dos últimos 150 anos que foram revelados por pela biologia evolutiva, um campo essencialmente multidisciplinar e extremamente respeitado nos meios acadêmicos.

A questão aqui não é vetar toda e qualquer crítica a prática científica ou mesmo a comunidade científica. As ciências não são sagradas e parte do que as faz o que são em termos da confiança que depositamos nela é a constante crítica interna e mesmo externa as quais, as diversas áreas das ciências, estão sujeitas, especialmente no tocante as suas aplicações e ao impacto social que elas podem ter. As ciências – como uma grande e complexa empreitada intelectual e pragmática humana que são – são falíveis, existindo muitas dúvidas e questões em aberto em várias áreas da pesquisa, entretanto, isso não quer dizer que não haja uma ampla gama de consensos, ou seja, fatos, fenômenos, teorias e modelos muito bem estabelecidos cuja negação de sua realidade (e poder unificador e explanatório) é simplesmente contraprodutiva para o desenvolvimento de nossa sociedade. Por isso, a apresentação distorcida de fatos, métodos, teorias (e campos inteiros do conhecimento científico) com óbvias intenções de confundir um debate ideológico, tentando transformá-lo, aos olhos do público, em uma discussão científica, não podem ser equiparados a crítica justa e sadia.

Neste texto pretendo explicar por que um pequeno texto como o de Borges pode estar tão crivado de erros e distorções o que o torna capaz de fazer um grande estrago em termos de educação e divulgação científica, já que é muito mais fácil distorcer conceitos, omitir fatos e exagerar ou mesmo inventar polêmicas, descaracterizando completamente um assunto, do que explicar como um campo de conhecimento científico multidisciplinar como é a biologia evolutiva opera. O nosso colega, biólogo, mestre em ecologia e professor de biologia, Adelino de Santi Júnior, do Bule Voador, já escreveu e publicou no próprio OI uma ótima e precisa resposta (“Alguns pontos sobre a evolução das espécies“) aos devaneios de Borges, mas eu não poderia deixar de me aprofundar mais em algumas questões, expondo e desarticulando algumas estratégias criacionistas de criar polêmica e disseminar a confusão.

Criacionismo X Evolucionismo” não é a polêmica, e muito menos “Religião X Ciências”, a polêmica é apenas “Ciências x Criacionismo”:

O criacionismo, em contraste com a moderna biologia evolutiva, não é um movimento científico, embora muitas vezes – por meio da adoção de certos rótulos como ‘criacionismo científico’ ou o movimento do ‘Design Inteligente’ e estratégias de marketing – busque passar-se por tal. Esta tentativa tem como objetivo maquiar uma polêmica ideológica e social – caracterizada pela não aceitação, por parte de alguns grupos religiosos, das conclusões consensualmente estabelecidas pela comunidade científica sobre a evolução dos seres vivos, transformando-a em uma suposta ‘polêmica científica’, o que é um terrível equívoco.

Antes de destrinchar o texto de Borges é preciso que fique claro que a evolução dos seres vivos não é uma simples teoria, mas é um fenômeno consensualmente aceito para todos os fins práticos pela comunidade científica. Esta distinção parece sutil, mas é fundamental que compreendamos que as ciências não lidam com provas absolutas e os cientistas geralmente reconhecem a natureza falível e aperfeiçoável do conhecimento humano, o que não quer dizer que não tenhamos uma nível extraordinário de confiança em certas áreas e na realidade de certos fenômenos.

Além das evidências científicas, que podem ser facilmente encontradas em livros-texto de biologia evolutiva [1, 2, 3, 4] e de paleontologia, e além do material disponível em vários sites de instituições de pesquisa e museus do mundo à fora, a confiança da comunidade científica na realidade da evolução também pode ser facilmente atestada pela ampla aceitação da evolução nos meios acadêmicos. A biologia evolutiva é disciplina curricular nos cursos de ciências biológicas e encontramos laboratórios e grupos de pesquisas de áreas relacionadas com a evolução, bem como de programas de pós-graduação, em institutos de pesquisa e departamentos e museus de história natural das mais bem conceituadas universidades de todo o mundo. De maneira complementar, podemos encontrar publicações constantes de artigos revisados por pares sobre esse tema em periódicos científicos multidisciplinares de primeira linha, como são caso das revistas Science, Nature, PNAS, Cell, etc, além de uma impressionante quantidade de material publicado em periódicos indexados, também revisados por pares, especializados em biociências, paleontologia e geologia, campos que lidam mais diretamente com a evolução. O apoio a biologia evolutiva (e o consequente repúdio ao criacionismo, em suas diversas roupagens) por parte de sociedades e associações científicas internacionais (algo, aliás, que não é de hoje) e nacionais – no Brasil exemplificado pela declaração de nossa Sociedade Brasileira de Genética e pela sua disseminação pela própria Academia Brasileira de Ciências é outro exemplo bem direto que mostra o nível de consenso que há sobre a evolução. Como explica, Jason Wiles, existe uma “esmagadora confiança científica na realidade da Evolução e sobre sua centralidade na Educação Científica” [8], mas, ao mesmo tempo, é fácil percebemos que também existe um grande descompasso entre este consenso acadêmico e a opinião pública, principalmente, naqueles setores da população mais ligados a grupos religiosos específicos, mais conservadores e literalistas. Os criacionistas aproveitam-se, exatamente, deste descompasso para disseminar suas ideias anacrônicas e travesti-las de ciência aos olhos dos leigos que impressionam-se com o jargão e não com a substância dos argumentos.

Por isso é importante frisar que o fenômeno da evolução, compreendido como ancestralidade comum dos seres vivos por meio da descendência com modificação – o que inclui tanto a microevolução como a macroevolução (como discutirei mais adiante) – é diferente do que modernamente chamamos de ‘Teoria Evolutiva’. É por isso que muitos pesquisadores enfatizam que a evolução é tanto um ‘Fato’ como uma ‘Teoria’ (Veja a posição da National Academy of Sciences, dos EUA, os textos de Gould, Moran, Lenski, Futuyma e os artigos de Gregory [5] e de Hoffmann e Weber [6] e Weber [7]). A Teoria Evolutiva é gigantesco corpo teórico-matemático que explica e orienta a investigação sobre COMO o fenômeno [5] da evolução ocorreu e ocorre, ou seja, ela lida com questões sobre os padrões e os mecanismos evolutivos [5, 6, 7]. Vale também indicar os comentários do professor Sérgio Pena, geneticista e professor da UFMG, sobre esta questão em sua coluna da ciência hoje em que cita uma resposta a uma visão equivocada do status da evolução na comunidade científica e que foi dada pelo filósofo Philip Kitcher a Nicholas Wade, em razão de uma crítica ao uso do termo fato ao ser referir a evolução. Segue a tradução da carta de Kitcher feita pelo próprio Sérgio Pena:

Na resenha do livro The Greatest Show on Earth, Nicholas Wade acusa Richard Dawkins de um erro filosófico. De acordo com Wade, os filósofos da ciência dividem proposições científicas em três tipos — fatos, leis e teorias — e, de forma contrária às afirmativas de Dawkins, a evolução, que é simplesmente uma teoria, não pode ser considerada um fato. Entretanto, a filosofia da ciência contemporânea oferece um vocabulário muito mais vasto e detalhado para o pensamento das ciências do que é pressuposto na taxonomia supersimplificada de Wade e seus confusos palpites sobre “verdade absoluta”. Embora filósofos possam discordar de aspectos dos argumentos de Dawkins em outros tópicos, ele tem uma compreensão mais firme e sutil do que sugere a resenha de Wade.

O ponto crucial é que, como Dawkins corretamente percebe, a distinção entre teoria e fato, em discussões filosóficas assim como coloquialmente, pode ser estabelecida de duas maneiras diferentes. Por um lado, teorias são concebidas como sistemas gerais de explicação e predição, enquanto fatos são relatos específicos sobre processos e eventos. Por outro lado, “teoria” é usada para sugerir que há espaço para dúvidas racionais, enquanto “fato” sugere algo que é tão amplamente confirmado pela evidência que pode ser aceito sem debate.

