Genes adormecidos: da história da genética ao Jurassic Park


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A genética é a base do entendimento da produção de um ser vivo; é a ciência que estuda a hereditariedade. Ela sempre fez parte da vida das pessoas, mesmo das que jamais ouviram falar dela. Quem nunca ouviu: “_Fulano puxou o nariz do pai.”, “_Beltrano tem os olhos do avô.”. Isso é genética em sua definição mais pura, a herança de características.

 

 

A genética produz você, o ambiente complementa.

 

    Os povos antigos usavam-na em seu “melhoramento genético”, que pode também ser definido como seleção artificial. Imagine como deve ter sido difícil para esses povos ter a ideia de que, ao produzir sementes boas, o ideal não seria comê-las, mas sim plantá-las para produzir mais delas. É contra-intuitivo. O cérebro funciona de maneira óbvia: Comida boa? Coma! Comida ruim? Jogue fora!

    Mesmo contra a intuição, os antigos perceberam que se comessem as sementes ruins e plantassem as boas, no futuro teriam maior número de plantas que produziriam sementes boas. Os dados estavam lançados. Era só uma questão de tempo para que modificássemos a paisagem natural ao criar espécies novas. Um exemplo incrível é o da criação do milho a partir da domesticação do teosinte, feita pelos índios americanos nos últimos 10 mil anos.

 

 

1- Teosinte, 2- híbrido entre os dois e 3 – milho; a espiga aumentou de tamanho por melhoramento genético (seleção artificial).

 

    Apesar de fazer parte da história da humanidade, os primeiros passos da genética como ciência demoraram a ocorrer, e foram dados pelo monge austríaco Gregor Mendel (1822-1884), e um caminho muito longo foi percorrido desde então; passando pela descoberta da estrutura do DNA (Watson & Crick) em 1953, a clonagem, os transgênicos, e culminando na conclusão do projeto genoma humano.

 

 

Gregor Mendel; a molécula de DNA; Crick e Watson.

 

    Conforme o conhecimento humano aprofundava-se nos campos da genética e biologia molecular, a estranheza aumentava. Os cientistas tiveram que rever seus conceitos várias vezes.

    O primeiro engano foi imaginar que, por sermos, em uma visão quase religiosa “o ápice da evolução”, deveríamos ter um genoma mais complexo que os outros seres vivos, com maior número de genes ativos. O mapeamento do genoma de outros seres mostrou que não existe essa relação. E pior. Nos “envergonhamos” ao saber que até alguns seres unicelulares apresentam genoma maior que o nosso.

 

 

Polychaus dubium, protozoário com genoma aproximadamente 200 vezes maior que o nosso.

 

    Outra surpresa foi encontrar um número muito menor de genes do que o esperado (25.000 aproximadamente), indicando que 98% do genoma não produzia proteínas. Inicialmente esse DNA foi considerado “lixo”, mas atualmente sabemos que ele pode ter papel na regulação de síntese protéica nas regiões codificantes (que produzem proteínas). Agora as coisas começam a ficar interessantes, mas não menos estranhas. Parte desse DNA é formado por sequências repetitivas, mas partes são muito semelhantes a genes encontrados ativos em outras espécies. Seriam esses genes pedaços adormecidos de DNA comuns a nós e os outros animais, mostrando a nossa ancestralidade comum? Esses genes poderiam ser religados? Os outros animais também possuiriam sequências de genes inativos?

    A resposta é sim para as três perguntas. Existe uma teoria fortemente embasada que afirma que as aves atuais originaram-se dos dinossauros do grupo dos terópodes. Uma das principais evidências é o fóssil do Archaeopteryx lithographica, descoberto em 1861. Trata-se de um animal com características de dinossauros (dentes afiados, garras nos membros anteriores, cauda longa e ausência do osso esterno) e aves (penas).

 

 

Archaeopteryx litographica.

 

    A possibilidade da ancestralidade entre aves e dinossauros criou uma pergunta visionária. Estariam os genes de dinossauros inativos nas aves? E se estiverem, poderão ser religados? Poderíamos ver um dia animais muito semelhantes a dinossauros produzidos a partir de galinhas? É uma possibilidade fascinante. Ao invés de usar o martelo, o cinzel e o pincel, os paleontólogos do futuro usarão placas de petri e microscópios. O rugido dos dinossauros seria ouvido novamente após 65 milhões de anos.

