Rodrigo Véras

A origem das sinapses em animais descerebrados

As unidades morfofuncionais básicas que possibilitam os comportamentos exibidos pelos animais são as sinapses, as junções entre células excitáveis especializadas como neurônios e músculos, através dais quais a comunicação eletroquímica ocorre e por meio da qual são controlados os processos sensório-efetores e de integração que subjazem aos modos de vida mais ativos típicos desses seres, nós incluídos. As sinapses podem ser vistas, como explica Kenneth Kosik do Instituto de Pesquisa em Neurociência no Departamento de Biologia Molecular, Celular e do Desenvolvimento (NRI/MCDB) da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, como microprocessadores que realizam muitas funções sofisticadas, tais como enviar e receber sinais, mas também mudar a forma como enviam e recebem sinais de acordo com o que ocorreu anteriormente, modificando suas característica em função de sua atividade, uma propriedade conhecida como “plasticidade” que está na base dos processos de aprendizagem.

Porém, compreender como estas unidades e os elementos que elas conectam surgiram ao longo da história dos seres vivos têm sido uma tarefa complicada, especialmente examinar seus primórdios que infelizmente não deixam fósseis. Por causa disso, temos que nos voltar para o grupo de animais vivo que se separou dos demais antes que os sistemas nervosos mais primitivos evoluíssem no ancestral comum que compartilhamos com cnidários, estrelas do mar, vermes, insetos e os demais vertebrados. Por isso, a melhor forma de investigarmos como os animais ‘cerebrados‘ começaram a evoluir é estudando nossos parentes descerebrados, as esponjas.

O sequenciamento prévio de um representante desse grupo (Porifera), a esponja Amphimedon queenslandica, que habita a grande barreira de cora, na Austrália, já havia revelado as primeiras pistas. Em seu genoma puderam ser identificados genes muito semelhantes (prováveis homólogos) aos que nos demais animais levam a formação das sinapses.

A questão interessante é que mesmo as esponjas possuindo basicamente os genes necessários para construírem as sinapses, estes animais não o fazem já que nem ao menos neurônios elas têm, como afirma Cecilia Conaco – na época, no NRI/MCDB, da Universidade da Califórnia Santa Bárbara (UCSB) -, co-autora de um trabalho que foi publicado no mês passado no periódico científico PNAS, intitulado  “Functionalization of a protosynaptic gene expression network.” e que teve como co-autores Danielle Bassett, do Departamento de Física e do Centro Sage para estudos da mente, Hongjun Zhou e Mary Luz Arcila, ambos o NRI/MCDB da UCSB, Sandie M. Degnan,  Bernard M. Degnan, da Universidade de Queensland, na Austrália, além do autor sênior, o já mencionado Kosik co-diretor do instituto.

Hoje me dia, não existem dúvidas de que boa parte da inovação evolutiva envolve principalmente processos de mutação (seguidos de deriva e seleção natural) em genes pré-existentes, especialmente a duplicação gênica e aquelas mutações que alteram os elementos regulatórios e que produzem novos sítios de interação das proteínas sintetizadas a partir desses genes. Estes processos podem explicar, em grande parte, como a partir de um estoque ancestral de genes conservados novas estruturas e funções podem emergir durante a evolução, como parece ser o caso do complexo sináptico. Ainda assim, as várias etapas evolutivas envolvidas na organização e refinamento dessas redes de interações, que fazem com que surjam uma unidade funcional biológica discreta, permanecem obscuras e demandam métodos precisos e muita criatividade, além de muito trabalho duro de investigação.

Novos estados de ativação celular e novos tecidos são formados por meio da modificação dos padrões de ativação dos genes e da quantidade de seus produtos, isto é, através de alterações no tipo e quantidade de diferentes proteínas e RNAs. Esses diferentes produtos em diferentes quantidades e’ formam redes de interação distintas e que possibilitam que cada tipo celular exista, resultando em padrões de adesão, movimento, proliferação e migração diferentes. Por causa disso, os padrões de co-expressão dos genes são importantes para definirmos funções e estruturas específicas e podem indicar, quando estamos analisando genes candidatos a  ortólogos (aqueles genes cuja origem se deu por herança direta a partir de um ancestral comum e são basicamente o mesmo gene em organismos diferentes), a conservação de função e do papel do gene em questão na formação de uma dada estrutura compartilhada.

Por isso, com o intuito de compreender mais a fundo como se deu a transição evolutiva entre organismos sem neurônios e sinapses para os animais com estes tipos celulares e as estruturas funcionais que os conectam, os pesquisadores empregaram procedimentos de análise de rede de modo a identificarem padrões únicos de co-expressão de genes ‘sinápticos’ em espécies representativas que localizam-se em diferentes posições na árvore filogenética dos animais.

Ao lado estão, em A, os genes homólogos aos do complexo sináptico humano que foram identificados nos genomas dos organismos selecionados que representam eventos de separação das linhagens e, neste sentido, ‘passos filogenéticos chave‘ (como referem-se a eles os autores do estudo) na evolução animal. As cores indicam o ancestral inferido no qual cada gene deve ter se originado, como indicado em B, que, por sua vez, traz as relações evolutivas entre os filos animais. [Os nomes das espécies representantes são mostrados.]

Como a construção de uma sinapse neuronal depende da coordenação precisa da síntese de várias proteínas, os pesquisadores envolvidos no estudo, rastrearam os padrões de expressão dos genes que codificam um conjunto essencial de proteínas altamente conservadas entre os diversos grupos animais e que são empregadas no processo de sinaptogẽnese, comparando seus padrões de expressão em uma amostra representativa do grupo dos metazoários. Os padrões de codependência e corregulação dessas proteínas foram avaliadas através de medidas correlacionais dos padrões de expressão dos vários transcritos dos genes investigados, o que mostrou que os padrões de correlação aumentam significativamente com a emergência de sistemas nervosos funcionais.

Os perfis de expressão dos genes homólogos aos envolvidos na formação das sinapses em outros animais foram obtidos por sequenciamento dos transcritos de quatro fases de desenvolvimento – da larva à forma adulta – da A. Queenslandica. Essas amostras foram comparadas com os perfis de expressão dos genes equivalentes de cinco outras espécies animais que exibem uma variada complexidade na organização tecidual e que já apresentam sinapses, incluindo uma espécie de coral Acropora millepora (Cnidaria); invertebrados bilatérios, como Caenorhabditis elegans (nematoda) e Drosophila melanogaster (Arthropoda); além de dois vertebrados, o peixe-zebra, Danio rerio (Actinopterygii) e o anfíbio, Xenopus tropicalis (Sarcopterygii/Tetrapoda).

O primeiro resultado que atrai a nossa atenção  é que as esponjas – que possuem praticamente um conjunto completo desses genes, aos quais os cientistas referem-se como “protosinápticos” por que esses animais não possuem sinapses – exibem padrões muito menos correlacionados de expressão do que os dos animais com sistemas nervosos e que formam sinapses, apesar de alguns módulos de genes co-expressos poderam ser identificados ao empregarem-se procedimentos de análises de redes.

Na figura abaixo e a direita podem ser vistas os resultados das análises de correlação e modularidade para redes de expressão gênica de seis organismos. Em (A) (a Fig 3 do artigo) estão mostradas a força de corregulação genética para quaisquer dois genes em uma rede, que foi estimada pelo cálculo do coeficiente de correlação de Pearson da sua expressão através dos vários estádios de desenvolvimento. Os ‘mapas de calor’ representam matrizes N × N com as correlações de genes de cada rede para cada espécie (vermelho: correlação positiva e azul: correlação negativa).

Em B, D, F e H estão as correlações médias, R, calculadas a partir dos dados das matrizes em A. Já em C, E, G e I podem ser vistas as estimativas da corregulação de diferentes módulos que foram estimadas pelo valor-Q. Os cálculos para cada rede verdadeira (círculos vermelhos) também foram realizadas em conjuntos de dados controle: permutados no tempo (1.000 versões aleatoreamente misturadas a partir da matriz de correlação, losangos laranjas), conjunto aleatórios de genes (100 conjuntos de genes de tamanho N, aleatoreamente alocados a partir de todo o transcriptoma: triângulos azuis), e matrizes de número aleatórios (100 matrizes geradas com o mesmo número de genes e estágios de desenvolvimento que a verdadeira rede: quadrados verdes). O número de genes incluídos na análise para cada rede em cada espécie está indicado entre parênteses. As barras de erro representam Desvios Padrão (SD) de R e Q, ressaltando que alguns SDs são menores do que o tamanho do marcador. Os asteriscos indicam uma diferença significativa em relação ao conjunto de genes aleatório usados como controle (P <0,05, bicaudal teste t).

Os processo de detecção dessas comunidades de genes corregulados é um processo dirigido pelos dados e portanto não é enviesado a priori pelo conhecimento prévio que temos sobre as funções dos genes envolvidos na análise. A composição dos módulos (representados pelas cores dos nós) de três dos maiores complexos funcionais (densidade pós-sináptica, vesícula sináptica, e vATPases) pode ser vista na figura abaixo (Fig. 4B do artigo) e podemos perceber que genes correspondentes a densidade pós-sináptica tendem a cair dentro de um único módulo na maioria dos eumetazoa. Esta mesma tendência também foi encontrada nos genes das vesículas sinápticas na maioria dos bilateria. Em contraste, como esses mesmos genes nas esponjas cujos módulos funcionais mostraram-se um padrão de expressão bem mais heterogêneo, como se seguissem uma lógica regulatória distinta daquela das redes sinápticas funcionais, como pode ser apreciado pela maior diversidade na composição dos módulos dentro de cada complexo biológico.

Os autores chamam nossa atenção para uma exceção notável, entretanto. O complexo da ATPase vacuolar (vATPase) mostra-se bem corregulado mesmo na esponja, o que sugere que mesmo antes do desenvolvimento das sinapses e das células nervosas (portanto, antes das esponjas terem divergido dos outros grupos animais) ele já deveria ter uma função bem definida.

Nas imagens acima e abaixo a direita é possível vermos os módulos corregulados cujos genes das redes sinápticas de cada espécie que os compõem foram alocados por meio da otimização de modularidade. Os genes foram coloridos de acordo com o módulo do qual foram derivados, com o tamanho do módulo sendo indicado como segue: azul > vermelho > amarelo > verde.  Em cinza estão os genes não representados no organismo ou sobre os quais não haviam dados de expressão disponíveis [Apenas genes com os dados de expressão disponíveis em cada uma das espécies é que foram incluídos na análise.]. Os círculos de linhas tracejadas representam os limites aproximados das três redes sinápticas: densidade pós-sináptica, vesícula sináptica, e vATPases. Em (B) estão as percentagem de genes em cada complexo funcional que pertencem aos módulos corregulados detectados pela técnica de otimização de modularidade. As cores correspondem aos módulos de genes em A. Os asteriscos indicam complexos para os quais 50% ou mais dos genes pertencem ao mesmo módulo corregulado.