Os oponentes da evolução se deslocam da ideia de que a evolução é uma teoria, no primeiro sentido, para concluir que é (apenas) uma teoria, no segundo. Qualquer inferência desse tipo é falaciosa, pois muitos enfoques sistemáticos de fenômenos naturais – como a compreensão de reações químicas em termos de átomos e moléculas e o estudo da hereditariedade em termos de ácidos nucleicos – são tão bem alicerçados que contam como fatos (no segundo sentido). Muitos cientistas e filósofos que já escreveram sobre evolução têm indicado que a teoria contemporânea, que descende de Darwin, tem o mesmo status – ela também deve ser considerada um “fato”. Dawkins está plenamente justificado em segui-los.” [A carta original aos editores do NYT pode ser encontrada aqui, junto a outra carta do também filósofo Daniel Dennet]

Esta pequena diferenciação é extremamente importante, pois muitas das críticas criacionistas dependem desse tipo de confusão conceitual. Discussões e debates internos a comunidade científica sobre os padrões e mecanismos evolutivos são normais entre os biólogos evolutivos, como em qualquer campo científico sadio e em pleno desenvolvimento da pesquisa científica. Essas discussões são um sinal da vitalidade e vigor da biologia evolutiva como campo de pesquisa e não, como querem fazer parecer os criacionistas, um sinal de dúvida sobre o fenômeno básico da evolução. É muito importante que as pessoas compreendem claramente que estas discussões científicas não dizem respeito ao FATO da evolução. Não existem debates dentro da comunidade científica, nos congressos e periódicos gerais e especializados, sobre se a evolução ocorreu ou não. Entretanto, uma das estratégias mais usadas e abusadas pelos criacionistas é desvirtuarem as discussões que, de fato, ocorrem sobre o COMO, apresentarem-nas com se estas fossem uma pretensa ‘prova’ da suposta natureza cientificamente controversa do fenômeno evolução.

As típicas confusões criacionista

Agora entremos nas alegações de Borges e em sua mal fadada tentativa de criticar a resposta da revista Superinteressante ao seu leitor criacionista e, assim, a evolução dos seres vivos como um todo.

Borges começa seu texto reproduzindo o questionamento de um leitor sobre a menção, por parte da revista Superinteressante, de que os seres humanos e chimpanzés são parentes em termos evolutivos. O leitor acusa a revista de manifestar uma opinião pessoal e não (como, de fato, a revista fez) de apresentar a visão consensual dentro da comunidade científica – principalmente entre os pesquisadores que lidam diretamente com questão, como os das áreas de antropologia, paleoantropologia, genética evolutiva humana, sistemática, primatologia etc. O leitor coloca a questão em termos bem viciados, ou seja, por meio da ideia do ‘homem ter vindo do macaco‘.

Na seção de cartas da revista Superinteressante deste mês foi publicada a opinião do leitor *****: “Sou assinante e gostaria muito de manifestar minha insatisfação com a posição desta revista em defender a ideia (sem nenhuma prova) de que o homem tenha vindo do macaco. Na seção Ideia Visual (agosto), o texto diz que ‘um chimpanzé macho, nosso parente mais próximo, não olharia duas vezes para a mulher’. Acredito que uma revista tão conceituada não deve manifestar sua posição pessoal sobre um fato não comprovado.””

Michelson reproduz, então, a resposta da revista ao leitor:

****, nós nunca dissemos que o homem ‘veio’ do macaco, mas que o chimpanzé é o seu parente mais próximo – somos descendentes de um ancestral comum, como fica claro pela teoria da evolução, que é um modelo científico sólido. Agora, se a sua religião não permite que você acredite na teoria da evolução, não tem problema algum, temos pleno respeito por todas as religiões. Achamos que a Bíblia é um documento histórico belíssimo, mas, na hora de falar de ciência, ficamos mesmo com A Origem das Espécies.”

Em seu primeiro ponto, Borges, critica a revista por ter corrigido o leitor. A revista havia explicado, acertadamente, que não havia afirmado que o homem tivesse vindo do macaco, mas tão somente havia colocado que os chimpanzés e seres humanos são parentes próximos o que é basicamente correto. Michelson, entretanto, opõe-se a esta resposta ao afirmar que o tal ancestral “seria um tipo de… macaco”, o que não é incorreto, mas esconde duas questões importantes frequentemente distorcidas e abusadas pelos criacionistas, além de serem completamente irrelevantes no que se refere a questão do parentesco evolutivo entre seres humanos e chimpanzés.

O primeiro problema com a crítica de Michelson a resposta da revista Superinteressante é que, muitas vezes, quando algum criacionista questiona a ancestralidade comum afirmando que isso implicaria que o ‘homem veio do macaco’, está implícita a sugestão que os seres humanos, de acordo com a bilogia evolutiva, seriam ancestrais descendentes diretos de primatas não-humanos modernos, como os chimpanzés, por exemplo (os tais macacos). Porém, isso é um equívoco e não corresponde ao que os cientistas estabeleceram. Na realidade, nós somos apenas ‘primos’ dos chimpanzés, em termos do parentesco evolutivo, bem como somos em nível mais distantes de outros macacos, como os gorilas, orangotangos etc. Portanto, neste sentido, a resposta da Superinteressante é adequada, ainda que não totalmente precisa e abrangente. O mais importante é que ela evita um dos principais equívocos na apresentação da evolução humana para um publico leigo.

Mas ainda existe ainda uma segunda questão. O termo ‘macaco’ não é um termo estritamente científico. De fato, ao o analisarmos tendo como base uma perspectiva científica, ele, na realidade, é bastante arbitrário e impreciso. Isso é assim por que, geralmente, ele é empregado para designar os primatas do grupo dos antropoides (‘simiiformes‘), porém, excetuando os seres humanos (e outras espécies da subtribo hominina já extintas) que também são primatas simiiformes. De fato, na perspectiva da moderna sistemática filogenética e das filogenias moleculares (dois campos da biologia evolutiva) somos muito mais próximos aos chimpanzés e bonobos do que nós e eles somos de qualquer outro macaco. Portanto, fica difícil de argumentar que nós, seres humanos, sejamos outra coisa além de um tipo de ‘macaco’, cujos parentes mais próximos não extintos são os chimpanzés e bonobos, mesmo que o termo ‘macaco’, por definição, arbitrariamente, nos exclua em virtude de ter se originado em uma tradição pré-Darwiniana [Vejam, para maiores detalhes, este artigo e este vídeo]. Assim, a crítica de Borges é vazia, a menos que ele conseguisse mostrar que a sistemática moderna está completamente errada, algo que ele nem tenta fazer.

Borges, continua seu texto fazendo afirmações bombásticas (“É leviandade afirmar que isso é um “fato estabelecido” …”) e abusando de certos resultados científicos, apresentando-os como se eles desabonassem a evolução, quando, na verdade, eles em nada opõem-se ao nosso parentesco entre humanos e chimpanzés e a evolução em sentido mais amplo de modo geral:

mesmo que se apele para os alegados 90 e tantos por cento de semelhança genética entre chimpanzés e humanos, o que também é discutível (confira). Alias, já apontaram semelhanças genéticas entre humanos e anêmonas! E até porcos.”

Aqui, mais uma vez, podemos observar duas grandes confusões tipicamente criacionistas. A primeira envolve confundir diferentes estimativas da distância genética entre organismos de diferentes espécies e que são baseadas em tipos de comparações distintas, interpretando essas diferentes medidas como se elas fossem estimativas diferentes do mesmo tipo de comparação e, portanto, conflitassem umas com as outras. Os “90 e tantos por cento de semelhança genética entre chimpanzés e humanos” que seriam discutíveis, de acordo com Michelson, na realidade, não são discutíveis, como ele quer fazer parecer.

Os valores de aproximadamente de 98 ou 99% de similaridade, comumente apresentados em obras de divulgação científica, dizem respeito a comparação entre as regiões alinháveis dos genomas dos chimpanzés e dos seres humanos, em que são contadas apenas as diferenças de nucleotídeo em nucleotídeo (base a base, letra a letra do alfabeto genético) entre regiões ortólogas – seja ao longo de todo o genoma ou apenas nas ao longo das regiões codificadoras de proteínas. O fato de existirem outras formas de medir as diferenças genéticas entre espécies, como as que contabilizam sequencias de bases perdidas ou ganhas em genoma (indels) ou as que em são contadas sequencias presentes em números de cópias variados nos genomas de cada espécie não tornam discutíveis os números em si. Mesmo por que, problemático mesmo, seria combinar essas diferentes medidas em um mesmo número pois tratam-se de métodos diferentes que partem de premissas distintas, dando porcentagens que nem se quer fariam muito sentido. Porém, o que é realmente importante (e que Borges nem ao menos menciona) é que os resultados das comparações são consistentes caso comparemos diferentes organismos empregando os mesmos tipos de medidas, entre regiões alinháveis de seus genomas, mostrando, claramente, que certos organismos são mais próximos do que outros. Isto quer dizer que – ao usarmos as mesmas medidas em diversos organismos como chimpanzés, seres humanos, gorilas, macacos rhesus etc – obtemos, claramente, uma “hierarquia aninhada”, ou seja, um padrão arborescente no qual certas espécies são mais semelhantes umas as outras do que elas são de outras, formando conjuntos uns dentro dos outros. [Para saber mais sobre este assunto, veja aqui]. Este padrão arborescente sugere fortemente uma genealogia dos seres vivos. Ele, até onde nossas melhores evidências mostram, universal e não se limita aos primatas, por isso a existência de similaridades genéticas (bem como celulares, teciduais, fisiológicas embriológicas etc) dos seres humanos com outros animais e mesmo genéticas, bioquímicas e celulares com outros seres vivos não negam a maior similaridade entre seres humanos e chimpanzés.