 

 

“Galinhassauro”

 

    Alguns pesquisadores, como Jack Horner, autor do livro How to build a dinosaur (Como construir um dinossauro, em português), apostam nessa possibilidade. “Os genes envolvidos na formação de dentes, na construção dos dedos e em outros detalhes da anatomia dos dinossauros ainda existem no genoma das aves, mas foram silenciados”, explica a paleontóloga Mary Higby Schweitzer, colaboradora de Horner na universidade da Carolina do Norte. O grupo trabalha na tentativa de produzir cauda reptiliana e membros anteriores com dedos em aves.

    Seguindo a mesma linha, o pesquisador Matthew Harris, da universidade de Winsconsin, nos Estados Unidos, deparou-se com um achado fantástico. Identificou um embrião de galinha com dentes. Por algum motivo o gene para produção de dentes estava ativo nesse embrião. Agora é um fato: Os genes adormecidos às vezes acordam, espontaneamente!

 

 

Embrião de galinha normal e embrião com dentes.

 

    Os dinossauros do grupo dos terópodes apresentavam uma semelhança morfológica gritante com as aves, como podemos ver na comparação entre a reconstituição do galimimo e uma avestruz moderna. A ancestralidade reptiliana das aves está lá. Lutando para vir à tona. Quem sabe não possamos dar uma mãozinha? O Jurassic Park insinua-se à nossa porta. 

 

 

Avestruz e Galimimo, cujo nome significa “imitação de ave” devido ao formato de seu corpo.

 

    Os meios não são os mesmos imaginados por Steven Spielberg. Em sua ficção, o diretor imaginou a clonagem a partir de DNA retirado de pernilongos que se alimentaram de sangue dos dinossauros, e acabaram ficando preservados em âmbar (resina vegetal fossilizada). Esse método mostrou-se muito improvável, pois as moléculas de DNA não resistem aos milhões de anos passados desde a fossilização. A ciência atual, por outro lado, está partindo para algo que podemos definir como “engenharia reversa”.

 

 

Inseto preso no âmbar e o Parque Jurássico da ficção.

 

    Vivemos um período excitante de descobertas na ciência. O futuro abre-se paradoxalmente como uma janela para o passado. O DNA faz parte do nosso cotidiano, e as maravilhas da genética estão ai para deslumbrar aqueles que sabem observar.


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12 comentários

  • Pablo dos Santos 8 de abril de 2011  

    Oi Rodrigo.

     

    Você está certo sim. Os genes de dinossauros não estão de fato nas aves na forma exata que eram nos dinossauros. Se eles simplesmente estivessem dormentes, teriam sido erodidos como você bem falou.

    Esses genes possuem outras funções atualmente, mesmo que não codifiquem proteínas, podem atuar como reguladores de outros genes, e para isso, passaram por mutações. Os pesquisadores cogitam reverter essas mutações para tornar os genes novamente ativos, ou na verdade, fazer com que voltem a ter a função original, pois ativos especula-se que já sejam muitos deles, desempenhando outras funções. Isso seria mais fácil do que refazer o gene desde o começo.

    Mutações que tornem um gene codificante em um gene regulador podem mantê-lo na população mesmo sem produzir proteínas. Os genes originais poderiam ainda existir em uma forma levemente alterada, bastando poucas alterações para revertê-los. Óbvio que ainda assim seria necessário muita sorte para que funcionasse. O próprio Jack Horner estima pelo menos um século para obter sucesso.

    Resumindo: a ideia não é de fato religar genes, mas reverter genes que estejam alterados (recrutados para outras funções, como você também falou).

     

    Esses mecanismos não foram explicitados no texto pois trata-se de uma matéria para alunos do 9º ano e ensino médio. A ideia é que eles se interessassem mais pelo assunto. Funcionou.

     

    Até mais.

  • Anônimo 8 de abril de 2011  

    Oi Rodrigo.

     

    Você está certo sim. Os genes de dinossauros não estão de fato nas aves na forma exata que eram nos dinossauros. Se eles simplesmente estivessem dormentes, teriam sido erodidos como você bem falou.

    Esses genes possuem outras funções atualmente, mesmo que não codifiquem proteínas, podem atuar como reguladores de outros genes, e para isso, passaram por mutações. Os pesquisadores cogitam reverter essas mutações para tornar os genes novamente ativos, ou na verdade, fazer com que voltem a ter a função original, pois ativos especula-se que já sejam muitos deles, desempenhando outras funções. Isso seria mais fácil do que refazer o gene desde o começo.