É interessante observar que, assim como as redes de expressão de genes [proto]sinápticos, as redes de genes ‘epiteliais’ também não possuem correlatos morfológicos óbvios, tendo o tecido epitelial e posteriormente neuronal evoluído após a separação dos eumetazoários das esponjas. De maneira semelhante ao encontrado na análise do conjunto de genes nas redes sinápticas, os padrões de expressão gênicos epiteliais das seis espécies – como evidenciados pelos cálculos de correlação média, R, e modularidade, Q, das rede correguladas (Fig. 3 D e E) – revelaram que todas as espécies testadas apresentaram ‘Rs’ significativamente maiores quando comparados par a par com as esponjas (valor-P < 1 × 10-8, teste t bicaudal )

Como esperado, esses achados sugerem que as sinapses funcionais evoluíram ao ‘exaptarem’ a maquinaria celular pré-existente, provavelmente através de algum tipo de modificação dos circuitos reguladores desses genes, como os seus elementos promotores e reforçadores cis-regulatórios. Alguns do módulos de genes co-expressos que puderam ser identificados funcionando nos tecidos das esponjas continuam a funcionar perfeitamente dentro das sinapses dos animais modernos, sugerindo sua antiguidade.

Por fim, os cientistas testaram uma outra ideia, a de que os genes envolvidos em sistemas bioquímicos e celulares já presentes em todos os eucariontes mostrariam um padrão diferente de expressão, talvez mais característico do maquinário que havia adquirido suas funções antes da origem dos animais. Os mesmos procedimentos de otimização de modularidade foram executados a partir dos dados dos transcriptomas dos genes homólogos do complexo do poro nuclear (NPC) e do proteassoma 26S.

As redes desses sistemas mais antigos são altamente interligadas e exibem um grau de distribuição negativamente desviada, muito diferentes dos ‘hubs’ relativamente grandes e com distribuições positivamente desviadas que são observados, por exemplo, nas redes sinápticas e epiteliais de mamíferos. A presença da carioteca, o envoltório nuclear, é uma das características distintivas dos eucariontes e assim também é o sistema NPC, um de seus principais componentes, responsável pelo transporte de moléculas entre o núcleo e o citoplasma, constituído por cerca de 30 genes que codificam proteínas conhecidas como nucleoporinas.

Ao analisarem as redes correguladas dos genes nucleoporinas, a partir dos seus transcritos, os cientistas observaram uma maior correlação média, R, e menor modularidade, Q. Estas últimas geralmente inferiores as das redes sinápticas ou epiteliais, quando comparadas com as das mesmas espécies. Os resultados foram bastante consistentes, com maioria das redes do NPC mostrando Rs maiores e Qs menores ao serem comparados com conjuntos de dados alterados por permutação ou aleatórios de tamanhos iguais, sugerindo aos pesquisadores que os componentes do NPC agem de maneira bem coesa como uma única unidade funcional. Esse resultado é bastante diferente do exibido pelas redes sináptica e epitelial, com a maior modularidade dessas redes indicando, talvez, a maior necessidade de subdivisão organizacional para que as sinapses funcionem bem, quem sabe, como resultado de terem sido montadas durante a evolução a partir de outras redes menores e mais antigas, os submódulos, como o do complexo da ATPase vacuolar que tinham e tem ainda outras funções, portanto, sua organização geral sendo limitadas por certos fatores coercitivos, como demandas múltiplas.

O proteassoma 26S é um complexo multimacromolecular que tem como função a degradação de proteínas, sendo muito bem conservado e composto dos produtos da transcrição de mais de 31 genes diferentes. A análise dos módulos corregulados formados por estes genes homólogos revelaram um padrão similar ao do NPC, exibindo maior correlação média e menor modularidade em comparação com as redes sinápticas ou epiteliais dentro de cada espécie.

Todos os eumetazoa apresentaram correlação significativamente maior quando comparados par a par com as esponjas (valor-p < 1 × 10-52, teste t bicaudal). A corregulação e a modularidade dos genes proteassômicos diferiram significativamente dos dados de permutação no tempo ou aleatória, menos nas esponjas, mas em compensação, em todas as espécies testadas, o que inclui a esponja, o conjunto de genes do proteassoma também apareceu como uma comunidade distinta quando analisados em conjunto com genes do NPC, provavelmente, representando um módulo funcionalmente significante.

Ao lado são mostrados os resultados da técnica de otimização de modularidade que detecta comunidades de genes biologicamente relevantes. Nela podemos observar os ‘mapas de calor’ representando matrizes N × N de correlações de Pearson para redes gênicas unitárias do NPC e do proteassoma. As correlações positivas são mostradas em vermelho e as negativas em azul.

A medida utilizada foi a média de similaridades de partição que foi calculada a partir de testes de permutação com 1.000 iterações. Essa medida mostrou que ao serem comparados com o conjunto de genes misturados aleatoreamente, os genes nas redes unitárias agrupam-se em comunidades que mais bem recapitulam a partição real entre redes (P <0,05 ). As barras de coloridas à direita dos mapas de calor indicam os limites das comunidades de genes corregulados detectados (Módulos) e a localização relativa dos genes do NPC (laranja) e do proteassoma (azul) dentro das comunidades detectados (Genes).

Esses resultados assemelham-se muito aos obtidos para um eucarionte unicelular como a levedura Saccharomyces cerevisiae, em que as redes de genes do NPC e do Proteassoma exibem alta interconectividade, mas baixa modularidade, com valores médios bem similares aos dos metazoários. Isso mostra que as redes que evoluíram há muito tempo estabelecendo suas funções antes da origem dos animais, tendem a se mostrarem muito mais interconectadas (como mostrado pelo alto grau de correlação), mas ao mesmo tempo menos modularizadas, o que é bem consistente com o padrão de conectividade entre os produtos gênico sendo bem mais homogêneo.

A análise dessas redes, portanto, mostra como a evolução de estruturas como o epitélio e sinapses ocorreu por meio do recrutamento de genes pré-existentes e mesmo de conjuntos menores de genes corregulados representando complexos funcionais que passaram a ser incorporados em módulos maiores, o que resultou em diferenças da organização da estrutura das redes, em nítido contraste com  a organização das redes responsáveis por estruturas e sistemas biomoleculares mais antigos que são mais homogêneas em termos de seu padrão de conexão.

Os autores enfatizam a importância da aplicação das técnicas de análises de redes ao dados genômicos emergentes e de expressão gênica, especialmente por que eles podem nos trazer insights sobre a evolução dos complexo maquinário bioquímicos e celulares por trás de estruturas tão impressionantes como as sinapses.

O crescimento da complexidade dos organismos ao longo de evolução têm dependido das redes de interação de genes e seus produtos. Este fato torna-se mais claro quando percebemos que o número de genes não aumentou muito ao longo da evolução dos animais e, portanto, a expansão das redes de interação de genes e dos seus produtos – RNAs e proteínas – fundamentais para os processos de organogênese, morfogênese e amadurecimento dos tecidos, teve como base as propriedades de interação e comunicação celular, efetivando-se através da combinação dos genes já existentes e da corregulação dos seus padrões de expressão e interação.

Neste contexto, várias estudos têm afirmado que as redes de expressão gênica seriam livres de escala e, embora não existam evidências conclusivas, muitas delas apresentam uma cauda em sua distribuição que, segundo os autores, indicaria a presença de grandes ‘hubs’. Um modelo de crescimento de redes livres de escala sugere que as expansão se dê continuamente pela adição de novos ‘nós’ e que esses novos ‘nós’ interagiriam preferencialmente com os sítios que já estivessem bem conectados, o que faz sentido frente aos vários achados do trabalho.

Mais uma vez, o tema do uso do que já existe, modificando-o e empregando em combinações diferentes, se sobressai, mostrando como a evolução biológica pode ser rastreada e reconstruída se levarmos a sério esse princípio simples.

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Referências:

  • Srivastava M, Simakov O, Chapman J, Fahey B, Gauthier ME, Mitros T, Richards GS, Conaco C, Dacre M, Hellsten U, Larroux C, Putnam NH, Stanke M, Adamska M, Darling A, Degnan SM, Oakley TH, Plachetzki DC, Zhai Y, Adamski M, Calcino A, Cummins SF, Goodstein DM, Harris C, Jackson DJ, Leys SP, Shu S, Woodcroft BJ, Vervoort M, Kosik KS, Manning G, Degnan BM, Rokhsar DS. The Amphimedon queenslandica genome and the evolution of animal complexity. Nature. 2010 Aug 5;466(7307):720-6. PubMed PMID: 20686567; doi:10.1038/nature09201
  • Conaco C, Bassett DS, Zhou H, Arcila ML, Degnan SM, Degnan BM, Kosik KS. Functionalization of a protosynaptic gene expression network. Proc Natl Acad Sci U S A. 2012 Jun 26;109 Suppl 1:10612-8. Epub 2012 Jun 20. doi: 10.1073/pnas.1201890109
  • Fernandez, Sonia Clues to nervous system evolution found in nerve-less sponge  [18-Jun-2012] University of California – Santa Barbara via Eurekalert.org

 

Créditos das Figuras:

http://spongebob.wikia.com/wiki/File:SpongeBob%27sBrainHouse.jpg

Exemplar adulto de Amphimedon queenslandica [ Fonte: Adamska M, Degnan SM, Green KM, Adamski M, Craigie A, et al. (2007) Wnt and TGF-β Expression in the Sponge Amphimedon queenslandica and the Origin of Metazoan Embryonic Patterning. PLoS ONE 2(10): e1031. doi:10.1371/journal.pone.0001031 [Link] ]

JOHN BAVOSI/SCIENCE PHOTO LIBRARY

JOHN BAVOSI/SCIENCE PHOTO LIBRARY

 

Extinções em massa reajustam o passo da evolução

Parece ser bem estabelecido entre os paleontólogos que a diversificação durante intervalos de recuperação, após extinções, ocorrem de maneira relativamente rápida em relação às taxas de fundo, mas não compreendemos muito bem qual seria o impacto destes processos de recuperação nos padrões evolutivos de longo prazo [1]. Os paleontólogos têm discutido acalarodamente se a diversidade tem aumentado ao longo dos últimos 251 milhões de anos, que se seguiram à extinção a maior extinção em massa que temos notícia, a Permiano-Triássica, como afirma paleontólogo Richard Bambach [2] do Smithsonian Museum of Natural History, por exemplo; e como afirma David Jablonski:

Tem havido muita conversa sobre o papel evolutivo das extinções em massa, mas é como o clima. Todo mundo fala sobre isso, mas ninguém faz muito sobre isso ” [2]

Segundo ele, ninguém até o momento pensou em como a dinâmica de recuperação das biotas que se segue a uma grande extinção, depois que o pior já passou e os ecossistemas já se acomodaram em um novo equilíbrio, influencia as taxas de evolução posteriores. Mas existem pistas que sugerem que as coisas mudam tanto que os esses padrões tendem a muda pelo menos até um novo evento de extinção ocorrer, portanto não é limitado só ao período de rápida diversificação que em geral segue-se as extinções:

Mas o maravilhoso é que quando eles encontram um novo equilíbrio, é um ritmo evolutivo diferente daquele que prevaleceu durante os últimos 50 milhões de anos. Os sobreviventes da extinção em massa, ou o mundo que eles herdaram, é tão diferente do que aconteceu antes que a taxa de evolução é alterada permanentemente.” [2]

Em um trabalho recém publicado na revista Geology, por dois cientistas da Universidade de Chicago, o geocientista e paleobiólogo Andrew Z. Krug e o experiente paleontólogo David Jablonski resolveram estudar mais afundo este tipo de fenômeno [1]. Os pesquisadores usaram informações do registro fóssil de certos grupos de invertebrados que existiram em grandes números para que pudessem obter amostragens adequadas, analisando grupos contemporâneos de organismos desde o final do Pleistoceno, período cujo término se deu há aproximadamente 10.000 anos, até de 200 milhões de anos atrás, no começo do jurássico. Isso foi possível por causa da grande disponibilidade de dados de abundância global de vários grupos de moluscos bivalves, um grupo que inclui mexilhões, ostras e vieras, e que estabeleceram os limites temporais do estudo [1, 2].

