Penas: marcas indeléveis da evolução das aves

VES são animais fáceis de se reconhecerem. Mesmo nos centros urbanos, fazem ninhos à nossa volta. São conhecidas popularmente por sua beleza, inteligência, fidelidade, destreza e, por que não, sabor.

ResearchBlogging.orgEncontrada uma pena, ou uma única pluma, já temos evidência suficiente para afirmar presença de ave sem sombra de dúvidas. Mas, se as aves são também resultado da evolução, encontraríamos numa viagem ao passado um momento em que suas características, por exemplo as penas, poderiam pertencer a criaturas bem diferentes do que chamamos hoje de ave? Por exemplo, alguma criatura com dentes?

A resposta é afirmativa segundo o registro fóssil. As penas, bem como muitas outras características, trazem consigo marcas indeléveis de que aves evoluíram.

“Descobertas de estruturas em forma de ‘fibra’ em Sinosauropteryx, Beipiaosaurus, e Sinornithosaurus e em dois dinossauros controversos com penas estimularam debates sobre a origem das penas além da origem das aves. Similaridades foram encontradas entre o apêndice integumentar alongado do arcossauro Longisquama, do Triássico tardio, e penas de aves modernas. O Protopteryx preservou alguns tipos interessantes de penas com características intermediárias de escamas e de penas modernas, assim fornecendo evidência fóssil para a origem das penas em escamas alongadas de répteis. (…) O Protopteryx tem o tamanho aproximado de um estorninho, com impressões de penas claramente preservadas.”

É o que dizem Fucheng Zhang & Zhonghe Zhou, da Academia Chinesa de Ciências, em publicação na revista Science de dezembro de 2000.

Zhang & Zhou concluem:

“As penas modernas provavelmente evoluíram através dos seguintes estágios: (1) alongamento das escamas, (2) aparecimento de um veio central, (3) diferenciação de ramificações em barbas, e (4) aparecimento de bárbulas e barbicelas.”

Traduzindo os termos técnicos, a evolução das penas, segundo as evidências fósseis, se deu assim: escama reptiliana -> escama reptiliana alongada -> escama alongada com ramificações -> protopena -> pena.

Essa ordem é consistente com estudos histológicos do crescimento das penas, como diz Alibardi (2007):

“Aqui se hipotetiza que em arcossauros pré-avianos com uma pele escamosa, escamas tuberculadas e posteriormente coniformes se formaram na pele sem penas em expansão. As escamas coniformes se alongaram em apêndices finos e pilosos que podem ter funcionado como apêndices isolantes para a termorregulação em arcossauros pró-avianos. (…) A morfogênese da coluna de barbas foi uma novidade evolutiva necessária para a origem de penas em aves e, provavelmente, em [dinossauros] terópodes. (…) Esses processos morfogenéticos podem explicar a ramificação simples nas penas modernas tão bem quanto em apêndices parecidos com penas primitivas encontrados em fósseis tais como Sinosauropteryx, Beipiaosaurus, Shuvuuia e Sinornithosaurus.”

Uma mudança gradual que transforma lentamente escamas em penas nada tem de projetada, muito menos de inteligente. Um projetista inteligente que precise ajustar a todo momento a sua criação não passa de um projetista pouco inteligente. E ele tem nome: seleção natural, deriva genética, ou seja, todos os verdadeiros mecanismos evolutivos já descobertos.

A transição entre outros dinossauros e aves (porque aves ainda são dinossauros) é clara. Basta ver fósseis como Archaeopteryx, Protopteryx, Confuciusornis, Yixianornis grabaui, entre outros.

Quanto a este último, é descrito por Julia A. Clarke, Zhonghe Zhou e Fucheng Zhang (2006) como um animal do cretáceo com claras impressões de penas e ainda dotado de dentes (ou seja, outra característica além das penas mudando gradualmente na transição terópode-ave [ornithurines]).

Ainda hoje, como relatou a revista científica Current Biology em 2006, quando acontece uma certa mutação pintinhos podem desenvolver dentes na fase embrionária – o que chamamos de atavismo, o reaparecimento de características ancestrais.

Não são poucos nos museus os exemplares de dinossauros fossilizados com penas, como o descrito por Ji e colaboradores na revista Nature de abril de 2001 (em muitos, inclusive, como se vê na foto à direita, membros anteriores se parecem com asas de ave, mas têm três dedos com garras). Dos dinossauros dotados de penas, apenas um dos já citados revelou-se um engano: o que parecia ser penas no Sinosauropteryx, na verdade era a impressão de fibras de colágeno no fóssil.

Cuervo e Moller (1999), finalmente, explicam como podem surgir as penas mais complicadas dos ornamentos mais belos dos pássaros em função de um caso especial da seleção natural:

“Ornamentos extravagantes de penas evoluíram independentemente ao menos 70 vezes em aves, e o contexto desses eventos evolutivos foi investigado estatisticamente. A aquisição de ornamentos de pena foi significativamente associada com uma mudança no sistema social de acasalamento de monogamia para poliginia ou lekking. Essa associação é consistente com o mecanismo Fisheriano da seleção sexual.

O que é de dar pena é que todas essas evidências são absolutamente ignoradas por aqueles que pretendem atacar a validade científica da teoria da evolução.
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Referências

Zhang, F. (2000). A Primitive Enantiornithine Bird and the Origin of Feathers Science, 290 (5498), 1955-1959 DOI: 10.1126/science.290.5498.1955

Alibardi, L. (2007). Cell organization of barb ridges in regenerating feathers of the quail: implications of the elongation of barb ridges for the evolution and diversification of feathers Acta Zoologica, 88 (2), 101-117 DOI: 10.1111/j.1463-6395.2007.00257.x

Clarke JA, Zhou Z, & Zhang F (2006). Insight into the evolution of avian flight from a new clade of Early Cretaceous ornithurines from China and the morphology of Yixianornis grabaui. Journal of anatomy, 208 (3), 287-308 PMID: 16533313

Harris, M., Hasso, S., Ferguson, M., & Fallon, J. (2006). The Development of Archosaurian First-Generation Teeth in a Chicken Mutant Current Biology, 16 (4), 371-377 DOI: 10.1016/j.cub.2005.12.047

Ji Q, Norell MA, Gao KQ, Ji SA, & Ren D (2001). The distribution of integumentary structures in a feathered dinosaur. Nature, 410 (6832), 1084-8 PMID: 11323669

Cuervo, J., & Moller, A. (1999). Ecology and evolution of extravagant feather ornaments Journal of Evolutionary Biology, 12 (5), 986-998 DOI: 10.1046/j.1420-9101.1999.00100.x

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