    Mutações que tornem um gene codificante em um gene regulador podem mantê-lo na população mesmo sem produzir proteínas. Os genes originais poderiam ainda existir em uma forma levemente alterada, bastando poucas alterações para revertê-los. Óbvio que ainda assim seria necessário muita sorte para que funcionasse. O próprio Jack Horner estima pelo menos um século para obter sucesso.

    Resumindo: a ideia não é de fato religar genes, mas reverter genes que estejam alterados (recrutados para outras funções, como você também falou).

     

    Esses mecanismos não foram explicitados no texto pois trata-se de uma matéria para alunos do 9º ano e ensino médio. A ideia é que eles se interessassem mais pelo assunto. Funcionou.

     

    Até mais.

  • Rodrigo Véras 14 de janeiro de 2014  

    Última resposta -Parte III

    São apenas mecanismos que o Criador deixou para os devidos reparos genéticos quando necessários e consequente ADAPTAÇÃO a novas situações de ameaça inclusive com perda de informação genética; ainda assim em muitos casos houve extinções e não evolução de espécies.

    [Sarcasmo ligado] Imagino que você esteja cheio de evidências científicas para isso independentes daquelas que esta sua alegação deveria justificar, não é? Por favor, as traga aqui.


    De-me algum exemplo observável hoje em dia ou recente, com evidente transformção anatomica a caminho para formação de um NOVO ser com NOVAS funções com NOVAS estruturas com NOVO DNA ou seja – macroevolução vertical – que é pura desculpa sua em não aceitar este termo; justamente por vós não terem provas/evidências factuais verificáveis.

    Cícero, os próprios experimentos que descrevo neste post são um exemplo do que você pede (deixando de lado o usos de termos bizarros como ‘macroevolução vertical’ que até onde sei é coisa da cabeça de criacionista), mas você não os aceita. Além do mais, temos evidências comparativas para isso. Temos evidências para a duplicação de genes e formação de novos circuitos genéticos e a aquisição de novas morfologias em animais, microrganismos e plantas. , mas você simplesmente não aceitam repetindo que ‘não são para formação de um NOVO ser com NOVAS funções com NOVAS estruturas com NOVO DNA’.

    O problema é que você não aceita evidências comparativas para transições estendidas no tempo e que por isso transcendem nossa capacidade de observação, mas também não aceita as evidências experimentais de mudanças impressionantes como as discutida neste post. E nega-se a aceitar esteas evidências sem dar qualquer bom motivo: Ou repetindo sem argumentar e trazer evidências que as evidências comparativas não contam ou repetindo que tal organismo continua sendo tal organismo, não tendo especiado, o que é irrelevante.


    Olha que fé incrível. Sim, os peixes CRIARAM as suas próprias patas, pulmões, pescoços, pernas etc! 😀 Disseram pro seu corpo: abracadabra! faça-se membros pois queremos conquistar novos mundos! vamos pra terra!

    Cícero, sei que em sua cabeça impregnada de teleologia e finalismo fica difícil aceitar que nenhum ser (natural ou sobrenatural) CRIOU ALGUMA coisa em relação a evolução. A evolução não uma obra planejada. Os peixes não criam pernas, a não ser em um sentido metafórico mais ainda assim bem enganoso, pois a evolução é um fenômeno transgeracional associado a variação populacional e a mudança das características herdáveis dos organismos que as compõem. Pernas nestes contexto, são originadas sim de nadadeiras de populações de vertebrados aquáticos ancestrais. As evidências moleculares, anatômicas, embriológicas e fósseis mostram isso claramente.

    Ou seja, há 395 milhões de anos, os tetrápodes –vertebrados com quatro patas– já caminhavam por aí. E com dedos, pés e mãos articulados.
    Bem, não nos é dito ou evidenciado com provas factuais ou fósseis, qual mecanismo que gerou esses dedos e mãos, mas isso já é pedir demais aos evolucionistas!

    O simples fato de não compreendermos muitos dos detalhes não negam as evidências para a transição. Porém, o pior de tudo é que você está mais uma vez errado. Sim, nos é dito: mutação, deriva e seleção (entre outros). Além do mais cada vez mais descobrimos mais coisas sobre a genética e biologia do desenvolvimento dos vertebrados e como os genes Hox e outros genes q codificam moléculas de sinalização e regulação gênica agem e assim nos revelam pistas de como mutações os modificaram nas populações ancestrais. Você ignora uma quantidade enorme de literatura em evo-devo, apenas por que não lhe é conveniente, basicamente, alegando que assim o faz por que não estão lá todas as respostas. Isso é ridículo.