Existem vários problemas em conduzir um estudo como esse, um dos mais frustrantes é a inconsistência na atribuição de nomes às espécies. Desde o final do século XVIII taxonomistas vem dando nomes latinos aos exemplares dos fósseis, mas muitas vezes, fizeram isso de maneira dúbia e forma inconsistente. E mesmo com as mudanças dos métodos e ferramentas de analise e classificação , os nomes em si frequentemente continuaram os mesmos. Para sanar esta deficiência, os dois pesquisadores vasculharam uma ampla e aparentemente interminável coleção de volumes de trabalhos de pesquisa arquivados em várias gavetas de museu em uma tentativa de padronizar estas classificações e trabalhar com dados mais robustos e precisos [1, 2].

A outra questão é como medira as taxas de originação e extinção para poderem serem efetuadas as análises estatísticas e a interpretação dos dados. Felizmente o trabalho de Krug e Jablonski apoiá-se em trabalhos pioneiros anteriores, especialmente os realizados por dois cientistas da mesma instituição, a Universidade de Chicago, o conhecido e influente David Raup, professor emérito da Universidade de Chicago, e, Michael Foote, também professor do departamento de ciências geofísicas.

No final da década de 1970, Raup havia publicado um método para determinar as taxas de extinção de organismos. O que ele propunha era monitorar a sobrevivência de um grupo de organismos que haviam todos surgido durante um período de tempo específico e a partir daí quantificar quando desapareceram [2].

Seria como a coletar dados do censo para todos os indivíduos nascidos em 01 de janeiro de 1899, acompanhando a sua longevidade, em seguida, descobrir que a epidemia de gripe de 1918 tinha produzido um aumento da mortalidade neste grupo.” [2]

O estudo de Foote de 2001, mostrou que o método Raup inventara funcionava iigualmente bem para determinação das taxas de originação como havia funcionado para as taxas de extinção, bastando para isso simplesmente usar a abordagem inversa, seguindo de volta no tempo um grupo de linhagens que co-ocorreram até sua origem, ao invés de até o tempo em que elas haviam se extinguido. Portanto, o estudo de Krug e Jablonski segue a mesma tradição da ‘escola de Chicago’ que introduziu, na paleontologia moderna, as abordagens quantitativas e estatísticas mais refinadas,  mantendo um forte foco nos processos ecológicos (e biológicos de maneira mais geral) que estariam por trás dos padrões de mudança das biotas.

Este trabalho de certa maneira aprofunda e refina análises anteriores, conduzidas por Bambach que havia estudado um período de tempo parecido, mas usando compilações de dados mais amplas, envolvendo o reino animal como um todo, mas muito menos refinada e curada do que os dados de moluscos bivalves empregadas por Krug e Jablonki que, segundo o próprio Bambach, olharam para os intervalos que ele havia, em seu estudo anterior,  juntado em intervalos maiores [2]. Em resumo, os resultados de Krug e Jablonski mostram que as “taxas de nascimento” evolutivas também são ‘ressetadas’ por grandes catástrofes e extinções em massa.

 

Ao tabularem e plotarem os dados curados e processados de originação de novas espécies de bivalves em intervalos de 50 milhões de anos, Krug e Jablonski, puderam observar que todas as espécies evoluíram a uma taxa relativamente constante durante milhões de anos, mudando apenas durante os períodos de tempo em que houveram grandes alterações bióticas, principalmente eventos de extinção em massa. A questão é que em teoria, as taxas de originação dos organismos poderiam ter ido para todos os lados, variando de maneira aleatória e caótica, mas não foi isso que ocorreu:

“É surpreendente como organizou o padrão é”, diz Jablonski [2]

Isso quer dizer que em seguida aos eventos de extinção, os grupos de bivalves mostravam um súbito aumento ou diminuição nas taxas nas quais novas espécies evoluíram e que após este período permaneciam estabilizadas mas em outros patamares:

“Elas se assentavam a uma taxa diferente da anterior, e elas fazem isso várias vezes, correspondendo a cada extinção em massa”, disse Jablonski. [2]

A originação de novos gêneros nesses períodos de grandes alterações bióticas tiveram durações estratigráficas maiores do que aos dos gêneros que surgem em outros intervalos de tempo, e conduziram a magnitude das mudanças que se seguiram a extinção Cretáceo-Paleógeno (K-Pg, antes conhecida como Cretáceo-Terciário, KT).

Segundo os autores, a riqueza de espécies e sua amplitude de distribuição geográfica são os fatores que promovem a sobrevivência e, potencialmente, acabam por controlar as taxas de originação por meio da utilização ‘Ecoespaço’, já que tanto a riqueza como amplitude de distribuição foram observadas expandindo-se mais rapidamente durante a recuperação em relação ao que ocorreu fora dessas situações. Por causa disso, segundo Krug e Jablonski as taxas de originação de novas linhagens após o período paleozóico estão diretamente ligadas à dinâmica de recuperação após cada evento de extinção em massa [1,2]. Isso mostra que os efeitos das extinções são muito mais duradouros do que muitos esperavam e nos remete a processos mais profundos de interação biótica.

 

Esse e outros muitos estudos influenciados pela ‘Escola de Chicago‘ vêm nos fornecendo um retrato cada vez mais interessante e dinâmico da macroevolução (a evolução em grandes escalas de tempo e envolvendo as origens e destinos de múltiplas linhagens) e do modo como grandes e dramáticos eventos, que causam as extinções, afetam todo o padrão subseqüente de aparecimento de linhagens, alterando o tempo e modo da evolução para usar os termos usados por G. G. Simpson há mais de 60 anos.

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  1. Krug, Andrew Z. and Jablonski, David Long-term origination rates are re-set only at mass extinctions. Geology [First published online June 29, 2012], doi: 10.1130/G33091.1
  2. MASS Extinctions Reset the Long-Term Pace of Evolution The University of Chicago news office 30/06/2012.. Acesso em: 3 jul. 2012.

 

Créditos das Figuras:

ASTRID & HANNS-FRIEDER MICHLER/SCIENCE PHOTO LIBRARY
PASCAL GOETGHELUCK/SCIENCE PHOTO LIBRARY
PROF. WALTER ALVAREZ/SCIENCE PHOTO LIBRARY


As fotos dos autores são todas retiradas dos seus respectivos sites na Universidade de Chicago e do Museu de História Natural do Instituto Smithsoniano.

Complexo ou simples: Às vezes tanto faz?

Enzimas são proteínas de extrema importância para os seres vivos. São os agentes catalíticos biológicos por excelência, acelerando reações, possibilitando outras que normalmente não se dariam em condições normais por causa de barreiras energéticas, temporais ou de estabilidade intermediários etc. Compreender como estas biomoléculas evoluem, portanto, adquire uma óbvia importância e existem muitos grupos trabalhando em tópicos relacionados a esta questão, sendo, possivelmente, um dos mais interessantes o que envolve como complexos multiproteicos e multimacromoleculares (como as Riboproteínas que, além de cadeias polipeptídicas, são formadas por sequências catalíticas de RNAs) evoluíram e especialmente por que isso ocorreu, destrinchando essa questão em termos de vantagens adaptativas, como a eficiência ou resistência a erros e das eventuais restrições que afetam o processo de evolução.

Estudando uma dessas moléculas, a ubíqua enzima ‘Ribonuclease P ou RNAse P’ que desempenha um papel essencial na síntese dos RNAs transportadores, os tRNA – pequenas moléculas de RNA que ligam-se a aminoácidos específicos e os transferem aos ribossomos durante a leitura da fita de RNA mensageiro (mRNA) que ocorre durante a em sua tradução em uma cadeia polipeptídica -, um grupo de cientistas da Universidade Médica de Viena e de outras instituições de pesquisa, liderados por Walter Rossmanith, deparou-se com uma situação inusitada.

 

As Ribonucleases P, tanto nucleares como mitocôndrias, são endonucleases que removem extensões 5′ de precursores de tRNA, cujas variantes mais disseminadas entre os diversos grupos de organismos, são compostas por um RNA catalítico e um número variável de proteínas de tamanhos e massas diferentes, sendo que as formas com maior complexidade são as dos nos núcleos e mitocôndrias dos eucariontes, tipicamente compostas por, pelo menos, dez subunidades protéicas, além do RNA.

 

Contudo, em protistas unicelulares parasitas da família dos Tripanossomatídeos – como Trypanosoma brucei, o agente causador da doença do sono a variante que estes organismos carregam é composta de uma única cadeia polipeptídica, sem nenhum RNA. O mais curioso e surpreendente, entretanto, é que o complexo enzimático riboproteico mais convencional parece ser completamente intercambiável com a forma, muito mais simples, encontrada em T. brucei.

Os cientistas descobriram isso ao substituírem, sem maiores problemas, o complexo enzimático Riboproteico (RPR1) de uma levedura comum (Saccharomyces cerevisiae) pela variante muito mais simples do parasita T. brucei (PRORP1). Isso mostra que as estruturas complexas das ribonucleoproteínas e a catálise por RNA não são necessárias para o processamento das extremidades 5′ dos tRNA em eucariontes.

 

Os resultados foram relatados esta semana no periódico Cell Reports e, em uma declaração para o portal de divulgação de sua universidade, parecem ter sido interpretados por Rossmanith como contradizendo a suposta tendência de economia em processos evolutivos:

“Queremos agora continuar comparando as duas formas da enzima, a fim de entender qual é a possível vantagem evolutiva do complexo enzimático. Afinal, isso realmente contradiz a tendência para a economia em processos evolutivos ” [Veja aqui]

Embora, os processos evolutivos – especialmente a seleção natural em contextos em que haja ampla variação genética e pressões ecológico-funcionais estáveis – possam levar a [quase]otimização evolutiva de certas propriedades dos organismos, inclusive levado a soluções altamente econômicas, parecem ser muito mais comuns as situações em que existem trade offs complicados, além da influência de fatores estocásticos e historicamente contingentes, como a oferta de mutações e oscilações nos níveis de nascimentos e mortes, que podem afastar, às vezes em muito, desses ideias quase-ótimos. Segundo o próprio artigo, até o momento, os tripanosomatídeos são o único grupo, identificado entre os eucariontes, que perdeu praticamente todos os genes associados ou relacionado com a forma baseada em RNA da RNase P, empregando esta variante composta apenas de uma única proteína para processar os seus tRNAs. Então, o mais interessante talvez seja concentrar os esforços de investigação nos tipos de condições que poderiam ter levado a Ribonucelase P dos Tripanossomatídeos simplificar-se tanto, possivelmente rompendo as restrições evolutivas e bioquímicas que devem evitar que as Ribonucleases P do resto dos organismos percam sua complexidade.

