O que faz de um dinossauro um dinossauro? [Tradução]

A pergunta pode soar como … hmmm … “duh”, mas chega ao coração de como categorizamos e definimos a natureza.

O que é um dinossauro, afinal? A resposta está na árvore evolutiva. (Marcio Silva/Alamy)

Por Brian Switek, 8 de dezembro de 2017

Pergunte a qualquer criança de 8 anos de idade o que é um dinossauro e ela recitará avidamente sua celebridade pré-histórica favorita. E quando nos tornamos adultos, nos sentimos totalmente familiarizados com os dinossauros; eles são os rockstars da pré-história, mais famosos e duradouros que qualquer supercelebridade de Hollywood. Eles se destacam em nossa imaginação como seres grandes, cheios de dentes e, acima de tudo, animais bizarros que têm ocupado um lugar na Terra nos últimos 235 milhões de anos. Mas o que é realmente um dinossauro?

Para responder a isso, precisamos voltar no tempo (não, não tão longe). Muito antes de os cientistas serem chamados cientistas, pessoas de todo o mundo se perguntavam quem deixava todos aqueles ossos e pegadas antigas. Em Flag Point, no sul de Utah, por exemplo, os nativos americanos esculpiram pictogramas de pegadas de três dedos, inspirados por pegadas de dinossauros nas rochas jurássicas ao redor. E mesmo quando o naturalista William Buckland batizou o Megalossauro, o primeiro dinossauro a ser nomeado, em 1824, os primeiros geólogos estavam no escuro em relação a como esses animais eram. Megalossauro e outras descobertas iniciais, como o Iguanodon, foram encaradas como basicamente crocodilos e iguanas por mais compridos que um ônibus de linha.

Entra na história o paleontólogo e biólogo britânico Richard Owen, um superstar da anatomia do século XIX, famoso por sua atitude rabugenta. Enquanto observava o que seus contemporâneos estavam descobrindo, Owen notou algo estranho sobre alguns dos répteis petrificados que saíam das antigas rochas do continente Europeu. “Muitos novos répteis fósseis foram encontrados no início do século 19“, diz o curador de dinossauros do Smithsonian, Matthew Carrano, “mas não ficou claro o que eles eram, ou se eles eram todos relacionados uns aos outros.” Owen começou a tentar identificar esse relacionamento misterioso.

Owen concluiu que o Megalossauro, o Iguanodon e uma terceira espécie chamada Hylaeosaurus estavam todos unidos por semelhanças esqueléticas no quadril, que excluíam outros saurianos da mesma época. Essas características, incluindo cinco vértebras fundidas em uma parte do quadril chamada sacro, são “peculiares entre os répteis“, escreveu Owen em seu relatório de 1842. Ele argumentou que isso era “base suficiente para estabelecer uma tribo ou subordem distinta de Répteis Saurianos, para os quais eu proporia o nome de Dinosauria” – os terríveis lagartos.

Desde então, descobertas de todos os continentes têm enchido museus com um número crescente de dinossauros cada vez mais incomuns. No entanto, quanto mais os paleontólogos descobrem, mais estranhos e maravilhosos se tornam esses terríveis lagartos – e mais difícil é definir o que faz um dinossauro um dinossauro.

Uma vista do Salão dos Dinossauros no Museu Nacional de História Natural, em 2003, mostra um Triceratops à esquerda da frente e um Tiranossaurus rex à frente na direita; Diplodocus longus está no centro. (John Steiner, Smithsonian Institution Archives)

Primeiramente, os dinossauros são maravilhosamente diversos. Os paleontologistas reconheceram mais de 1.000 espécies não-avianas distintas, desde minúsculos caçadores de insetos de penas até gigantes que cresceram até mais de 30 metros de comprimento e pesavam mais de 70 toneladas. Havia dinossauros com chifres, dinossauros encouraçados, dinossauros com cabeça em cúpula, dinossauros com crista, dinossauros de pescoço comprido, dinossauros com garras em foice e dinossauros que rasgavam a carne. A maioria viveu uma existência inteiramente terrestre, mas algumas vezes foram encontradas em lagos e rios (recentemente, os cientistas ficaram espantados com o primeiro dinossauro anfíbio conhecido, um dinossauro nadador similar a um cisne, não muito diferente de um velociraptor). E uma linhagem bateu asas e alçou-se ao ar, evoluindo para as aves, que são os únicos dinossauros vivos nos dias de hoje.

Esses animais muito diferentes compartilham alguns traços-chave: todos eles punham e eclodiram de ovos, por exemplo, e todos os dinossauros dentados substituíram constantemente seu aparato dental ao longo de toda a vida. Mas se realmente quisermos entender o que faz do dinossauro um dinossauro, precisamos diminuir o zoom.