Portanto, não são apenas as porcentagens de similaridade genética (e muito menos apenas o fato de haverem similaridade genéticas entre duas espécies) a grande evidência da ancestralidade comum por descendência com modificação, isto é, da evolução biológica [1, 2, 3, 4], mas sim o complexo e intrincado padrão de similaridades das mais variadas, organizado hierarquicamente em grupos dentro de grupos dentro de grupos (e assim por diante), e que, por sinal, pode ser recuperável por várias linhas de análise e por muitos conjuntos de dados distintos [1, 2, 3, 4].

A sugestão de Michelson de que a similaridade genética entre seres humanos e anêmonas (ou entre seres humanos e porcos) refutaria a ancestralidade entre seres humanos e chimpanzés seria equivalente a alguém, ao constatar que seu primo também é semelhante geneticamente a você, conclua que seu irmão (que é ainda mais geneticamente semelhante a você) não deve ser seu parente mais próximo, afinal, por que somos similares geneticamente a outras pessoas. Ou seja, esta sugestão não faz o menor sentido. As semelhanças ao nível das sequências de DNA genômicas, como da estrutura dos cromossomos, no padrão de expressão dos genes, das estruturas nos embriões, bem como as reveladas pela anatomia e mesmo aquelas que existem ao nível cognitivo e comportamental convergem para revelar nosso íntimo parentesco evolutivo com os demais primatas. Além disso, os dados paleoantropológicos são outra grande fonte de corroboração desta simples ideia, pois deixam claro essa continuidade evolutiva ao revelar os fósseis de várias outras espécies da subtribo hominina já extintos que ainda são morfologicamente mais parecidos conosco do que são os chimpanzés, mas muitos dos quais apresentam características intermediárias [Veja esta resposta de nosso tumblr]. Estes fósseis mostram características em estado de derivação intermediárias entre nós e nossos primos vivos, o que nos permite reconstruir nosso padrão de ancestralidade comum e desvendar a árvore filogenética dos seres humanos e dos outros primatas, mas que é só um dos ramos de uma árvore filogenética muito mais ampla [Sobre a evolução humana, veja a belíssima exibição online do Museu Smithsoniano de História Natural, dos EUA, sobre a origem humana], além das informações disponíveis no Museu Americano de história natural e o Museu de História Natural Britânico [9].

Evolução não é cientificamente controversa nem no Micro e nem no Macro

Após questionar o fato da revista ter enfatizado a questão do parentesco humano/chimpanzé, como se isso fosse um desrespeito a opinião do leitor, Borges, volta a soltar algumas pérolas criacionistas, trazendo à tona a velha confusão entre macro e microevolução (que ele chama estranhamente de ‘microdiversificação‘).

Qual teoria da evolução? A macroevolução ou a microdiversificação? Diversificação étnica humana e variações entre cães e tentilhões, por exemplo, são fato e permanecem na categoria da diversificação de baixo nível (ou “microevolução”).”

Microevolução e macroevolução são ambas partes integrantes da moderna biologia evolutiva e, na realidade, os termos marcam mais uma divisão operacional no estudo de fenômenos evolutivos envolvendo escalas de tempo e geográficas diferentes. Estes termos referem-se, portanto, mais a diferenças de foco e interesse entre os biólogos evolutivos que estudam diretamente os mecanismos e processos evolutivos intrapopulacionais, por um lado, daqueles que investigam o que ocorre a partir do nível de espécie, especialmente, em escalas geográficas e de tempo mais amplas, por outro. Existem obviamente diferenças metodológicas entre as duas abordagens, mas existe muito mais sobreposição do que os criacionistas gostam de admitir.

Vale a pena destacar que os dois termos, “microevolução” e “macroevolução”, foram cunhados, somente, em 1927 pelo entomologista Russo Yuri Filipchenko [10], mas mais importantes do que isso, as evidências originais para a evolução das espécies compiladas por Darwin e Wallace são todas evidências macroevolutivas e não microevolutivas [11]. Estas evidências que foram ampliadas e corroboradas por outros pesquisadores convenceram a comunidade científica da realidade da evolução e são aquelas oriundas da anatomia e embriologia comparada, do registro fóssil e da biogeografia. Estas evidências juntam-se hoje as evidências moleculares que vão desde as sequencias de genes, cromossomos e genomas inteiros. Estas todas são evidências da macroevolução, ou seja, da ancestralidade comum ampla entre vários grupos de seres vivos bem distintos entre si. Na verdade, o termo “microevolução” só passou mesmo a fazer sentido – e, portanto, a ser empregado de maneira mais sistemática – quando os cientistas começaram a experimentar e monitorar populações biológicas em temo real, investigando as mudanças nas frequências alélicas ao longo das gerações em estudos de campo e as manipulando em estudos controlados de laboratório. Estes estudos empregavam espécies com ciclos de vida mais curtos e de fácil monitoramento e manipulação, como plantas e insetos. Portanto, o estudo da microevolução, em senso estrito, passa a entrar em cena com o advento da genética de populações, no começo do século XX, especialmente, a partir da síntese moderna da biologia evolutiva, no anos 30 e 40, que unificou as abordagens dos mendelianos e biometristas, dando uma roupagem matemática mais precisa à teoria de evolução por seleção natural, o que ocorreu somente a partir dos anos 20, com os trabalhos de Ronald Fisher, J.B.S. Haldane e Sewall Wright [ 1, 2, 4, 12]. Por meio deles é que os vários mecanismos evolutivos, como as mutações, deriva genética, fluxo gênico, seleção natural etc começaram a ser testados e investigados mais a fundo.

Mas o que é exatamente macroevolução de acordo com os cientistas?

Embora alguns pesquisadores possam defini-la de maneira um pouco diferente, normalmente, os cientistas consideram que a macroevolução diga respeito a evolução em vastas escalas de tempo e do espaço em que ocorre o surgimento e extinção de linhagens e nas quais as novidades evolutivas se estabelecem e especialmente nas quais novas categorias taxonômicas mais abrangentes evoluem. Porém, estes grupos mais abrangentes só fazem sentido biológico em retrospecto já que eles não surgem todos prontos mais são formados por múltiplos eventos de especiação e evolução de características genéticas e fenotípicas distintas, além da extinção de linhagens com características intermediárias, possibilitando que organizemos os grupos da maneira que organizamos hoje. São nestas escalas mais amplas de tempo e espaço é que mudanças ecológicas, geológicas e planetárias de grande monta costumam ocorrer, como a deriva continental, o movimento de placas tectônicas, a mudança dos ciclos planetários, além de eventos de grande magnitude e intensidade, como supervulcanismo e o impacto de grandes asteroides. Todos processos, fenômenos e eventos só podem ser testemunhados indiretamente, a partir do registro geológico, mas que mostra, claramente, a mudança das biotas, guardando sinais desses eventos e dos processos estendidos no tempo que por eles foram responsáveis [12, 13]. Para compreender um pouco melhor como estuda-se a macroevolução pelo registro fóssil clique no figura ao lado cujas informações foram retiradas do site da Entendendo a Evolução.

Porém, Borges não explica nada disso. Muito pelo contrário. Ele apenas afirma, mas sem oferecer qualquer argumento minimamente estruturado (e, quem dirá, evidências da moderna literatura científica), que a macroevolução seria um tipo de especulação e não um fenômeno bem estabelecido dentro da comunidade científica; uma alegação que está em franca oposição aos mais de 100 anos em que a evolução em larga escala é reconhecida e ensinada em universidades, nos cursos de ciências biológicas e geologia, além de ser parte integrante dos fenômenos investigados rotineiramente nos departamentos de biologia, paleontologia e geologia das maiores e melhores universidades, institutos de pesquisa e museus do mundo.

Humanos e macacos provindo de hipotéticos ancestrais comuns (ou mesmo toda a biodiversidade atual tendo origem num ser unicelular desconhecido que teria vivido bilhões de anos atrás), isso é mera especulação hipotética oriunda da mentalidade naturalista, ou seja, é filosofia sem amparo científico (empírico).”

Este fenômeno que é muito bem corroborado é estudado por uma vasta gama de abordagens que incluem desde estudos observacionais envolvendo a biogeografia e o registro fóssil até aqueles que lançam mão de métodos experimentais, analíticos e estatístico-computacionais que integram os dados empíricos de várias áreas da biologia, paleontologia e geologia. Existem amplas evidências da realidade da macroevolução, como Douglas Theobald resume em seu artigo para o site TalkOrigins [14]. As afirmações de Michelson, portanto, são muito mais reveladores dos seus parcos conhecimentos de biologia evolutiva e ciência do que qualquer outra coisa. Ele nega a ancestralidade comum como a origem da biodiversidade, mas o faz sem ter qualquer amparo científico. Ao fazer estas afirmações, ele não fornece evidências e não cita qualquer fonte, muito menos uma que seja minimamente confiável. Isso sim é uma mera opinião e extremamente mal informada que choca-se frontalmente a avalanche de evidências e ao consenso científico.