 

Os tripanossomatídeos são um grupo intrigante e com características muito estranhas; mas se, por um lado, são cheios de peculiaridades no que concerne a organzação de seus genes codificadores de proteínas – por exemplo, com transcrição policistrónica generalizada, que é característica de procariontes e não dos eucariontes, além do Trans-splicing -, por outro lado, o resto de sua organização genético-bioquímica relacionada ao tRNA – como a transcrição, processamento e modificação, além da estrutura e função dos tRNAs – mostras-se bastante convencional em relação aos demais eucariontes.

 

Estes organismos possuem em seu genoma genes que codificam um homólogo da RNase Z e uma enzima adicionadora, sendo somente o processamento da sua extremidade 5′ tRNA que é desempenhada por um maquinário bioquímico incomum.

 

Como enfatizam os autores do estudo, podem haver vantagens específicas em reduzir o número de subunidades da enzima de 10, originalmente, para apenas uma, como a amortização dos custos relacionados a coordenação da expressão e de montagem das várias proteínas de todo o complexo. Além disso, uma enzima composta por uma única cadeia polipeptídica pode ser fisicamente mais robusta que um conjunto de 10 subunidades não covalentemente ligadas, especialmente em condições de estresse celular, o que pode fazer que a perda dessa complexidade extra signifique até uma maior adaptabilidade evolutiva em função de menores restrições. Portanto, certos tipos de pressões seletivas podem ter empurrado este grupo de eucariontes nesta direção peculiar. Mas existe um outro lado, como chamam a atenção os autores do estudo. Por exemplo. o maior número de componentes pode expandir a flexibilidade da enzima, incrementando as opções de regulação e permitir a integração mais complexa com outros processos celulares e isso pode criar certos inconvenientes à perda das diversas subunidades.

Estas questões tem de fato implicações mais profundas e podem refletir fases ainda mais remotas e iniciais da evolução bioquímica e protocelular, como as que envolveram a mudança do ‘mundo do RNA‘, onde as funções de hereditariedade e catalise eram desempenhadas apenas por moléculas de RNA e passagem gradativa para a divisão de trabalho que caracteriza as células modernas, entre DNA, proteínas e RNAs, na qual as funções ancestrais catalíticas deste último tipo de ácido nucléico foram mantidas em alguns complexos e perdidas em vários outros. Então, talvez o que ocorreu na Riboproteína P seja um exemplo de uma tendência mais ampla e antiga.

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Referências:

 

  • Taschner, Andreas, Weber, Christoph, Buzet, Aurélie, Hartmann, Roland K., Hartig, Andreas . Rossmanith, Walter Nuclear RNase P of Trypanosoma brucei: A Single Protein in Place of the Multicomponent RNA-Protein Complex. Cell Reports, 2012; DOI: 10.1016/j.celrep.2012.05.021

 

Créditos das Figuras:

Estrutura da w:RNase P gerada usando PyMol a partir do:PDB ID: 2A64 [Kazantsev, A.V., Krivenko, A.A., Harrington, D.J., Holbrook, S.R., Adams, P.D., Pace, N.R. Crystal structure of a bacterial ribonuclease P RNA. PNAS v102 pp.13392-13397, 2005 DOI: 10.1073/pnas.0506662102]

Processamento do tRNA – Fonte : Nobel Prize

Contando dedos em aves e dinossauros

Olhando para minhas mãos contemplo uma das evidências de que nós, seres humanos, não somos o pináculo da evolução. Simplesmente não somos os seres ‘mais evoluídos’ que existem. Tanto pelo singelo fato de que a própria ideia de ‘mais evoluído’ não faz muito sentido em termos do que sabemos sobre evolução biológica, como por que, ao usarmos o que sabemos sobre biologia evolutiva, todo ser vivo é uma mistura de características ‘primitivas’ e ‘derivadas’, querendo dizer com isso somente que o primeiro tipo de características (‘primitivas‘) se originaram primeiro, enquanto o segundo tipo (‘derivadas‘) originaram-se depois, a partir de modificações das primeiras, ‘derivando-se’ delas.

De volta as mãos humanas, ao olharmos para elas com as palmas viradas para baixo e concentrarmos-nos em nossos cinco dedos, contando do polegar para o mínimo, estamos vendo o padrão ancestral do grupo de vertebrados ao qual pertencemos, os tetrápodes. O padrão pentadáctilo é considerado assim, tendo estado presente no nosso último ancestral comum com os demais grupos viventes* de vertebrados terrestres, mesmo que muitos deles tenham sofrido reduções, fusões e até mesmo a perda total dos membros. O que não foi o nosso caso, pois continuamos neste aspecto assemelhando-nos aos tetrápodes pentadáctilos ancestrais [veja ‘Por que cinco dedos?‘] e portanto neste sentido ‘primitivos’. Os dedos dos vertebrados não são apenas um lembrete para que não nos deixemos levar pelo nosso ego inflado, mas também estão no centro de uma das discussões mais resistentes às tentativas de resolução da biologia comparativa: a identidade dos três dedos dos membros dianteiros (as asas) das aves.

De quais dedos do membro dianteiro pentadáctilo ancestral D1, D2, D3, D4 e D5 – do qual nossas mãos são um exemplo (polegar, indicador, médio, anelar e mínimo – que os três dedos remanescentes das aves são homólogos?

São eles equivalentes respectivamente ao polegar (1), indicador (2) e médio (3) ou seriam homólogos ao indicador (2), médio (3) e anelar (4)?

A polêmica vai além da ornitologia e da anatomia comparada das aves, pois nela repousa um dos poucos argumentos que ainda fazem (ou melhor dizendo, faziam) algum sentido contra a ideia, hoje altamente aceita e bem corroborada, de que as aves são, na realidade, um grupo de dinossauros terópodes maniraptores que sobreviveu a grande extinção cretáceo-paleogene [Veja aqui para maiores detalhes]. Normalmente se usaria o polegar como base da decisão, com sua estrutura típica de duas falanges, mas como nas aves existe redução e fusão é muito difícil determinar se os dedos mais internos seriam ou não equivalentes ao polegar. Tradicionalmente os anatomistas haviam decidido que sim, esse seria o caso.

Infelizmente, outra fonte de evidências mostra uma realidade bem diferente. Ao analisarmos o desenvolvimento dos membros e de suas regiões distais onde se desenvolvem os dedos um cenário bem diferente se revela. Em muitas espécies de aves, o desenvolvimento dos dedos começa pela formação de quatro ou cinco dedos condensações de tecido mesenquimático, algumas das quais simplesmente param de se desenvolver. Sabendo disso alguns anatomistas perceberam que uma das condensações descartadas era exatamente a primeira, portanto, os três dedos das aves seriam provenientes da segunda, terceira e quarta condensação, respectivamente, CII, CIII e CIV, e é isso que as modernas técnicas de rastreamento molecular parecem confirmar. As células P1 (Pa) que em tetrápodes pentadáctilo são origem ao D1 simplesmente regridem e não dão origem a nenhum dedo durante o desenvolvimento embrionário.

As evidências, portanto, estariam em franco contraste**, especialmente por que nas linhagens de dinossauros terópodes como o Deinonychus é clara a identidade dos três dedos como sendo D1, D2 e D3. Colocando dois campos o paleontológico e o neontológico, na forma da embriologia e moderna biologia do desenvolvimento, em contradição. Mas como os biólogos evolutivos Günter P. Wagner e Jacques A. Gauthier afirmam em artigo de 1998, quando nos deparamos com contradições que resistem as tentativas de resolução com ambos os lados bem apoiados por evidências empíricos podemos estar lidando com importantes questões científicas subjacentes que podem necessitar de novas abordagens que nos conduzirão a excitantes novas descobertas. O padrão básico de formação nos dedos nos tetrápodes inicia-se com uma extensão do membro que forma a condensação (C)IV que seria equivalente ao seu dedo anelar, formando o eixo metapterigial, para que em seguida se forme a CV que é equivalente ao dedo mínimo que surge como uma pequena protuberância ao longo do eixo metapterigial. Após isso um novo eixo se forma a partir d palma e a próxima condensação a se formar é a correspondente ao dedo médio (CIII), para então formara a CII (indicador), e, por fim, a do polegar (CI). A partir desse panorama fica fácil perceber que alguns dedos são mais fáceis de serem perdidos durante o desenvolvimento do que outros, com é o caso do mínimo, que é segundo a se formar, e especialmente o polegar que é o último a se formar, bastando para perdê-lo que o processo pare após o desenvolvimento de CII. Porém, o mais difícil de ser perdido seria o corresponde ao CIV, o primeiro a se formar a partir do qual se organiza o eixo principal de desenvolvimento da mão, sendo muito difícil de suprimi-lo sem impedir complemente a formação dos demais dedos. Essa é mais uma questão problemática por que aparentemente os dinossauros não tem o dedo IV, o mais complicado de ser perdido, mas possuem o polegar, o último a ser formar e o mais fácil de em tese ser perdido.

As evidências paleontológicas parecem apontar claramente para identidade do membro anterior tridáctilo dos terópodes maniraptores, o subgrupo a qual também pertencem as aves, como sendo correspondentes aos dedos D1, D2, e D3 principalmente por que a posição de um grupo chave dentro da filogenia dos terópodes, Herrerasaurus, está bem mesmo quando as características das mãos não são usadas na análise de reconstrução filogenética, portanto, indicando que não há um viés nesse sentido. Ao mesmo tempo graças estudos com galinhas e avestruzes em que vários métodos de rastreamento de linhagens celulares, envolvendo coloração histoquímica e análise de expressão de certos genes (Sox9), foram utilizados mostram que os três dedos das asas das asas surgem das condensações CII, CIII e CIV. A situação mais recentemente foi um pouco mais complicada e as análises de um grupo de dinossauros achado a pouco tempo indica que talvez os dedos desta linhagem correspondam aos D2, D3 e D4. Então, como podemos reconciliar essas informações com o que pode ser inferido pela filogenia dos dinossauros e vertebrados tetrápodes de maneira geral.

No ano passado dois grupos de cientistas, um da Universidade de Yale, nos EUA, e o outro da Universidade Tohoku, no Japão, conseguiram apresentar evidências complementares que apontam para a resolução do debate. Os resultados das duas análises foram publicadas respectivamente nas revistas Nature e Science e servem de confirmação parcial da hipótese levantada em 1999 no já mencionado artigo do PNAS de Wagner e Gauthier.

Os dois pesquisadores propuseram uma solução para este dilema baseando-se na ideia de que mudanças morfológicas podem depender de uma dissociação entre os processos de origem embriológica dos elementos repetitivos daqueles que, subsequentemente, especificam-nos e individualizam-os, tornando-os caracteres morfológicos completamente funcionais. Assim, existiriam dois processos diferentes em ação durante o desenvolvimento dos dedos dos vertebrados tetrápodes. O primeiro produz os primórdios dos dedos, criando a configuração numérica da linhagem e o segundo confere as identidades a cada um desses primórdios de dedos indiferenciados. A partir deste raciocínio os autores argumentam que, embora a evidência embriológica comparativa identifique corretamente a homologia das condensações primordiais em aves como sendo CII, CIII e CIV, a diferenciação anatômica posterior reflete uma mudança do marco des identidades do desenvolvimento das regiões de influência morfogenéticas, os ‘Anlagen‘ aviários, correspondentes aos dedos. Isso resulta em ‘deslize’ dos padrões de expressão gênica e diferenciação celular que conferem a identidade os dedos de tal forma que se torna CII → DI , CIII → DII e CIV → DIII. Esta ideia ficou conhecida como ‘mudança de marco homeótica‘, em que as condensações 2, 3 e 4 tenham passado a expressar genes em um padrão mais semelhante ao que se esperaria para os dedos 1, 2, 3.