Distinguir os dinossauros na árvore genealógica dos répteis – do poderoso tiranossauro a um peqeuno beija-flor – requer uma perspectiva evolutiva. Hans-Dieter Sues, o curador de paleontologia de vertebrados do Smithsonian, coloca desta forma: Dinosauria é um grupo que contém o mais recente ancestral comum das aves – como um pombo desses de rua – e o dinossauro não-aviano Triceratops, diz Sues, incluindo todos os descendentes daquele ancestral comum.

Existem algumas características reveladoras dos membros posteriores que permitem aos especialistas separar os dinossauros dos não-dinossauros, indo até as primeiras espécies, diz Sues, mas a visão geral é que se você pegar o Triceratops em uma mão e um pombo na outra e descer ao seu último ancestral comum; cada animal que cai dentro desse grupo conta como um dinossauro e compartilha certas características em comum. Os dois conceitos estão ligados, Carrano diz, “os dinossauros estão ligados por ancestralidade comum, o que lhes conferiu, através da hereditariedade, um conjunto de características únicas”.

“Dinossauro”, então, não é apenas um termo popular para qualquer coisa escamosa e extinta. É um termo científico com um significado estrito com uma associação definida. Às vezes isso cria o que pode parecer um paradoxo entre o antigo e o moderno. Todas as aves são dinossauros, por exemplo, mas nem todos os dinossauros são aves. Dado que as aves são os únicos dinossauros que permanecem até os dias de hoje, os especialistas geralmente especificam se eles estão falando sobre dinossauros não-avianos ou avianos. Mesmo assim, um pinguim é um lagarto tão terrível quanto o estegossauro.

Os quadris não mentem: Hoje nós separamos o clado Dinosauria em dois grupos, Saurischia (quadril de lagarto, acima) e Ornithischia (quadril de ave, abaixo). (Museu de História Natural)

A cultura pop, como você provavelmente notou, nem sempre obedece às regras. Em coleções de brinquedos de plástico, programas de TV paleocêntricos, como DinoRiders, e até mesmo os filmes da franquia Jurassic Park, dinossauros e não-dinossauros são muitas vezes indiscriminadamente misturados sem pensar muito no fato de que a palavra dinossauro não se aplica a qualquer coisa. A ideia de que a palavra dinossauro se refere a qualquer criatura reptiliana característica, diz Sues, “é devida a inúmeros livros infantis e produtos comerciais que tratam qualquer animal extinto grande ou bizarro como um ‘dinossauro’”.

Então, como você pode, como intelectual de poltrona ou aspirante a paleontólogo, saber se o dito ‘sauro’ na tela de cinema é um verdadeiro dinossauro ou um mero aspirante? Felizmente, há algumas pistas que os entregam. “Muitas características que unem os dinossauros envolvem a construção das regiões do quadril e coxa”, diz o Peter Buck Smithsonian Fellow, Adam Pritchard, que conferiu aos dinossauros sua postura ereta e pernas em forma de pilares. “Olhe para o topo do osso da coxa“, ou a parte superior da perna dos dinossauros digitalmente ressuscitados do cinema, Pritchard sugere, “e veja se ele se ajusta para dentro do encaixe do quadril.”

Outro desafio para o público decifrar os dinossauros é que o tempo geológico pode ser difícil de assimilar em nossas cabeças. “Eu acho que é muito comum no pensamento popular imaginar o passado como tendo acontecido mais ou menos de uma vez”, diz Carrano, o que significa que, quanto mais recuado no tempo tentamos pensar, mais as linhas ficam borradas. Isso significa que alguns não-dinossauros têm sido falsamente agrupados com estegossauros e outros simliares, apesar de viverem separados por milhões de anos.

O Dimetrodon com sua ‘vela’ dorsal? Era um protomamífero mais aparentado a nós do que aos dinossauros. Os ‘peixoides’ ictiossauros que nadavam pelos mares? Eles eram uma das muitas linhagens de répteis que se adaptaram à vida na água durante o Mesozoico. E os pterossauros de asas membranosas que viajavam pelos céus? Apesar de terem sido apresentados nos três últimos filmes do Jurassic Park, eles eram apenas primos dos dinossauros, que se separaram de um ancestral comum anterior. Os dinossauros são o seu próprio grupo discreto, em outras palavras, unidos a todo o resto de sua família através de sua ancestralidade comum e identificados através das características dos seus quadris que foram mantidas desde o Triássico até o presente. Pode ser difícil pensar em uma ema ou codorna como um lagarto terrível, mas você terá que aceitar esse argumento com o fantasma de Richard Owen.