Os Darwinistas misteriosos de Michelson

Borges continua a destilar suas críticas, fazendo afirmações ainda mais sem sentido, como a de que a ‘teoria da evolução não é um modelo sólido‘.

Quem está por dentro das discussões intramuros sabe que a teoria da evolução não se trata de um “modelo científico sólido”. Darwinistas honestos têm reconhecido isso. Mas o pessoal da Super parece fanático demais por Darwin para admitir isso.

Nem imagino quem seriam os tais ‘Darwinistas honestos’ aos quais Michelson faz menção. Ele convenientemente não dá nomes aos bois. O que parece, entretanto, é que Borges está simplesmente tentando mudar o foco da questão, empregando outra tática comum entre os criacionistas: confundir discussões internas sobre COMO a evolução ocorre com dúvidas sobre o FATO da evolução, sugerindo que o primeiro tipo de discussões abala o consenso sobre o fenômeno da evolução [5, 6, 7].

Como eu já havia comentado, existe uma grande diferença entre aquilo que podemos chamar do “fato da evolução”, ou seja, os fenômenos da “descendência com modificação e da ancestralidade comum” – que (não nos esqueçamos) é o que está em jogo quando discutimos o parentesco entre seres humanos e os chimpanzés – e a moderna teoria evolutiva que fornece o arcabouço teórico-matemático, metodológico e conceitual que nos permite investigar e explicar os padrões e mecanismos por trás do fato da evolução. Voltaremos a esta questão mais adiante quando o texto de Borges nos revela indícios mais específicos daquilo que ele parece querer sugerir ao mencionar os tais ”Darwinistas honestos’.

Borges, continua seu ataque a Superinteressante, agora afirmando que ela teria sido preconceituosa com o leitor, tanto por ter presumido que ele não aceitava a teoria evolutiva por causa de sua religião – o que faz todo o sentido, já que este tipo de ceticismo parcial é típico dos grupos religiosos mais literalistas e fundamentalistas – como pelo fato da revista, supostamente, não ter mostrado respeito as religiões que insistem em defender o criacionismo, quando, na verdade, o que a Superinteressante fez em sua resposta foi simplesmente aceitar a posição do leitor, porém, sem fingir que ela fosse cientificamente embasada. O que, aliás, também é perfeitamente razoável, já que o leitor (assim como Borges) não forneceu qualquer argumento ou evidência que sugerisse que a evolução biológica fosse controversa cientificamente ou que a biologia evolutiva e a moderna teoria evolutiva não fossem, respectivamente, um campo de investigação em pleno desenvolvimento e um conjunto multi-teórico sólido e cientificamente respeitável. Seria estranho a Superinteressante fazer qualquer outra coisa, além de explicitar sua posição pró consenso científico e deixar claro que, mesmo assim, respeitava a posição do leitor, apenas não a considerava cientificamente válida. Isso não é desrespeito.

Se a sua religião não permite que você acredite na teoria da evolução…” Espere aí! O leitor não menciona em momento algum (pelo menos não no texto publicado) qualquer tipo de religião. Aqui, também, o pessoal da Super (ou, pelo menos, o editor de cartas e e-mails) cai no lugar comum da controvérsia ciência x religião. Essa é uma tática antiga para blindar o evolucionismo de discussões realmente científicas. Note que a revista muda rapidinho de assunto. Sai da ciência para a religião e tenta, assim, encerrar a questão. Esse é um típico argumento evolucionista de “roda de bar”, mas não deveria ser usado por uma revista que se propõe séria e científica.

Eles dizem ter respeito por todas as religiões, exceto (isso fica nas entrelinhas) por aquelas que insistem em defender o criacionismo.”

Michelson continua a criticar a revista, desta vez por ter suposto (mais uma vez, razoavelmente) que a posição do leitor fosse derivada de sua leitura literalista da Bíblia. De novo, precisamos lembrar que o leitor não forneceu qualquer evidência ou argumento para que os responsáveis pela revista achassem que as posições dele eram outra coisa, se não ideias derivadas de uma leitura particular bem literal de um livro sagrado, tomando-o como um compendio de história natural. As pressuposições da revista foram, na verdade, bastante razoáveis. Podemos até questionar se trazê-las à tona teria sido ou não necessário, mas não vejo como esta parte da resposta poderia ser uma demonstração de preconceito no sentido mais afrontoso do termo:

Achamos que a Bíblia é um documento histórico belíssimo, mas, na hora de falar de ciência, ficamos mesmo com A Origem das Espécies.” Quem falou em Bíblia? O ***** não menciona (no texto publicado) qualquer livro religioso.”

Atacando Darwin, mesmo que isso seja irrelevante:

Ainda não se dando por satisfeito, Borges questiona se o livro a ‘Origem das espécies‘ ‘se quer falava de ciência‘, e apoia a esta sugestão parafraseando o professor de química da Unicamp, Marcos Eberlin, um outro conhecido criacionista:

Mesmo assim, a resposta é reveladora. A “Bíblia” deles é o livro de Darwin, e eles não negam isso! Quem disse que A Origem das Espécies fala de ciência? Até porque, como diz o químico Marcos Eberlin, o maior instrumento de pesquisa no tempo de Darwin era a cadeira de balanço.

Borges e Eberlin mostram não compreenderem o trabalho dos naturalistas no séculos XIX que certamente não baseava-se quase exclusivamente em especulação (como eles parecem sugerir), mas incluía um extenso trabalho de campo e, muitas vezes, a análise minuciosa das amostras coletadas, quando elas não ficavam a cargo de outro especialista com os quais estes pesquisadores mantinham contato e trocavam informações. Mas o mais estranho é que o próprio Darwin realizou trabalhos experimentais [15] com suas orquídeas e pombos, além de ter se correspondido incessantemente com outros naturalistas em várias partes do mundo, inclusive no Brasil (como foi o caso de Fritz Müller, em SC) checando fatos, mantendo discussões e trocando argumentos e outros tipos de informações, de maneira bem semelhante ao que fazemos hoje em dia. O trabalho de Darwin, portanto, dificilmente poderia ser descrito, como querem Borges e Eberlin, como baseado na “cadeira de balanço”, isto é, uma mera especulação descontextualizada. Contudo essa questão bem ao menos é relevante. Aqui temos outro desvio desnecessário e que tem fins puramente retóricos, não possuindo qualquer peso na crítica as evidências para a ancestralidade comum entre seres humanos e chimpanzés e entre os seres vivos de modo mais amplo. Afinal, o que importa para determinar-se esta questão são as evidências cumulativas que são atualmente aceitas, além da forma atual da teoria evolutiva. Por isso não é pertinente para esta questão se Darwin ‘pesquisava’ ou não em uma cadeira de balanço ou divagando ao caminhar pela Sandwalk em Down House.

As conclusões científicas não são fruto da mera opinião de pesquisadores isolados, mas estabelecem-se através do confronto de ideias e fatos e da apreciação coletiva e estendida no tempo dos argumentos e evidências que se acumulam. Além do mais, o trecho do artigo de Borges que acabei de citar é completamente irrelevante por outro motivo bem simples. Darwin não lida com a evolução humana em Origens, assunto que só viria a tratar de maneira mais consistente em A descendência do homem. Mas as críticas de Borges não param por aí. Ele continua seu ataque a Darwin, desta vez dirigindo-o a formação do naturalista britânico. Esta pequeno parênese aberto por Borges (colocado em negrito por mim) é bastante curioso, pois, como Darwin, Borges também é um teólogo, mas isso não o impediu de expor suas opiniões sobre a evolução. Chega a ser irônico.

Quem disse que as informações do naturalista/teólogo (sim, Darwin estudou teologia) do século 19 estão todas de acordo com a ciência experimental?”

Porém, diferentemente de Darwin, Borges nasceu em uma época de superespecialização acadêmica, e, pelo menos até onde sabemos, jamais desenvolveu trabalhos e publicou em biologia. Além do extenso trabalho observacional e experimental de Darwin, o naturalista inglês publicou vários livros e artigos científicos, principalmente, nas áreas de geologia e história natural, além das enormes monografias sobre a biologia e taxonomia de cracas que lhe valeram o reconhecimento por parte dos seus pares na comunidade científica, mesmo antes da publicação de Origens e dos seus outros vários livros.

Quem disse que as ideias macroevolutivas de Darwin resistem ao laboratório e às observações possibilitadas pelos modernos recursos do nosso tempo? Se resistissem, não haveria rumores de uma nova teoria da evolução não selecionista sendo gestada… (confira aqui,aquiaquiaqui). Apesar do título, Darwin não entregou o que se propôs explicar – a origem das espécies. Um título melhor para o livro seria Origem das Variações, assunto que Darwin muito abordou, mas nem isso conseguiu explicar. Que ciência Darwin praticou nesse livro?””