Os dois grupos confirmaram parcialmente esta ideia a partir de abordagens distintas. A equipe de Wagner concentrou-se na análise do transcriptoma (i.e. dos padrões de expressão dos RNAs em um determinado tecido ou fase de desenvolvimento) nas regiões mais extremas dos brotos dos membros dianteiros e traseiros dos embriões de pintos. Ao analisarem esses dados, os cientistas constataram que o primeiro dedo das asas das aves, apesar de se originar na região onde deveria haver o dedo indicador (CII), do ponto de vista dos transcritos ali presentes assemelha-se mais a um polegar que apenas mudou seu território de expressão para o lado. Esses resultados são consistentes com os experimentos recentes do grupo japonês que conseguiram mostrar algo bem semelhante, isto é, que o dedo mais posterior na asa, não corresponde ao dedo anelar (D4) do membro traseiro; uma vez que o tecido progenitor dele segrega mais cedo da zona de polarização de atividade, colocando-o no domínio de especificação de dedo médio, ou seja, o dedo D3.

O grupo Japonês usou uma abordagem manipulativa experimental mais direta em que constatou que o dedo mais posterior dos membros anteriores, i.e. das asas, não correspondia ao dedo D4 nos membros posteriores, ou seja, das patas, com seu progenitor segregando mais cedo a partir da zona de polarização de atividade; o que segundo os pesquisadores o colocaria no domínio de especificação de identidade do dedo D3, ou seja, equivalente ao médio. Os autores então sugerem que uma mudança específica das aves desacoplou os primórdios teciduais (‘anlagen’) dos dedos dos mecanismos moleculares responsáveis pela sua individualização, resultando na imposição as identidades dos dedos, D1, D2 e D3 aos ‘anlagen’ II, III e IV e por isso os dedos das aves deveriam ser assim considerados.

Acima os círculos marcados com ‘P’ referem-se aos tecidos progenitores dos dedos e não aos dedos em si, mas sim aos ‘módulos de células’ que irão desenvolver-se nos dedos. São os ‘anlagen’ dos dedos. Em baixo em azul corresponde a ZPA ou ‘Zona de atividade polarizante‘, um região de tecido mesenquimático que produz moléculas de sinalização como a Shh (Sonic HedgeHog) que ajudam na o desenvolvimento ao longo do eixo antero-posterior que funciona como um ‘organizador‘ (a semelhança do organizador de Spemann e Mangold). A proteína Shh atua como um morfógeno tradicional, uma molécula que se difunde estabelecendo um gradiente de concentração, provocando diferentes efeitos nas células que estão ao longo do gradiente formado a partir da ZPA. Os primórdios de dedos que desenvolvem-se na região de influência direta da ZPA assumirão as identidades dos dedos D5 e D4, enquanto os primórdios que se desenvolverem fora da ZPA assumirão as identidades D3, D2 e D1, com os dois primeiros sendo formados a partir do gradiente de expressão de Shh enquanto D1 forma-se fora da região de ação do Shh.

A proteína Shh atua a partir da sua ligação com o receptor Patched (PTCH) que normalmente quando não interagindo com algum proteína a via hedgehog (como o Shh) inibe o acumulo de outra proteína de membrana chamada SMO. Uma vez ligado ao PTCH, SMO pode acumular-se e uam série de alterações citoplasmáticas induzem a diferenciação de vários tipos de células por mecanismos dependentes do tempo de exposição e da concentração do ligante, que, por sua vez, induzem uma variedade de fatores de transcrição nas células progenitoras [Para maiores detalhes veja aqui]. Os ligantes da via Hedgehog conseguem atuar a curta e longa distância, com ambas os papéis sendo mediados pela porção N-terminal (~20 kDa) após o ‘auto-processamento’ que ocorre devido a atividade catalítico da porção C-terminal (~25 kDa) que é então excisada, após o que ocorre a adição de uma cauda lipídica que é responsável pelo aumento da atividade da Shh madura em até 30 vezes. A sinalização de curto alcance acontece através de diâmetros de uma ou duas células de uma maneira dependente diretamente do contato, parecendo funcionar a partir dos mecanismos de ligante/receptor tradicionais, mas a sinalização de longo alcance ainda é pouco compreendida, sendo exatamente esta forma de sinal a responsável por controlar a diferenciação tecidual. São propostas três maneiras que isso pode se dar: 1) Simples difusão; 2) um mecanismo de retransmissão por sinais secundários; e 3) e entrega direta da proteína Shh a partir de extensões citoplasmáticas [Veja aqui].

 

Como pode ser observado, em camundongos os cinco dedos desenvolvem-se, sendo que D4 é o primeiro dedo a ser visto (FVD), formando o principal eixo de desenvolvimento. Já nas patas da galinha, a região progenitora P5 não se desenvolve, mas D4 é também o primeiro dedo a ser visto. Nas asas das galinhas a região progenitora P5 também não se desenvolve, mas todos os outros progenitores ‘avançam’ uma posição, com P4 movendo-se para fora da ZPA para a posição onde ficava P3 que, por sua vez, muda para onde ficava P2 que muda para onde ficava P1 que não se desenvolve. Com isso teríamos, segundo os autores do estudo da Science, agora, P4 desenvolvendo-se fora da ZPA na posição anteriormente de P3 sendo, agora o dedo D3 (e ele é agora o primeiro a ser visto); já P3, ao desenvolver-se na posição P2, é o dedo D2; e P2, ao desenvolver-se na região P1, passa a ser dedo D1.

Por isso ao examinarmos dinossauros e mesmo algumas aves modernas encontramos o padrão D1, D2 e D3, mas ao nos determos no começo do processo de desenvolvimento dos dedos, quando ainda estão sendo formados os condensados primordiais ainda por adquirirem suas identidades, o que observamos é o padrão CII, CIII e CIV. Isso é corroborado pelo fato de, após esta fase, os primórdios mudarem seu padrão de resposta a certas proteínas morfogenéticas como sonic hedgehog, alterando sua posição relativa em relação a ZPA, além do fato de já ter sido observado que a condensação CII dos membros dianteiros das aves exibe um padrão de expressão de genes Hox que é encontrado nos membros dianteiros de camundongos e posteriores de galinhas e que seriam equivalentes aos do dedo D1, já indicando que a hipótese da mudança de marco deveria estar correta.

 

Existem vários detalhes ainda incertos, como os relacionados aos dedos D2 e D3 que parecem ser diferenciar de maneira bem mais distintiva nos membros dianteiros das aves modernas, sugerindo que o processo é bem mais dinâmico e plástico, podendo ter mudado outras vezes e em linhagens específicas ao longo da evolução. Por isso embora certas polêmicas persistam**elas não conseguem abalar o consenso sobre a relação entre as aves modernas e os dinossauros terópodes, sendo mais uma questão de identificar como houve o desacoplamento entre os processos de formação dos rudimentos numéricos dos dedos e sua posterior tomada de identidade anatômica.

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*Alguns tetrápodes bem primitivos como Acantosthega possuíam entre 7 e 8 dedos, sugerindo que na transição entre os peixes e tetrápodes havia mais flexibilidade neste aspecto até que, a partir de um ancestral com o padrão pentadáctilo, os tetrápodes modernos evoluiram [Para mais informações veja aqui].

**Em um comentário publicado online Nature Precedings, sobre o artigo de Tamura et al. (2011) na revista Science, Xu e colegas (201) defendem que a situação é mais complicada do que o aludido pelos autores e mesmo por Wagner, apontando para evidências mais recentes como alguns estudos de espécies de terópodes fósseis tetanuranos que parecem exibir os dedos D2, D3 e D4, além dos próprios estudos dos autores do comentário que mostram evidências bastante ambíguas, por exemplo, com maioria das características metacarpiais dando apoio as identidades D2, D3 e D4 e das falanges, em contraste, dando apoio para D1, D2 e D3 cuja fórmula altamente conservada de falanges2-3-4 tem sido usada como o padrão para a identificação dos dedos dos membro tridáctilos como sendo D1, D2 e D3, em detrimento de outras características, o que só foi apreciado mais recentemente com a descoberta de um dinossauro terópode chamado de Limusaurus com aparentes resquícios do dedo D1, ou seja, o polegar.

No comentário também são citados outros dados embriológicos que não teriam sido apreciados adequadamente no artigo de Tamura et al. (2011). Entre eles estão vários estudos que também identificam os dedos dos membros dianteiros das aves como sendo D1, D2 e D4, portanto, não seria uma novidade. Porém Xu admite que embora existam outras linhas de evidência embriológicas que apoiariam a identificação dos dedos como D2, D3 e D4 nas asas das ave, o artigo do grupo japonês teria as enfraquecido ao refutar a hipótese que o dedo D4 seria o eixo primário (“the primary axis-digit D4 hypothesis”). Então, de acordo com o comentário de Xu e colaboradores (2011), os dados paleontológicos não estariam em franco contraste, mas haveria um debate mais nuançado com ambos os lados podem lançar mãos de dados paleontológicos/anatomia comparada e da biologia do desenvolvimento/embriologia comparada. Os autores também criticam o excesso de peso dado aos critérios anatômicos para estabelecer as correspondência de homologia entre o membro tridáctilo dianteiro das aves (e dos dinossauros terópodes extintos) e o membro pentadáctilo tetrápode padrão, enfatizando a importância dos critérios embriológicos e de posição.

Porém, é exatamente nesse ponto que os problemas (e a solução potencial) aparecem, uma vez que a informação de posicionamento pode ser também bem ambígua, ainda que, segundo eles, o membro autopóide pentadáctilo conservado serve como um guia relativamente confiável, o que sugeriria que tanto as aves modernas como os terópodes tetanuranos maniraptores (dos quais descendem as aves) teriam a fórmula digital D2, D3 e D4 (o que também corrobora a já bem estabelecida posição das aves como dinossauros, diga-se de passagem). Dito isso, os autores do comentário crítico concordam que as evidências mostram que algumas características morfológicas e desenvolvimentais realmente mudaram suas posições de expressão de uma maneira coordenada, aceitando a “hipótese da mudança de quadro”.

Em revisões de literatura recente Wagner e outros cientistas (Young, Bever, Wang e Wagner, 2011 e Bever, Gauthier e Wagner, 2011) resumem os últimos 10 anos de discussão, defendendo a hipótese de mudança do marco contra algumas as novas evidências paleontológicas (comentadas por Xu e colegas, 2011) e,como eles, enfatiza que a derivação de aves de dinossauros terópodes não está mais em questão, assim como também não estão as identidades posicionais dos dedos das aves. Sendo elas bem estabelecidas como D2, D3, e D4, juntando-se a crítica de Xu as conclusões de Tamura et al. (2011). Porém, também parece claro e muito bem estabelecido que os programas genético-desenvolvimentais que definem as identidades dos dedos nas asas das aves são os correspondentes aos dos dedos D1, D2 e D3. O deslocamento do marco de expressão dos genes que controlam a identidade dos dedos parece não estar mais em dúvida e realmente ocorreu, restando grandes incertezas, entretanto, sobre quando e como este fenômeno teria ocorrido. O problema, portanto, do artigo de Tamura et al. (2011) não são as evidências, mas apenas o fato dos autores preferirem denominar os dedos em função dos padrões de expressão genéticos e das características celulares responsáveis pela definição tardia da identidade e não a partir de sua origem embriológica mais anterior.