    Jennifer Clack, paleontóloga da Universidade de Cambridge que não participou do estudo, disse à Folha que ele “muda as ideias sobre quando, como e sob quais circunstâncias os tetrápodes evoluíram“. Ou seja, os crentes evolucionistas pensaram uma coisa, mas as descobertas cientificas e evidências mostraram outra.

    Meu caro, é assim que funciona a ciência. Novas evidências levam os cientistas a mudarem de ideia sobre os processos, mecanismos e padrões, mas nenhuma delas refuta as evidências para o fenômeno e para o padrão geral de transição.


    Ainda assim, afirma a pesquisadora, é preciso cautela. “São marcas isoladas. Pessoalmente, acredito que algumas delas possam ter sido deixadas por animais diferentes.”

    E o que isso refuta a evolução?

    Uma declaração sensata, de quem busca honestidade pelas evidências e provas e não por fé dogmática especulativa na fantasia darwiniana.

    Clarck não põem em dúvida a evolução dos vertebrados tetrápodes a partir de vertebrados não-tetrápodes aquáticos. Elas discute apenas como certos tipos de evidências de rastros de um supostos tetrápode nos fariam rever a cronologia da evolução desta transição. Mais uma vez, você confunde as coisas. É óbvio que não temos todas as respostas sobre a evolução, mas isso não quer dizer que as evidências não deixem claro que ela ocorreu e ocorre. Além do mais, evidências experimentais mais recentes sugerem que as tais marcas podem ter sido produzidas por um peixe dipnoico ancestral e não por um tetrápode, consistentemente com o cenário atualmente defendido. Vc não consegue nem se informar direito sobre os debates internos a biologia evolutiva.

    http://scienceblogs.com/pharyngula/2010/01/09/casey-luskin-embarras

    Niedzwiedzki G, Szrek P, Narkiewicz K, Narkiewicz M, Ahlberg PE (2010) Tetrapod trackways from the early Middle Devonian period of Poland. Nature 463(7277): 43-48.

    King HM, Shubin NH, Coates MI, Hale ME. Behavioral evidence for the evolution of walking and bounding before terrestriality in sarcopterygian fishes. Proc Natl Acad Sci U S A. 2011 Dec 27;108(52):21146-51. doi: 10.1073/pnas.1118669109. http://www.pnas.org/content/108/52/21146.full.pdf

    Como não existem fósseis dos corpos dos animais, os resultados do estudo dependem da interpretação das marcas. E isso ainda está longe de ser consenso entre paleontólogos. “É muito difícil distinguir esses grupos de “peixes” dos tetrápodes primitivos mesmo com base em ossos. Imagine com pegadas“,
    Embora acredite que o trabalho ajude a desvendar a evolução desses animais, o pesquisador considera que “os dados não são assim tão conclusivos quanto acham os autores”.
    http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u675764.shtml

    Vc nem sabe do que está falando. Vc está ignorando todo o background por traz deste artigo de jornal. As evidências para a evolução dos vertebrados tetrápodes são muito maiores que as tais marcas. Como eu disse, isso tem a ver com a cronologia dos eventos. Viu, você nem consegue se informar minimamente e esclarecidamente sobre a questão.


    http://evolucionismo.org/profiles/blogs/uso-e-abuso-do-registro-fossil

    http://evolucionismo.org/profiles/blogs/uso-e-abuso-do-registro-fos


    Quando TESTADA cientificamente as supostas “sólidas evidências das transições macroevolutivas” falham vergonhosamente mantendo-se na vala da pseudociência.

    Errado!!!

    E não sou eu apenas que afirmo isso. Inclui-se aqui, figuras como Darwin, Gould e Dawkins em suas declarações como bem resume este link com as devidas referências.
    http://www.darwinthenandnow.com/2013/05/richard-dawkins-dumps-the-f

    Isso é Quote mining!! Estas são declarações tiradas de seu contexto e distorcidas. Estes autores não negam as evidências para a macroevolução e para as transições em questão. Por que, se este fosse o caso, você não linka ou referencia os próprios artigos originais deles. 🙂 Isso é pura desonestidade intelectual ou uma abominável ignorância e preguiça de procurar as próprias palavras (evidências, posições, argumentos etc).

    Para começar você precisa compreender o que é uma forma de transição:

    http://www.talkorigins.org/faqs/faq-transitional/part1a.html#intro

    http://evolution.berkeley.edu/evosite/lines/IAtransitional.shtml

    http://www.don-lindsay-archive.org/creation/transitional_def.html

    Continua …

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