Porém, talvez a pior parte deste parágrafo seja mesmo as sugestões (feitas na forma de questionamentos) sobre a suposta falta de coerência das ideias de Darwin sobre macroevolução com a “ciência experimental”. Mais uma vez, Borges insiste na dicotomia entre micro e macroevolução ao questionar se “as ideias macroevolutivas de Darwin resistem ao laboratório e às observações possibilitadas pelos modernos recursos do nosso tempo?”. Vale ressaltar que Borges não nos oferece quaisquer evidências ou fontes que mostrem que (e quais) as ideias sobre macroevolução de Darwin seriam cientificamente controversas, ou seja, àquelas que não teriam resistido “ao laboratório e às observações possibilitadas pelos modernos recursos do nosso tempo” e, o que seria ainda mais importante, qual a relação destas supostas ideias com a questão do parentesco entre seres humanos e chimpanzés, o ponto principal da resposta dada pela Superinteressante ao comentário do leitor criacionista. Não há qualquer argumento claro e cogente sobre esta questão. Na realidade, o que mais se assemelha a um argumento sobre esta questão, no texto de Borges, é a menção “de uma nova teoria da evolução não selecionista sendo gestada…”, para o que ele oferece três links, todos eles do mesmo site criacionista, como aliás são todos os seus links.

O problema é que estas questões levantadas por Borges, na verdade, são meros artifícios retóricos. Apenas ‘espelhos e fumaça’, como dizem os anglófonos. Essas perguntas não têm nenhuma relevância para a questão que motivou a carta do leito, a resposta da Super e o texto de Borges no OI. Isso acontece por que as atuais discussões científicas dentro da biologia evolutiva não têm qualquer relação com os fenômenos mais gerais da descendência com modificação e da ancestralidade comum, principalmente, no tocante ao parentesco entre seres humanos e chimpanzés. Ele, Borges, não nos oferece qualquer argumento ou evidência para ligar as duas questões, muito provavelmente, por que o que ele espera é gerar confusão. Ele não tem o menor interesse de esclarecer como a biologia evolutiva funciona e nem o que tem sido discutido em relação a moderna teoria evolutiva. Neste ponto percebemos claramente a tentativa de misturar duas questões bem distintas.

O ‘argumento’ de Borges esbarra em vários problemas. Primeiramente parece que ele não percebe que a proposta original de Darwin e Wallace sobre como a evolução ocorreria passou por várias mudanças ao longo dos anos. O que foi mantido foi a perspectiva da evolução como um processo variacional de descendência com modificação que resulta em um padrão de ancestralidade comum amplo por meio da divergência entre populações ao longo das gerações que adaptam-se ao seu meio por meio da seleção natural das variantes fenotípicas herdáveis existentes nas populações.

De uma perspectiva histórica podemos separar a biologia evolutiva em várias fases, inciando-se pelas propostas pré-darwinianas, como as especulações sobre evolução de Buffon e Maupertuis, passando pelas propostas mais explícitas de Erasmus Darwin, chegando a teoria mais geral de Lamarck (deixando de lado a obra mais polemizadora de Chambers). Depois, entre 1858 e 1859, temos a proposta inicial do modelo variacional de Darwin e Wallace que estava sendo gestado desde o final da década de 30 daquele século. Os dois pesquisadores propuseram a seleção natural (diferenças na sobrevivência e no sucesso reprodutivo dos indivíduos causadas por diferentes em suas características fenotípicas) de variantes herdáveis como o mecanismo essencial da mudança adaptativa. A esse modelo podemos nos referir como ‘Darwinismo’. Após a morte de Darwin, houve um recrudescimento da teoria baseado principalmente nas visões de Wallace e August Weismann ao que George Romanes chamou de ‘Neo-Darwinismo’. Nesta versão, as especulações sobre herança de caracteres adquiridos (como as relativas a pangênese) foram completamente extirpadas da teoria evolutiva. Este período, do final do século XIX e comecinho do século XX, foi marcado pela aceitação generalizada do fenômeno da evolução, mas ao mesmo tempo destacou-se pela perda da centralidade do mecanismo evolutivo responsável por este fenômeno, de acordo com Darwin e Wallace, a seleção natural. O chamado ‘Neo-Darwinismo’, neste período, foi representado principalmente pela tradição biometrista, centrada em pesquisadores como Karl Pearson. Esta teoria coexistiu com várias outras ‘Teorias Evolutivas’ – como a Ortogênese, o Neo-Lamarckismo Americano e o Mutacionismo/Mendelismo – até que, por fim, nos anos de 20, 30 e 40 do século XX, ocorreu uma síntese moderna da biologia evolutiva [Veja o verbete da wiki sobre o chamado eclipse do Darwinismo] [12, 16, 17]. Antes da síntese haviam grandes disputas sobre COMO a evolução ocorria e quais os mecanismos básicos responsáveis pelos padrões biogeográficos e estratigráficos das biotas, mas o FATO da evolução já havia sido aceito consensualmente pela comunidade científica.

Porém, mesmo depois da síntese moderna da biologia evolutiva (que alguns chamam de teoria sintética da evolução ou mesmo Neo-darwinismo, para confundir ainda mais as coisas), o campo e a teoria evolutiva, em si, jamais deixaram de incorporar novas abordagens, hipóteses, teorias, modelos e estratégias de investigação. Ou seja, nesta período pós-sintético, a teoria evolutiva jamais deixou de ser corrigida, aperfeiçoada e expandida, ainda que certos cânones tenham permanecido bem firmes como a centralidade da genética evolutiva de populações. O desenvolvimento das teorias neutra e quase-neutra da evolução molecular desenvolvidas por Kimura, Jukes, King e Ohta [18, 19, 20] e o desenvolvimento das pesquisas em evolução molecular; a proposta do equilíbrio pontuado, por Gould e Eldrege [21, 22] e os crescentes estudos quantitativos em paleobiologia sobre o tempo e modo da evolução [23]; a incorporação da teoria dos jogos a evolução por John Maynard Smith [24, 25, 26] e a modelagem da evolução do altruísmo por Hamilton e Williams [27]; os debates sobre o nível e os alvos da seleção natural [28, 29]; as discussões e estudos sobre o impacto das restrições filogenéticas e desenvolvimentais na evolução [30, 31, 32,]; além do desenvolvimento de áreas com a genômica comparativa, bioinformática (possibilitadas pela criação de instrumentos de análise de sequências e pelo aumento da capacidade dos computadores) são todos exemplos de como a biologia evolutiva tem sido a ampliada e aperfeiçoada [33]. Para maiores detalhes sobre as mudanças na biologia evolutiva e contínuo aprimoramento da teoria evolutiva veja esta resposta de nosso tumblr.

Portanto, a moderna teoria evolutiva é uma teoria robusta, o que não quer dizer que seja completa, no sentido de ter respondido a todas as questões e esgotado os fenômenos, como vamos ver em seguida. Porém, o consenso sobre a realidade do fenômeno evolução jamais foi posto em dúvida de maneira séria após seu estabelecimento no seio da comunidade científica. Desta maneira, assim como ocorreu no passado, as propostas de uma síntese ampliada da biologia evolutiva (cuja suposta necessidade ainda é bem debatida) em nada abalam os consensos sobre a realidade da macroevolução e dos mecanismos, processos e princípios propostos, investigados e testados dentro da biologia evolutiva. Então, embora alguns biólogos evolutivos, como o finado Stephen Jay Gould [34], Robert L. Carroll [35], Sean B. Carroll [36], Massimo Pigliucci [37] e Gerd Muller [38], propuseram e propõem a necessidade de uma expansão da moderna síntese da biologia evolutiva, de modo que os avanços das últimas décadas sejam incluídos mais explicitamente na TE, isso em nada ameaça o consenso sobre a ancestralidade comum e a descendência com modificação, o que inclui o nosso parentesco com os chimpanzés, demais primatas e seres vivos em geral.

Em resumo, mesmo que a TE incorpore de maneira mais explícita os modelos de auto-organização e a teoria dos sistemas dinâmicos (como propõem Kauffman, Weber, Solé, Salazar-Ciudad) ou os processos ‘físicos genéricos’ como propõem (Muller e Newman), múltiplos sistemas de herança não-genéticos (como querem Lamb e Jablonka), incorpore uma teoria hierárquica macroevolutiva (como propõe Eldredge e propunha Gould), além de modelos evolutivos baseados em mecanismos e vieses não-adaptativos direcionais (como querem Arthur, Dover) ou estocásticos (como Lynch, Koonin, Nei, Stoltzfus, Hughes e Otha etc), estas adições (e mesmo mudanças de foco explicativo) não mudam o fato de que as evidências em peso mostram que somos parentes próximos dos chimpanzés, assim como não vai mudar o fato de sermos parentes mais distantes de outros seres vivos [9, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49].

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Continua com a parte II (“Sobre revistas, criacionismo e portais de imprensa. Parte II“) na qual encontram-se todas as referências citadas nas duas partes.