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Referências:

  • Wagner GP, Gauthier JA. 1,2,3 = 2,3,4: a solution to the problem of the homology of the digits in the avian hand. Proc Natl Acad Sci U S A. 1999 Apr 27;96(9):5111-6. PubMed PMID: 10220427; doi: 10.1073/pnas.96.9.5111
  • Wagner GP. The developmental evolution of avian digit homology: an update. Theory Biosci. 2005 Nov;124(2):165-83. Epub 2005 Sep 12.
  • Wang Z, Young RL, Xue H, Wagner GP. Transcriptomic analysis of avian digits reveals conserved and derived digit identities in birds. Nature. 2011 Sep 4;477(7366):583-6. doi: 10.1038/nature10391. doi:10.1038/nature10391
  • Tamura K, Nomura N, Seki R, Yonei-Tamura S, Yokoyama H. Embryological evidence identifies wing digits in birds as digits 1, 2, and 3. Science. 2011 Feb 11;331(6018):753-7. doi: 10.1126/science.1198229.
  • Xu, Xing, Choiniere, Jonah , Sullivan, Corwin, and Han, Fenglu. (2011) Comment on “Embryological evidence identifies wing digits in birds as digits 1, 2, and 3.”. Disponível em Nature Precedings
  • Young RL, Bever GS, Wang Z, Wagner GP. Identity of the avian wing digits: problems resolved and unsolved. Dev Dyn. 2011 May;240(5):1042-53. doi: 10.1002/dvdy.22595.
  • Bever GS, Gauthier JA, Wagner GP. Finding the frame shift: digit loss, developmental variability, and the origin of the avian hand. Evol Dev. 2011 May-Jun;13(3):269-79. doi: 10.1111/j.1525-142X.2011.00478.x.

Mais pistas sobre as origens do membros nos vertebrados

Novas pistas sobre as alterações genética que possibilitaram a evolução dos membros nos vertebrados sugerem que um rearranjo cromossômico tenha tido um papel importante nesse processo. Os resultados são de um trabalho publicado online no periódico Nature: Scientific Reports que foi conduzido por Manuel Irimia, vários colaboradores, e o chefe do laboratório Reg-Volution Jordi Garcia-Fernández, do Departamento de Genética do Instituto de Biomedicina da Universidade de Barcelona (IBUB). O grupo vem estudando um tipo particular de gene, conhecido como Sonic Hedgehog (Shh) cujos loci encontram-se no cromossomo 7, codificando uuma das três proteína envolvida na via de sinalização hedgehog, ligando-se ao receptor Patched-1 (PTCH1) e funcionando como uma molécula morfogenética. Esta proteína desempenha uma papel fundamental na regulação da organogênese dos vertebrados, tendo uma ação bem conhecida nos processos de crescimento de dígitos nos membros e na organização do cérebro durante o seu desenvolvimento, sendo esses dois os tecidos em que é mais expresso.

Os estudos com os loci Shh foram conduzidos em três espécies de anfioxos – que são usados como referência sendo um dos grupos mais basais do filo dos cordatos e que não apresentam membros e nem nadadeiras pareadas- dos EUA, Europa e Ásia, respectivamente, Branchiostoma floridae, Branchiostoma lanceolatum e Branchiostoma belcheri. Os pesquisadores empregaram métodos de bioinformática para análise das seqüências genômicas e também métodos de transgenía com o peixes-zebra, comparando então a arquitetura ancestral genética do gene Hedgehog com a dos três representantes da família Hedgehog em vertebrados: Sonic Hedgehog (Shh), Desert Hedgehog (Dhh), e da Índia Hedgehog (Ihh), todos mebros da via de sinalização Hedgehog.

Surpreendentemente a região regulatória (o ‘reforçador’ ou ‘enhancer’) que controla a expressão do gene Shh nos membros dos vertebrados localiza-se dentro de um outro gen, Lmbr1, estando a uma distância de um milhão de pares de bases, enquanto, no caso do desenvolvimento do sistema nervoso, a distância entre o gene e sua região reguladora é consideravelmente menor, de apenas algumas dezenas de milhares de pares de bases.

Na figura à esquerda, em (A), pode ser vista a distribuição das sequências reforçadoras (‘enhancers‘) tecido- específicas através da grande região a montante (‘sequência acima’) e nos introns do gene Shh no cromossomo 5 de camundongos. Cada elemento reforçador é representado como um bloco colorido e a sua expressão associado é mostrada na mesma cor nos desenhos de embriões. Os elementos SFPE1 (verde) e SFPE2 (amarelo) impulsionam a expressão ao longo da placa basal da medula espinhal; SBE1 (lilás), no mesencéfalo e e diencéfalo caudal, incluindo o ZLI; SBE2-4 (vermelho e escuro e azul claro), em domínios anteriores no cérebro em desenvolvimento; MRCS1 (roxo), MFCS4 (marrom claro) e MACS1 (castanho escuro) nas linhas epiteliais, e MFCS1/ZRS (laranja claro) para brotos dos membros. Dois elementos reforçadores estavam dentro da sequência intrõnica do gene vizinho Lmbr1 (MFCS1/ZRS) e Rnf32 (MACS1), e duas dentro do segundo intron do Shh (SBE1 e SFPE2). Em (B) pode ser visualizada a distribuição dos elementos reforçadores conhecidos no gene Shha do peixe-zebra. ar-A (verde claro), conduz a expressão na notocorda e algumas estruturas cerebrais; ar-B (laranja escuro), induz a expressão em todo na placa do assoalho da medula espinhas, ar-C (verde escuro), no prosencéfalo e na notocorda, e em menor intensidade na placa do assoalho; e ar-D (amarelo), na placa do assoalho anterior. [Scientific Reports 2, N0. 433 doi:10.1038/srep00433]

Assim, de acordo com Garcia-Fernández, por volta de 400 milhões de anos atrás, como resultado de um rearranjo cromossômico (uma translocação gẽnica), um fragmento de DNA com o gene Lmrb acabou indo parar perto do gene Shh e passou a induzir sua expressão em outro tecido, fazendo desta forma que uma nova função e novas estruturas surgissem nos vertebrados.

O estudo também traz novas informações para o debate científico sobre a hipótese de 2R que estipula que a origem do genoma dos vertebrados teria se dado por meio de duas rodadas completas de duplicações genômicas ancestrais consecutivas. De acordo com o artigo, os genes Shh e Dhh teriam se originado na segunda rodada de duplicação do genoma, enquanto Ihh gene, que, por sua vez, não é influenciado pela região regulatória do gene Lmbr1, seria de fato uma cópia mais antiga do ponto de vista filogenético.

Aos poucos vamos aprendendo como, através dos processos de cópia, rearranjo, divergência e mudança funcional, as diversas estruturas e sistemas dos seres vivos foram se originando ao longo da história evolutiva dos diversos grupos, mostrando o poder da abordagem comparativa e da biologia evolutiva como um todo.

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Referências:

 

  • Irimia, Manuel et al., Comparative genomics of the Hedgehog loci in chordates and the origins of Shh regulatory novelties. Scientific Reports, 2012; 2 DOI: 10.1038/srep00433

 

Créditos das Figuras:

CLAUDE NURIDSANY & MARIE PERENNOU/SCIENCE PHOTO LIBRARY
STEVE GSCHMEISSNER/SCIENCE PHOTO LIBRARY
STEVE GSCHMEISSNER/SCIENCE PHOTO LIBRARY

A evolução em tons de vermelho: Uma história da feomelanina

rutilismo que já abordamos no ‘Pergunte ao evolucionismo‘ está principalmente associado a mutações no receptor de melanocortina 1 (MC1R) que resultam em uma maior proporção de síntese da variante da melanina, conhecida como feomelanina. Este pigmento alaranjado-avermelhado e infelizmente não só não é uma boa barreira contra a radiação UV (como é o seu ‘primo químico’ castanho escuro a eumelanina), como os produtos da fotodegradação da feomelanina são genotóxicos e, portanto, potencialmente carcinogênicos. Isso leva a pergunta:

Afinal, por que os ruivos existem?’

PZ Myers, em seu blog Pharyngula, discute algumas possibilidades que podem explicar a existência de pessoas com cabelos em tons alaranjados, pele clara cheia de sardas, resistente ao bronzeamento e que tende a ficar bem avermelhada com a exposição ao sol, mesmo que existam tantas desvantagens nessas características:

Em primeiro lugar não devemos assumir simplesmente que por que uma característica é danosa ela será automaticamente eliminada pela seleção natural. Pelo jeito, apesar de algumas desvantagens, ser ruivo não é tão ruim assim de um ponto de vista da sobrevivência e reprodução. O fato é que a seleção natural age de acordo com as vantagens relativas que podem ser limitadas pelas características do sistema de herança, a forma como a população me questão é estruturada  e principalmente pelo tamanho da mesma; neste caso a deriva genética e outros processos estocásticos (como o ‘efeito carona’ de uma mutação vantajosa nos alelos neutros ou ligeiramente deletérios, que estão nas proximidades cromossômicas do gene vantajoso) podem ser a causa da prevalência de uma característica como essa. Porém, esta parece ser só parte da história pois a via de síntese da feomelanina é largamente distribuída entre os vertebrados e é provável que ela traga vantagens intrínsecas e, quem sabe, eventualmente possam fazer com que os ruivos em nossa espécie sejam reprodutivamente mais bem sucedidos em algumas situações.

A seleção sexual é um desses fatores que podem explicar as vantagens do excesso de produção de feomelanina. Em aves, por exemplo, a feomelanina é usada como um marcador para o sexo e faz parte dos complicados sistemas de exibição e corte que muitos desses animais se envolvem com seus potenciais parceiros. Talvez algo semelhante tenha ocorrido em nossa espécie e os cabelos avermelhados e a pele sardenta tenham tido esse efeito, algo que me parece ter um forte apelo intuitivo, pois além de chamativo as características típicas dos ruivos e ruivas podem ser bastante atraentes para muitas pessoas.

Existe uma outra ideia, entretanto, também bem especulativa e sem evidências diretas em seu favor, mas bem interessante. Ela vem da observação que a via de síntese para a feomelanina tem como uma de suas desvantagens a utilização de uma molécula importante para outras vias metabólicas, como as associadas ao aminoácido cisteína. Isso acontece por que para que a feomelanina seja formada é preciso de glutationa reduzida (GSH). Porém existem certas condições em que a cisteína se acumula demais e como resultado pode ter efeitos bioquímicos danosos, inclusive com os níveis altos de cisteína estando correlacionados com doenças como artrite reumatóide, lupus eritematoso sistêmico, doenças de Parkinson e de Alzheimer, além de várias doenças cardiovasculares.