      Versão simplificada da árvore genealógica dos dinossauros, antes da última reformulação. (Museu de História Natural)

É claro que falar sobre dinossauros dessa maneira é tão exato quanto discutir sobre mamíferos. Mamíferos – que são tipicamente definidos por sua tendência a ter pelos, dar à luz aos seus filhotes e produzir leite – incluem tudo, desde seres humanos a hienas, de musaranhos às baleias que habitam o

mar. Mamíferos são compostos de muitos ramos que se movimentaram ao longo dos anos, e o mesmo aconteceu com os dinossauros. Os paleontólogos passaram décadas organizando e rearranjando esses ramos, e um estudo no início deste ano revigorou um debate sobre a forma da árvore genealógica dos dinossauros. “A classificação dos dinossauros passou por inúmeras mudanças ao longo dos anos”, diz Sues, com as raízes da última alteração remontando ao século XIX.

Em 1888, o paleontólogo britânico Harry Govier Seeley argumentou que Dinosauria de Owen não era um grupo natural, mas sim uma mistura do que ele via como dois grupos muito diferentes de répteis antigos. Seeley separou esses dois grupos com base na sua forma de quadril. Havia Saurischia, que ele definia por seu tipo de quadril semelhante ao de lagartos, e incluía os dinossauros saurópodes e terópodes. E também havia Ornithischia, que tinha um tipo de quadril mais parecido com o de uma ave, e continha dinossauros encouraçados, dinossauros com chifres, dinossauros de bico de pato e seus parentes. (A ironia é que agora sabemos que os dinossauros de “quadris de aves” não são parentes próximos das aves. As aves são tecnicamente dinossauros saurísquios com quadris altamente modificados.)

Os paleontólogos combinaram as ideias de Owen e Seeley. Hoje acredita-se que Dinosauria é um grupo real, ancorado em características compartilhadas por ancestralidade comum à exclusão de outros animais. Mas os saurísquios e os ornitísquios são os dois ramos principais, com linhagens mais específicas dispostas ao longo de cada um deles. Outras ideias surgiram e desapareceram, mas essa visão da árvore genealógica dos dinossauros permaneceu estável. Então, no início de 2017, um estudo do paleontólogo Matthew Baron e seus colegas abalou as coisas.

Em vez de encontrar o arranjo tradicional, a nova análise feita por Baron e seus colegas resultou em algo diferente. Os dinossauros permaneceram como um grupo natural, mas os dinossauros terópodes surgiram como parentes próximos dos ornitísquios – normalmente posicionados do outro lado da árvore genealógica – e os dinossauros saurópodes apareciam como parentes de um enigmático grupo de dinossauros carnívoros primitivos chamados herrerassáurideos. Os pesquisadores decidiram chamar o grupo de Ornithoscelida (um termo cunhado pelo naturalista do século XIX Thomas Henry Huxley) e manteve Saurischia para o outro grupo.

Mas um único novo artigo não produz um consenso. Meses depois, um grupo diferente de paleontólogos defendeu o arranjo tradicional em uma réplica, à qual foi seguida de uma réplica à réplica. No momento, diz Sues, “a maioria dos especialistas em dinossauros não foi balançada pela nova hipótese, mas ela serve a um propósito útil, pois estimulará uma análise mais aprofundada, especialmente dos primeiros dinossauros”.

Se todo esse embaralhamento sistemático deixou você ansioso, não se preocupe. Um novo fóssil ou análise pode semear mais confusão do que compreensão após seu anúncio, diz Pritchard. Mas isso não é motivo para desespero. É assim que a ciência funciona: assim como os dinossauros evoluíram e mudaram, o mesmo acontece com a ciência, ao incorporar novas evidências e teorias. “Relacionamentos não são ‘estabelecidos’, mas devem sempre permanecer como hipóteses”, diz Sues, “mantendo-se ou caindo conforme as evidências vão se acumulando.” “Isso parece ser normal na natureza”, acrescenta Pritchard. “É sempre muito mais complicado e inesperado do que os cientistas preveem.

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Brian Switek escreve sobre ciência e é especializado em evolução, paleontologia e história natural. Ele escreve regularmente para a Scientific American.

Leia mais: https://www.smithsonianmag.com/science-nature/ask-smithsonian-what-is-dinosaur-180967448/#rWyCoIe78TZAyDAK.99

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SWITEK, Brian O que faz um dinossauro um dinossauro? SMITHSONIAN.COM, 8 de DEZEMBRO, 2017.

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Tradução: Rodrigo Véras

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