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Créditos das figuras:

Amonita Fóssil: GEORGE BERNARD/SCIENCE PHOTO LIBRARY

Darwiin e colaboradores: NATURAL HISTORY MUSEUM, LONDON/SCIENCE PHOTO LIBRARY

Sobre revistas, criacionismo e portais de imprensa. Parte II

Continuo com as considerações sobre o texto de Michelson Borges no Observatório da Imprensa, iniciadas na parte I (“Sobre revistas, criacionismo e portais de imprensa Parte I“), mas agora detendo-me mais no que está implícito em algumas dos questionamentos e críticas sobre a adequação científica da evolução dos seres vivos.

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Seria a biologia evolutiva uma ciência de segunda?

Existem, porém, outros argumentos implícitos nos questionamentos de Borges que merecem um olhar mais atento. O primeiro destes argumentos crípticos seria o de que apenas as “ciências experimentais” seriam válidas. O segundo seria o de que a macroevolução não passa pelo crivo dessas “ciências experimentais”. Estas sugestões originam-se de uma perspectiva simplista e equivocada sobre o que é a empreitada científica; uma visão que não tem qualquer respaldado na análise da própria prática científica feitas pelos filósofos, historiadores das ciências ou mesmo pelos cientistas mais reflexivos.

Uma das características principais das diversas ciências é a importância atribuída aos testes de hipóteses, modelos e teorias com base em dados empíricos coletados de forma metódica e analisados de maneira sistemática e crítica, sejam estes dados provenientes de estudos experimentais controlados ou observações minuciosas. Na realidade, muitos modelos e teorias de alto nível dependem de ambos os tipos de testes, experimentais e observacionais. O argumento criacionista implícito nas questões de Borges tem como objetivo ridicularizar e enfraquecer o papel das evidências observacionais na investigação científica, mas como vamos ver isso é um terrível equívoco.

Embora, como fazem alguns pesquisadores como é o caso da filósofa Caroll E. Clealand [50, 51, 52, 53, 54], possamos pensar em dois modos principais de se fazer ciência o modo experimental, típico de campos da pesquisa como a física, a química e a biologia molecular, e o modo histórico, típico da astronomia, geologia, paleontologia etc – daí não podemos concluir que as ciências ditas históricas sejam epistemicamente inferiores as ditas experimentais, como a própria Clealand deixa bem claro [53, 54].

As hipóteses alvo da maioria dos cientistas históricos são determinados eventos em grande escala do passado, por exemplo, um evento de extinção em massa específico, como o do fim do Cretáceo, ao contrário de extinções em massa em geral. Tais acontecimentos não podem ser testada diretamente em um cenário laboratorial, porque eles são irrepetíveis e, além disso, em muito grande escala para serem replicados artificialmente em laboratório. Dada esta diferença de enfoque científico não é de surpreender que as práticas dos cientistas históricos diferem de maneira significativa daqueles da ciência experimental clássico. Pesquisa histórica prototípica exibe um padrão distintivo de raciocínio probatório caracterizada por duas fases inter-relacionados: (1) a proliferação de vários hipóteses alternativas concorrentes, para explicar um corpo intrigante de traços (efeitos atuais de causas passadas), encontradas no trabalho de campo, (2) a busca por uma “arma fumegante” para discriminar entre elas. A arma fumegante discrimina entre hipóteses rivais históricas, revelando que uma (ou mais) fornecem uma explicação melhor para o corpo total de evidências disponíveis do que os outras.” [aqui]

Uma das principais diferenças entre as ciências históricas e experimentais é o papel da experimentação em ambientes controlados no teste de hipóteses. Porém, nas ciências históricas existem formas alternativas e muito robustas de testar hipóteses, o que inclui fazer predições específicas a serem confirmadas pela observação, bem como a utilização de múltiplas linhas de evidência “consilientes” e complementares [Veja este texto do NCSE sobre a questão da confusão criacionista, típica, opondo, de maneira simplória, Ciências Experimentais vs Ciências Históricas”, fazendo isso mais comumente sobre a alcunha de “Ciências Históricas vs Ciências Operacionais” que não tem respaldo na historiografia moderna das ciências, por sinal].

Clealand argumenta que, embora os padrões de evidência possam ser diferentes, eles baseiam-se em uma assimetria objetiva e profundamente disseminada na natureza entre passado e futuro [53, 54]. Esta assimetria vem da sobredeterminação causal de eventos passados ​​por eventos localizados presentes, que é o que explica a prática das ciências históricas, em contraste com subdeterminação causal de eventos futuros por eventos localizados presentes que, de modo complementar, explica as “ciências experimentais”, mais especificamente a necessidade delas empregarem controles estritos e manipulação diferencial das variáveis, uma vez que as condições testadas em um experimento são apenas causas parciais do que acontece posteriormente. Desta maneira, há sempre uma necessidade de explicitar e controlar outros fatores causais adicionais, caso contrário abrem-se muitas chances para falsos positivos e falsos negativos, ou seja, confirmações e refutações espúrias. Mas esse não é o caso das evidências de natureza histórica [53, 54].

As diferenças entre os cientistas naturais, históricos e experimentais clássicos em metodologia são subscritas por um assimetria temporal pervasiva de causalidade bem conhecida dos físicos (Cleland, 2002). Esta assimetria de sobredeterminação (como foi denominada pelos filósofos) consiste no fato de que os eventos mais locais (em sentido amplo, de modo a incluir materiais e estruturais) ‘sobredeterminam’ suas causas passadas (porque o último normalmente deixa efeitos extensos e variados) e subdeterminam os seus efeitos futuros (porque raramente constituem a causa total de um efeito); colocando de maneira simples, o presente contém registros do passado, mas não há registros de futuro. Cientistas históricos exploram a sobredeterminação dos eventos passados ​​por seus efeitos localizados de hoje, buscando vestígios denunciadores (isto é, uma ‘arma fumegante’) de eventos passados ​​hipotéticos, e porque a maioria dos eventos deixam muitos desses traços no ambiente, eles jamais pode descartar completamente encontrá-los; é isso que justifica a busca de uma causa comum, quando confrontados com um conjunto de traços intrigantes descobertos através do trabalho de campo (Cleland, 2011). Como ilustração considere uma erupção vulcânica explosiva. Seus efeitos incluem extensos depósitos de cinzas, restos piroclástico, massas de magma andesitico ou riolitico, e uma grande cratera. Apenas uma pequena parte deste material é necessária para inferir a ocorrência da erupção. Na verdade, qualquer um de um número enorme de extremamente pequenas subcoleções de efeitos será sificiente. Isso ajuda a explicar por que os geólogos podem confiantemente inferir a ocorrência de evento do passado remoto, como as maciças erupções formadoras de caldeiras, que ocorreu 2.1 milhões de anos no que é hoje o Parque Nacional de Yellowstone.”[aqui]

Em alguns casos é bem obvio por que estudos experimentais, em sentido tradicional, são inviáveis. Afinal, como poderíamos reproduzir em grande escala fenômenos como a deriva continental e a tectônica de placas, ou replicar em laboratório algumas das grandes transições morfológicas que demoraram milhões de anos e que dependeram de centenas ou milhares de eventos de especiação (cladogênese) e de evolução de dentro de cada linhagem? Em outros casos, mesmo a exigência de observação direta é uma demanda absurda para alguns desses fenômenos e processos já que ou, no caso dos eventos em nosso passado, precisaríamos de uma máquina do tempo para testemunhá-los por nós mesmos, ou, nos casos de processos estendidos no tempo, a observação direta torna-se inviável por que ela excede a duração da vida humana ou mesmo a da nossa sociedade. Porém, como Clealand explica, existem vários dados disponíveis hoje em dia e que são escrutináveis pela comunidade científica que nos permitem inferir com alto nível de confiança o que ocorreu no passado e estabelecer que tipo de processos devem ter sido responsáveis por eles, testando a plausibilidade e adequação empírica relativa das diferentes alternativas, inclusive de uma maneira bem quantitativa.

Na verdade, é exatamente isso que é feito, por exemplo, com os estudos sobre as grandes transições evolutivas como as ilustradas pelas séries de fósseis com estruturas em estados transicionais entre formas viventes e extintas. Estas evidências conjuntas, que envolvem estudos filogenéticos, de anatomia comparativa, de séries estratigráficas, podem ser resumidas por meio de um dispositivo didático de apresentação gráfica chamado de evograma, como os que estão disponíveis no site do museu de Paleontologia da Universidade da Califórnia, Berkeley, dedicado ao ensino de evolução.