Desta maneira o sequestro da GSH, de acordo com novo estudo publicado na revista BioEssays [Volume 34, Issue 7, páginas 565–568, Julho de 2012], nesses casos em que a cisteína se acumula e atinge concentrações perigosas, seria muito útil e, portanto, possuir uma via de síntese como a da feomelanina poderia ser a saída. Esta constatação levou a sugestão que esta via teria como tarefa funcionar como um sumidouro para o excesso de cisteína. Por isso, como consequência os ruivos poderiam ter vantagens já que estas vias neles estariam hiperativadas podendo protegê-los das condições citadas que estão ligadas ao acumulo de cisteína-GSH.

Os autores do artigo, Ismael Galván, Ghanem Ghanem e Anders P. Møller (pesquisadores de institutos de pesquisa da França e Bélgica, oferecem alguns indícios circunstanciais de como este processo poderia ter ocorrido durante a evolução humana. Eles começam por enfatizar que existem evidências de que o estresse térmico esgota os níveis de GSH dos glóbulos vermelhos humanos; e como este tipo de estresse tende a diminuir com o aumento da latitude – e concomitante diminuição das temperaturas – as maiores concentrações de GSH-cisteína no norte da Europa, por exemplo, tenderiam a promover feomelanogênese e inibir a eumelanogênese, tornando mais favorável a síntese de feomelanina, como de fato parece corresponder às observações. Em segundo lugar, os pesquisadores lembram que existe um maior prevalência de parasitas humanos em baixas latitudes. Assim, como os parasitas geram estresse oxidativo em seus hospedeiros, tem sido sugerido que os níveis elevados de eumelanização da pele humana dos povos próximos ao equador estariam envolvidos na resposta a estes efeitos oxidativos, já que a GSH é um composto antioxidante – que teria evoluído, portanto, neste contexto de proteção frente a grande diversidade desses seres nos trópicos. Porém, sem esses níveis mais altos de estresse oxidativo devido a menor incidência de parasitas, a GSH poderia acabar se acumulando em níveis perigosos nos indivíduos que migraram para as latitudes mais altas, favorecendo assim a via de depleção de cisteína-GSH através da síntese de feomelanina e portanto os ruivos.

Este segundo cenário adaptativo pode de fato complementar a ideia mais convencional de que na Europa, por causa das menores pressões seletivas associadas as desvantagens da pele clara – sardenta, facilmente ‘queimável’ pelo sol e ‘inflamável’ (inchaço, vermelhidão) -, o fenótipo ruivo teria surgido a partir de mutações no gene MCR1 que teriam aumentado inicialmente de frequência como efeito da deriva genética (por causa do afrouxamento da seleção), mas se mantido e até se espalhado mais tarde por causa da maior habilidade em se livrar do excesso de cisteína-GSH e/ou por causa das vantagens ligadas a atração de parceiros.

Até agora, infelizmente, não existem evidências diretas que mostrem que os ruivos estejam realmente em vantagem metabólica, por exemplo, sendo realmente mais resistentes as várias condições ligadas ao excesso de cisteína-GSH, especialmente por que muitas delas são tremendamente dependentes de certos fatores ambientais (como as cardiovasculares) e outras, como Parkinson e de Alzheimer, em geral, só tem seu efeito em idades mais avançadas (com exceção de formas precoces bem mais raras). Desta maneira, o significado adaptativo desses fenótipos ainda é bem incerto, mesmo que a base bioquímica dele tenha realmente evoluído em um contexto similar ao proposto nos vertebrados mais primitivos, nossos ancestrais.

Como pode ser observado acima [através do esquema retirado do artigo da Bioessays, 34: 565–568. doi: 10.1002/bies.201200017], o aminoácido cisteína é utilizado na síntese de proteínas. Ele pode ser recuperado também através da degradação dessas mesmas proteínas, além de poder ser utilizado na síntese de glutationa reduzida (GSH) que é a forma de armazenamento principal da cisteína, atuando assim como uma reserva deste aminoácido. Quando os níveis de cisteína elevam-se além de um certo ponto – acima do necessário para a funções descritas, especialmente a síntese de proteínas -, ela torna-se tóxica, podendo ser parcialmente eliminada por sulfoxidação da cisteína, um processo essencialmente catalisado pela enzima cisteína dioxigenase (CDO) em que os produtos são todos menos tóxicos do que a própria cisteína, tais como sulfato e taurina.

Nas aves, os excessos de cisteína-GSH vindos do consumo dietário de aminoácidos podem  também serem desviados para a síntese de ácido úrico que é o principal produto de excreção desses animais; mas, além disso, a cisteína também reage com a dopaquinona, participando, desta maneira, da síntese do pigmento feomelanina que acontece em organelas específicas dos melanócitos chamadas de melanossomas. Se a cisteína incorporada a esta via biossintética vier de um montante excessivo, a feomelanogênese, i.e, o processo de síntese de feomelanina, poderia funcionar como um escoadouro do excesso de cisteína-GSH, efetivamente assumindo o papel de um mecanismo de destoxificação desta moléculas e cumprindo assim um importante papel adaptativo nos animais.

Em termos evolutivos é importante separarmos a origem da característica em si (isto é, quando ela aparece e se fixa pela primeira vez) dos seus usos correntes em um linhagem ou em outra. O fato da via da feomelanogênese poder muito bem ter se originado neste contexto de destoxificação não garante que ela tenha a mesma função em nós seres humanos, especialmente nos ruivos. Ela poderia muito bem ter sido cooptada secundariamente para fins de seleção sexual em nossa espécie. Mesmo que esta cooptação não tenha necessariamente tido a ver com a existência de ruivos, pois algumas regiões de nosso corpo como lábios, mamilos etc que estão relacionadas a sensualidade e sexualidade humana são  apresentam as maiores proporções deste tipo de feomelanina as que mesmo em não-ruivos.

A ideia toda exposta no artigo do BioEssays e comentada no blog Pharyngula é muito interessante e se soma ao nosso arsenal explicativo, mas precisa ser testada de maneira rigorosa antes que possamos vê-la como mais do que uma especulação engenhosa. Felizmente, ela faz algumas previsões associadas a prevalência de certas condições de saúde e características metabólicas que podem ser realmente avaliadas e é por estes testes que devemos esperar.

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Referências:

  • Galván, I., Ghanem, G. and Møller, A. P. (2012), Has removal of excess cysteine led to the evolution of pheomelanin?. Bioessays, 34: 565–568. doi: 10.1002/bies.201200017

  • Myers, PZ (2012) The curse of the gingers Pharyngula Science Blogs, June 24, 2012.

Créditos das Figuras:

Adaptado do Original em Alemão “Biosynthese von Eumelanin und Pheomelanin”; Data: 6 de junho de 2009, Fonte: Wikicommons [Roland1952] Autor: Roland Mattern.

Feomelanina: Data: 4 de jinho de 2009, Fonte: Wikicommons [Roland1952]; Autor: Roland Mattern

Eumelanina: Data: 4 de jinho de 2009, Fonte: Wikicommons [Roland1952]; Autor: Roland Mattern

Cisteína: Data: 21 de março de 2006; Fonte: Wikicommons; Autor:Benjah-bmm27

Glutationa: Data: 28 de junho 2007; Fonte: Wikicommons; Autor:NEUROtiker

CHRISTINE HANSCOMB/SCIENCE PHOTO LIBRARY

Aprendendo com os outros: As raízes evolutivas do aprendizado social em verterados

A memória e o aprendizado, duas faculdades muito relacionadas, tiveram um grande impacto evolutivo na história da vida multicelular deste nosso planeta, ajudando a criar novos modos de vida. E embora envolvam custos associados a evolução de certas capacidades sensório-motoras e sua integração – na forma de sistemas nervosos mais ou menos complexos – podem trazer muitas vantagens aos seus portadoress, especialmente caso o organismo em questão não adota, por exemplo, um modo de vida séssil, movendo-se de maneira mais ativa e passando por várias interações do mesmo tipo ao longo de sua vida, das quais possa obter informações. Entretanto, aprender com a experiência dos outros é ainda mais eficiente, já que permite aos indivíduos, em primeiro lugar, não se arriscarem e não terem, eles mesmResearchBlogging.orgos, que arcar com as consequências de seus erros.

Aquilo que costuma-se chamar, aprendizado social, é uma característica tremendamente importante em animais como os mamíferos, especialmente, nos primatas como nós que vivem no meio a grandes grupos e participam de complexas interações sociais. No entanto, as raízes evolutivas dessas habilidades são muito anteriores a emergência dos mamíferos. Estudando o conhecido ‘peixe zebra’, Danio rerio, um dos principais organismos-modelo utilizado em uma ampla gama de estudos científicos, três cientistas, Sarah M. Zala, Ilmari Määttänen e Dustin J. Penn, puderam constatar que esses animais exibem esta modalidade de apresentado.

A aprendizagem social, de acordo com os pesquisadores, tem como provável papel permitir a aquisição de informação pública sobre alimento, predadores e membros da mesma espécie, sem que se precise arcar com os custos que advém da aprendizagem individual, ou seja, cometer erros.

Porém, para se confirmar se um dado organismo apresenta as capacidades relacionadas a aprendizagem social é preciso que elas se mostrem estratégicas, ou seja, é preciso que envolvam questões relevantes à sobrevivência e reprodução dos organismos, e  estas habilidades não pode ser indiscriminadas, devendo se restringir a algumas modalidades de interações. Existem muitas sugestões não só de que vários animais exibam aprendizado social, mas também de que estes conformem-se ao comportamento da maioria, a “conformidade social, mas os estudos para avaliar estas hipóteses são ainda insuficientes.

Os cientistas , com objetivo de testar experimentalmente se a aprendizagem social desempenha um papel no comportamento ousado em peixe-zebra selvagens e domesticados, executaram uma série de experimentos etológicos em que buscaram avaliar se esses organismos utilizam estratégias semelhantes de aprendizagem e conformidade social para modular seus comportamento de ousadia. Em artigo que apareceu esta semana no periódico Animal Behavior, esses pesquisadores apresentaram os dados de sua investigação. Neste trabalho foi investigado se os peixes-zebra selvagens, normalmente mais tímidos, tornar-se-iam cada vez mais ousados, após interagirem socialmente com mais ousados domesticados (e vice-versa). O estimulo investigado era um pequeno alvo em movimento e o parâmetro avaliado era o quanto os peixes se aproximavam dele.

Abaixo um esquema dos [Animal Behaviour Volume 83, Issue 6, June 2012] tanques usados no estudo em visão lateral, com o estímulo sendo apresentado na frente. As linhas verticais funcionam como uma referência da posição durante a análise de vídeo e sendo empregadas para calcular as distâncias médias (em cms) entre o número médio de peixes por seção e estímulo.