Os evogramas disponíveis no site Understanding Evolution incluem exemplos da transição dos vertebrados aquáticos para o terrestres, dinossauros para aves, da evolução dos cetáceos a partir de mamíferos terrestres quadrúpedes, surgimento dos mamíferos a partir de seus ancestrais sinapsídeos, além da emergência dos seres humanos. Através destas representações gráficas podemos perceber como o estudo anatômico comparativo de certas estruturas por meio dos fósseis de espécies extintas e modernas nos permitem apreciar os padrões intrincados de similaridade, o que nos permite perceber o nível de derivação da estrutura, da mais ancestral à mais derivada. Isso fica muito mais claro, principalmente, quando sobrepomos estas comparações anatômicas em uma filogenia baseada em outras características, ou seja, que não sejam as características transicionais investigadas, e que também mostra também os tempos de ocorrência daqueles grupos de organismos ao longo de milhões de anos. Neste tipo de esquema estão condensadas as evidências empíricas, os argumentos e as estratégias de inferência contidas em centenas de trabalhos científicos.

Estes estudos são apoiados por evidências moleculares e embriológicas dos grupos viventes, como por exemplo fica claro nos trabalhos que mostram a similaridade na expressão gênica em patas e nadadeiras de vertebrados terrestres e aquáticos [55, 56, 57] ou nos estudos embriológicos de espécies de mamíferos aquáticos em que podemos perceber os primórdios de estruturas como as patas traseiras durante o desenvolvimento inicial dos indivíduos, mas que que regridem antes no nascimento dos animais ou mesmo das vibrissas no rostro de certos cetáceos [58]. Outro ponto importante é que hipóteses sobre os padrões mais amplos e sobre os mecanismos agindo na evolução em grandes escalas de tempo e do espaço podem ser eles também testados por dados quantitativos paleontológicos, o que vem tornando-se cada vez mais comum graças ao grande número de bancos de dados computadorizados onde estão armazenadas informações taxonômicas, geográficas e contextuais precisas sobre espécimens fósseis, bem como por causa da existência de ferramentas de análise estatísticas e modelagem computacional e matemática, além de critérios de avaliação de escolha de modelos cada vez mais poderosos. Muitos dos estudos mais modernos empregam um conjunto de técnicas estatísticas e computacionais bastante complexas e refinadas que incluem os métodos de análise filogenética e de estimação dos tempos de divergência usando análise Bayesiana, modelos de máxima verossimilhança e calibração dos relógios moleculares por meio do registro fóssil [veja esta resposta de nosso tumblr], combinando-os critérios rigorosos de seleção de modelos, como AIC e outros. Nestas abordagens quantitativas, os dados de diferentes fontes de informação podem ser incorporados e hipóteses específicas podem ser testadas em relação a suas probabilidades posteriores ou verossimilhança. Alguns dos exemplos modernos mais impressionantes destas abordagens são o estudo publicado na Nature por Douglas Theobald [59, 60, 61, 62] [Veja também “Ancestralidade comum universal: A evidência está nas proteínas [Tradução]”], testando a hipóteses da ancestralidade comum universal usando um conjunto de proteínas ubiquais nos três domínios biológicos, e, mais recentemente, o trabalho que estimou as taxas de evolução morfológica e genética durante a explosão cambriana [63].

A questão, entretanto, é mais complexa, pois, como a própria Clealand deixa claro [54], sobreposição entre as ciências de modo geral em relação aos seus métodos de estudo. Por exemplo, não é incomum vermos historiadores e arqueólogos usando métodos experimentais que vão desde as técnicas de datação por meio do radiocarbono, avaliação dietária por meio do estudo dos isótopos encontrados nos ossos e dentes, até a reconstrução de artefatos antigos por meios das técnicas supostamente empregadas pelos seus criadores originais em condições controladas e usando os recursos e conhecimento disponíveis em cada época, ou seja, a arqueologia experimental. Isso nos leva ao segundo argumento implícito na critica de Borges que seria a ideia que a evolução não teria apoio experimental. Esta sugestão é ridícula, pois a biologia evolutiva, como enfatiza Massimo Pigliucci [64], encontra-se bem no meio desta divisão metodológica entre ciências experimentais e históricas, usando abundantemente ambos os padrões de evidência de maneira bastante disseminada.

Existe uma gama enorme de estudos experimentais [veja também o verbete da wikipédia, além da edição especial da revista Biology Letters sobre o assunto] [64, 65] feitos em moléculas como o RNA [66] organismos com ciclos de vida mais curtos, como vírus, bactérias, protistas, algas, fungos, invertebrados (como os estudos em moscas de fruta feitos a partir dos trabalhos pioneiros de Dobzhansky), vertebrados (como camundongos, peixes e lagartos) [67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74] e plantas que incluem tanto a investigação de processos microevolutivos, como aqueles realizados na pesquisa de como fatores evolutivos como a seleção natural, deriva genética e mutações interagem ao longo das gerações em populações de laboratório e selvagens, como aqueles conduzidos na investigação dos processos de especiação [Por sinal não custa lembrar dos vários exemplos de especiação, portanto, de divergência de populações e formação de novas linhagens que os cientistas acumularam ao longo dos anos. Veja “instâncias observadas de especiação” e “mais instâncias observadas de especiação”], muitos dos quais envolvem submeter populações de uma mesma espécie a pressões distintas com objetivo de estudar a divergência genética e fenotípica, bem como os fatores e mecanismos responsáveis pelo isolamento reprodutivo, como estudo com híbridos obtidos entre espécies próximas de modo a revelar qual a base genética das diferenças fenotípicas e como elas surgiram ao longo do passado destas linhagens [65, 66], além de abordar questões como a origem e manutenção da reprodução sexual. Estes estudos envolvendo a especiação e a base genética de características fenotípicas distintivas entre espécies próximas já qualificam-se naquilo que os biólogos evolutivos consideram macroevolução, o que já serviria para desmentir as sugestões de Borges. Mas isso não é tudo.

Mesmo que não possamos recriar, em toda sua exuberância e complexidade, os eventos de transição que estudamos por meio das evidências fósseis, anatômicas, embriológicas e moleculares disponíveis hoje em dia, podemos, entretanto, realizar estudos experimentais cruciais para compreendermos estas transições e analisarmos os dados de maneira mais crítica e precisa. Por exemplo, muitos paleontólogos conduzem experimentos no que eles chamam de tafonomia experimental [75],estudando as etapas iniciais de fossilização e como os diferentes processos egológicos e biológicos interferem com as características destes vestígios; além disso existe uma área muito popular, atualmente, entre os biólogos evolutivos chamada de de EVO-DEVO (Biologia Evolutiva do Desenvolvimento) [76, 77, 78] em que abordagens da anatomia e embriologia comparativa, paleontologia, além do estudo da expressão gênica e da biologia molecular do desenvolvimento, são combinados com os modernos métodos de análise filogenéticos baseados em biomoléculas e morfologia. Neste campo, frequentemente, são empregados métodos experimentais envolvendo a manipulação controlada dos circuitos genéticos e das vias do desenvolvimento de certas estruturas, sistemas e órgãos, tidos pelos cientistas, como sendo responsáveis pelas mudanças ao longo da história evolutiva dos grupos que estão sendo investigados.

Este tipo de evidência experimental, mesmo indireta, é fundamental para os estudos sobre a macroevolução, já que nos permitem investigar mecanisticamente como alterações no material genético que, por exemplo, modificam o padrão espacial e temporal e a intensidade da expressão dos genes – e, desta maneira, alteram os padrões de interação entre células e tecidos ao longo do desenvolvimento ontogenético – podem ter dado origem a certas estruturas a partir das versões ancestrais das mesmas em outras espécies. Exemplos recentes deste tipo de estudo experimental incluem a indução de patas em peixes [79, 80] e de estruturas similares a nadadeiras em camundongos [81 82]. Veja também os textos “Viva Turing de novo, mais pistas sobre a evolução dos membros em vertebrados” e “Superexpressão do gene 13Hoxd: Mais pistas sobre a transição entre peixes e tetrápodes:

Outro exemplo são os estudos experimentais mais relevantes a questão da origem da multicelularidade em que organismos modernos como leveduras, algas unicelulares e outros microrganismos são submetidos a regimes de seleção específicos que teriam sido equivalentes aos que, de acordo com os modelos e teorias evolutivas e evidências filogenéticas, teriam sido responsáveis pela evolução deste tipo de organismo [83, 84, 85, 86]. Veja também os textos “Evolução da multicelularidade em laboratório” e “Evolução da multicelularidade em laboratório II“.

Nestas linhas de pesquisa científica é investigado, exatamente, aquilo que muitos criacionistas dizem não ser possível, ou seja, como surgem as inovações evolutivas. Por meio dos métodos e estratégias adotadas nesses ramos da pesquisa biológica podemos testar as hipóteses elaboradas com base em estudos filogenéticos e em análises comparativas da anatomia e embriologia dos organismos modernos e fósseis. O problema é que os criacionistas têm suas próprias definições sobre o que seria evolução e insistem em exigir ‘evidências’ que não fazem o menor sentido. Este é o caso, por exemplo, do ‘crocopato(de Kirk Cameron e Ray Confort) que reflete um equívoco mais geral sobre a evolução que é o de imaginar que as espécies transicionais seriam algum tipo de quimeras, compostas por partes de organismos modernos [veja por exemplo aqui e aqui]. Na mesma linha de equívocos podemos citar as demandas por parte de certos criacionistas de tipos de evidências incompatíveis com a realidade, como exigir observação direta das grandes transições, supondo que elas deveriam ocorrer em um único evento de divisão de linhagem equivalente a especiação, quando os cientistas estão cansados de explicar que tais transições não são eventos simples, mas fenômenos compostos de vários eventos de especiação e extinção de linhagens, aos quais, apenas em retrospecto, faz sentido tratarmos deles como eventos de formação de grupos taxonômicos mais amplos, como gêneros, famílias, ordens, classes e filos [14].

Ainda assim, existem fenômenos que ocorrem em algumas gerações e àqueles que testemunhamos através da história humana que, embora tecnicamente enquadrem-se dentro da microevolução, por não estarem associados a eventos de divisão de linhagens, mesmo assim, envolvem níveis de mudança fenotípica típicos de algumas das transformações que ocorrem cumulativamente em largas escalas de tempo. Por exemplo, a maioria dos tipos de alterações herdáveis que participam destas transições, envolvendo tamanho, proporções, coloração e número de partes de organismos multicelulares, já foram observadas em campo ou em laboratório [14]. O caso de espécies vegetais cultivadas como o milho são um exemplo ainda mais claro disso. Estes exemplos demostram como, em alguns milhares de anos, empregando a diversidade genética existente nas populações naturais e regimes de seleção direcional específicos foi possível promover grandes transformações morfológicas, como fica claro ao compararmos o milho atual ao seu parente o teosinte [87].

Ainda mais impressionantes são as diversas raças de cães obtidas por meio do cruzamento seletivo a partir de lobos, domesticados ao longo dos séculos. Além das alterações de tamanho, que deram origem aos Chihuahua e aos Dinamarqueses, existe uma gama enorme de variação em relação as proporções dos membros, da morfologia craniofacial, coloração e comportamento. Dois pesquisadores, Abby Grace Drake e Christian Peter Klingenberg [88], seguindo o trabalho anterior de Robert K. Wayne, feito em 1986 [89], resolveram quantificar as diferenças morfológicas através da estimação daquilo que os biólogos evolutivos chamam de disparidade. Por meio de técnicas de análise morfométricas, eles foram capazes de mostrar que a disparidade nos cães domésticos excede a exibida por qualquer outra espécie individual de canídeos. Na verdade, a disparidade dentro deste subgrupo é equivalente a disparidade de toda a ordem carnívora [88]. O fato destas alterações nos cães, no milho e em outros organismos domesticados não estarem ligadas a especiação – portanto, ao estabelecimento de linhagens distintas – é apenas um detalhe já que os tipos de modificação morfológica são equivalentes aos tipos de mudanças que estão por trás das diferenças entre grupos bem mais distantes de organismos, mas que ocorreram de forma cumulativa após muitos eventos de especiação, evolução dentro das linhagens e extinção. Desta maneira, estas modificações morfológicas que ocorrem em espaços de tempo mais curtos e que conseguimos rastrear em quanto sociedade é tão dramática que lançam luz ao estudo da macroevolução, nos permitindo estudá-la bem de perto e com muito mais precisão.

Por fim, existem outros métodos de investigar a macroevolução, como a utilização de simulações computacionais e modelagem matemática da evolução de características fenotípicas e genéticas ao longo da evolução tendo como base a moderna teoria da genética quantitativa e de populaççoes evolutiva e os métodos filogenéticos comparativos, em que diversos processos podem ser simulados tendo como base árvores filogenéticas de um dado grupo de organismos, de modo que possamos inferir os processos evolutivos envolvidos nem sua evolução [82, 83, 84]. O campo da Vida Artificial, especialmente de ‘Evolução de Organismos Digitais‘ é outras maneira de investigar padrões e mecanismos evolutivos gerais, como podemos constatar através de trabalhos em plataformas como AVIDA, Polyword e Tierra [89, 90, 91, 92].

Todas essas abordagens complementam-se e reforçam-se umas as outras, nos permitindo explorar, não só a evolução dentro de populações, mas a evolução em largas escalas temporais e espacias, nas quais múltiplos eventos de especiação e extinção ocorrem, tendo como pano de fundo mudanças ecológicas e ambientais profundas. Claro. Como em qualquer campo científico, existem muitas dúvidas e questões em aberto; além do mais, os cientistas, compreendendo a falibilidade humana, estão preparados para novas evidências, teorias e argumentos que os façam refletir e, eventualmente, mudar de ideia, mesmo que não haja nada assim afigurando-se no horizonte. Esta postura crítica e a humildade epistêmica vinculada a ela são parte integrantes dos valores cognitivos compartilhados pela comunidade científica e são o que a diferencia de outras empreitadas não tão críticas e organizadas. Conclusões científicas como as sobre a idade do universo, do nosso sistema solar e planeta, bem como sobre a evolução dos seres vivos, são apoiadas por uma enorme gama de evidências que foram descobertas, avaliados e validadas por gerações de pesquisadores com as mais variadas posturas religiosas, filosóficas e políticas.

Incitar a não aceitação do fenômeno da evolução, apresentando-o como uma conclusão não científica e/ou como um mero jogo de pressão ideológica, e ignorar as conclusões da biologia evolutiva não é apenas errado. É profundamente perigoso. O estudo da evolução tem sim implicações práticas importantes [veja aqui, aqui, aqui] que vão desde aplicações da investigação investigação forense e criminal [veja aqui também] [97, 98] e chegam mesmo em áreas como a robótica e a computação. [Existe, inclusive, pelo menos um periódico dedicado a isso, o Evolutionary Applications.]

Em seguida cito apenas alguns exemplos mais bem conhecidos – que nem de longe esgotam as contribuições da biologia evolutiva e, portanto, da teoria evolutiva moderna – em outras questões mais aplicadas e de relevância social e política mais imediatas [99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109] :

1) Em nossa saúde, tanto ao nos permitir uma compreensão mais profunda da resistência a antibióticos, antivirais, antiparasitários e agentes outros quimioterápicos, bem como em nossa compreensão epidemiológica de várias doenças infecto-contagiosas (HIV, dengue, febre-amarela) e dos seus vetores (mosquitos, por exemplo) e mesmo dos mecanismos pelos quais as doenças emergem, muitos deles associados a forma como evoluímos;

2) Na produção de alimentos a biologia evolutiva permite uma compreensão melhor da evolução da resistência a pesticidas por parte de insetos e plantas;

3) Na conservação de espécies e ecossistemas e no manejo de recursos naturais (e mesmo em sua relação com a agricultura e pecuária) a biologia evolutiva nos ajuda a compreender como os mecanismos de adaptação são sensíveis às mudanças no seu meio ambiente, principalmente como as diretamente ligadas a atividade humana, como desmatamento, pesca excessiva ou a mudanças climáticas globais, além de nos dar um melhor entendimento dos processos de interação entre espécies (especialmente em relação ao problema das espécies invasoras e do impacto da remoção de predadores de topo nos ecossistemas) que mantém a estabilidade dos ecossistemas e sua dinâmica de curto, médio e longo prazo. Estes conhecimentos são essenciais a médio e longo prazo e ignorá-los poder ter consequências nefastas.

4) Na biotecnologia, como é o caso dos estudos de ‘evolução dirigida‘ – o estudo da evolução e a aplicação de estratégias de seleção artificial em ambientes controlados abre espaço para a criação de novas moléculas, materiais e processos de produção. Outro exemplo é o da biorremediação. A biologia evolutiva, por meio da investigação dos processos e mecanismos de evolução e adaptação a ambientes extremos, possibilita a procura e seleção de espécies de microrganismos e plantas capazes de destoxificação de áreas contaminadas etc.

Tratar a evolução como uma mera questão de opinião não consiste somente em rejeitar uma cosmovisão específica, mas endossar um desprezo pelas evidências quando elas não dizem, exatamente, aquilo que queremos ouvir. É uma atitude de imaturidade epistêmica, mas que acima de tudo têm implicações sócias e políticas de médio e longo prazo que não deveriam poder ser ignoradas em uma sociedade como a nossa que depende tanto de informação de boa qualidade e dos conhecimentos científicos para resolver seus problemas e as mazelas sócias e ambientais. Compreender os problemas da oposição dos criacionistas às conclusões científicas é essencial, bem como compreender a natureza distorcida e mal informada de seus ataques ao ensino e divulgação da biologia evolutiva, de modo a denunciá-los e melhor combatê-los.

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Crédito das figuras:

Biólogo em campo: PASCAL GOETGHELUCK/SCIENCE PHOTO LIBRARY

Trabalho de campo geológicot: DAVID NUNUK/SCIENCE PHOTO LIBRARY

Análise de DNA fóssil: VINCENT MONCORGE/LOOK AT SCIENCES/SCIENCE PHOTO LIBRARY