 

 

A primeira fase do trabalho envolveu uma fase de interação social, em que os peixes foram atribuídos a grupos, cada um formado por seis indivíduos em quatro combinações possíveis. Os pesquisadores colocaram os peixes selvagens com peixe domesticados juntos no mesmo aquário (grupo de tratamento experimental) ou os mantiveram os espécimens selvagem e domesticados separados um do outro em aquários diferentes (o grupo de controle da tabela ao lado que corresponde a Tabela 1 do artigo). Os possíveis efeitos da conformidade foram avaliados a partir da manipulação das freqüências relativas (ou seja o tamanho do grupo focal, i.e. aquele que estava sendo avaliado nos experimentos) entre os peixes selvagens vs domesticados dentro dos grupos de tratamento. Assim os grupos experimentais eram compostos ou dos peixes domesticados ou dos selvagens em maioria. Portanto, os cientistas criaram os seguintes grupos:

  1. Experimental selvagem;

  2. Controle selvagem;

  3. Experimental domesticados;

  4. Controle domesticados;

Manipulando a proporção das composições de peixes dos grupos domesticados, em relação ao dos selvagens, permitiu aos pesquisadores detectar se haviam diferenças na aprendizagem social, quando o grupo focal estava em minoria (2/6 peixes) ou maioria (4/6 peixes) nos aquários. Também foram tomadas providências para minimizar o estresse de manuseio dos animais, como marcar – com etiquetas subcutâneas laranjas na base da nadadeira dorsal para a identificação visual – apenas a minoria dos peixes em cada repetição, além dos animais marcados terem sido previamente anestesiados. Os pesquisadores enfatizam que a marcação não pareceu afetar o comportamento dos peixes, e, mesmo assim tal procedimento não poderia influenciar os resultados obtidos por que os números de peixes etiquetados domesticados e selvagens nos experimentos estavam equilibrados.

Os  resultados do estudo revelaram que os peixes zebras selvagens quando expostos aos peixes domesticados que são realmente mais ousados, aproximando-se mais dos alvos, acabaram também por tornarem-se mais ousados do que os controles, outros peixes-zebra selvagens que não haviam interagido com os peixes domesticados na presença dos alvos. Porém, a contrapartida não foi verdadeira. Os peixes domesticados expostos aos mais tímidos selvagens não mostraram diferenças em relação ao seu comportamento mais ousado anterior ao se aproximarem do alvo em movimento quando comparados com os peixes domesticados usados como controles, isto é, que não interagiram com os peixes mais tímidos na presença dos alvos.

“Quando um peixe-zebra se move alguns centímetros para mais perto de um objeto desconhecido do que seus amigos pode não parecer um grande negócio para observadores humanos”, diz Sarah Zala “, mas de 3 cm é cerca de um comprimento corporal do peixe e na natureza pode significar expor o peixe a um ataque de predadores. Então, na realidade, do ponto do peixe de vista, ele está tendo uma grande chance.” [Veja aqui]

As mudanças no comportamento dos peixes selvagens persistiram após os grupos não focais terem sido removidos, mas embora as evidências de aprendizado social sejam claras, os pesquisadores não encontraram nenhuma evidência de conformidade social. Parece claro que esses animais realmente podem utilizar do aprendizado social como forma de avaliar os riscos e assim adaptarem-se a novas situações, modulando seus comportamentos em função do comportamento dos outros. Ao mesmo tempo como não houve a reversão da ousadia em animais domesticados expostos aos mais tímidos selvagens, a aprendizagem social parece ser restrita e modulada pela continua avaliação da percepção dos riscos diretamente.

Os autores do estudo esperam que esses tipos de estudo com o modelo em questão possam ser ampliados e refinados com a incorporação de ferramentas de dissecação genética e de análise genômica em larga escala, de modo que possam ser investigados os processos desenvolvimentais que modulam estas formas de aprendizado, bem como sua evolução.

Esse estudo soma-se a vários outros que mostram que o comportamento social é uma aquisição evolutiva relativamente antiga, como o realizado por dois pesquisadores da Universidade do Texas, em Austin, Hans A. Hofman e sua orientanda (a primeira autora do artigo), Lauren A. O’Connel, que foi publicado na revista Science. Anteriormente, os dois pesquisadores já haviam produzido uma análise comparativa global de dois circuitos neuronais, presentes nos vertebrados, e concluído que eles já deveriam estar presentes no ancestral comum de todos os vertebrados modernos. Segundo esses mesmos autores, esses dois circuitos formariam uma rede envolvida na tomada de decisões sociais (‘Social Desion-Making network’)  que regularia os comportamentos adaptativos dependentes de interação com outros indivíduos da espécie.

Neste novo artigo da Science, os autores analisaram os perfis de expressão de 10 genes em 12 regiões cerebrais diferentes que são normalmente consideradas como importantes para a tomada de decisão, em um total de 88 espécies que representam os cinco grandes grupos de vertebrados. Os resultados deste trabalho revelaram que as regiões cerebrais associadas ao controle dos comportamentos sociais e aos sistemas de motivação/recompensa mesolímbicos que usam o neurotransmissor dopamina, com os quais estão interligados, são extremamente conservados do ponto de vista evolutivo, existindo a pelo menos 450 milhões de anos. Essa alta conservação existe tanto em relação a organização neural como em termos dos padrões de expressão gênica subjacentes a essas regiões:


“Existe um circuito antigo, que parece estar envolvido no comportamento social em todos os vertebrados”, disse Hofmann.

“Em um nível básico, isso nos diz alguma coisa sobre de onde viemos. Um monte de circuitos neurais que o cérebro usa para o comportamento social são realmente muito velhos”, completou. [Veja aqui]


Abaixo e a esquerda podem ser vistas duas redes neurais que são compartilhadas por representantes dos cinco grandes grupos de vertebrados, isto é, peixes teleósteos (representando os actinopterígeos) e os sarcopiterígeos, representados pelos vertebrados tetrápodes: anfíbios, répteis, aves e mamíferos. A primeira (em amarelo) associada ao controle do comportamento social e a segunda (em azul), a via mesolímbica de recompensa, ligada aos processos de atenção e motivação, são ambos importantes sistemas de controle do comportamento de vertebrados, possuindo conexões funcionais (em verde) que
permitem que uma influencie a outra. [AH: Hipotálamo Anterior; BNST/meAMY: Leito do núcleo da estria terminal/Amígdala medial; HIP: Hipocampo; LS: Septo lateral; NACC, núcleo accumbens, PAG, substância cinzenta periaquedutal/central cinzenta; VMH, Hipotálamo Ventromedial; VP: Pallidum Ventral; VTA: Área Tegmental Ventral. Science 1 June 2012: vol. 336 no. 6085 1154-1157]

O estudo também mostrou evidências que diferentes regiões do cérebro provavelmente sofreram pressões seletivas diferentes umas das outras.

 

Ao avaliarem a distribuição espacial de certas moléculas ligantes* neuroendócrinas, os cientistas constataram que estes padrões são bem mais flexíveis do que a distribuição dos receptores com que essas moléculas interagem. Segundo os autores do estudo, isso indica que essas diferentes regiões cerebrais sofreram pressões diferentes das de outras o que teve como reflexo a diferente distribuição desses ligantes.

Esses padrões de expressão de produtos neuroquímicos ao longo do tempo evolutivo foram avaliados de maneira quantitativa ao calcular-se um score de divergência (D) para cada produto gênico neuroquímico e região do cérebro. Entre as biomoléculas de interesse que agem nas redes e circuitos neuronais sob investigação, os dois pesquisadores, da Universidade do Texas, optaram por analisarem os produtos dos genes associados aos sistema dopaminérgicos [tirosina hidroxilase (TH), receptor de dopamina D1, ou DARPP-32], sinalização hormonal sexual esteróide (aromatase e receptores nucleares para estrogênio, androgênio, e progesterona), e sistemas de nonapeptídeos, como vasopressina, oxitocina e seus receptores.

 

 

Os pesquisadores então mapearam as distribuições de cada produto gênico, em todos os nós da rede de controle de tomada de decisões social, em uma filogenia dos vertebrados e calcularam o D como sendo o número de alterações observadas no modelo de parcimônia, onde D > 0 indicaria que uma ou mais alterações ocorreram desde que os tetrápodes (e outros sarcopterígeos) e peixes nadadeiras raiadas compartilharam um último ancestral comum, cerca de 450 milhões de anos atrás. A Figura A (no artigo 3A), abaixo e à direita, mostra os scores de divergência para cada região cerebral (colunas) e para os produtos neuroquímicos dos genes (linhas). Em vermelho estão os scores ‘zero’ (0) (os mais conservados), em amarelo os scores ‘1’ e em roxo ‘2’, os menos conservados. As regiões cerebrais mais conservadas (Dmédio = 0,0) revelaram-se como sendo a amígdala basolateral (blAMY) e a área de pré-óptica (POA), ao passo que o corpo estriado (Str) foi o menos conservado (Dmédio=0,7). Outro resultado interessante foi que os scores médios de divergência para cada região do cérebro, dentro do sistema de recompensa ou da rede comportamento social, não evidenciaram que um sistema tenha sofrido mais mudanças do que o outro durante a evolução dos vertebrados. Além disso, as alterações nos perfis neuroquímicos nestes dois sistemas são uniformemente distribuídas através das transições importantes de evolução dos vertebrados.

Entre os produtos neuroqímicos que mostraram maior variação em termos de sua distribuição através da rede de tomada de decisão social estão o TH (Dmédia = 0.6), arginina vasopressina (AVP; Dmédia = 0.5), and oxitocina (OXY; Dmédia = 0.4), euquanto o perfil de expresão dos receptores de oxitocina (OTR; Dmédia= 0.0) e progesterona (PR; Dmédia = 0.0) estão entre os mais conservados.e os perfis de exprressão do receptor androgênico (AR; Dmédia= 0.2) e subtipo D1 do receptor de Dopamina (D1aR; Dmédia = 0.3) mostram pouquíssima variação. Medidas complementares que avaliaram diferenças potenciais na distribuição espacial das moléculas ligantes e dos receptores também foram calculadas através das médias dos scores de divergência para cada produto neuroquímico dos genes através das diversas regiões cerebrais. Os resultados dessa análise mostraram que a variação da distribuição especial de ligantes (TH, aromatase, AVP, e OXY) é significativamente maior dp que a dos receptores (AR, V1aR, D1aR, ER, OTR, and PR)

A distribuição das moléculas ligantes mostra outra peculiaridade, exibindo um padrão bem heterogêneo ao longo do tempo, com duas dramáticas mudanças. A primeira marcada pela alteração do número de nós da rede de tomada de decisão social que contem células produtoras de TH, tendo ocorrido cerca de 450 milhões de anos atrás, quando as linhagens que deram origem aos actinopterígeos e dos sarcopterigeos compartilham um ancestral comum; e a segunda em que diversos nós de rede tomada de decisão social adquiriram células que expressam os neuropeptídeos AVP e OXY, que ocorreu quando as aves separam-se dos répteis, há aproximadamente 220 milhões de anos ou mais.

 

Infelizmente, as informações sobre os répteis são limitadas na amostragem do estudo apenas aos Lepidossáurios (como lagartos e serpentes), por causa da falta de dados de Testudines (tartarugas, cágados, jabutis etc) e crocodilianos, estes últimos sendo o grupo dos Arrcossauros vivo mais próximo das aves. Aqui também, em contraste com o padrão dos ligantes, poucas mudanças ocorreram nos padrões de distribuição espacial dos receptores nos últimos de 450 milhões.

Em resumo, embora as redes e seu padrão geral de interconexão tenham perdurado pelos últimos 450 milhões de anos com pouca alterações, os locais de produção de moléculas ligantes variaram bem mais do que o das moléculas receptores, em geral expressas nas membranas celulares ou no citoplasma celular.

A conservação nas distribuições dos receptores pode ser explicada, de acordo com os autores, pela persistência de certas restrições adaptativas e oportunidades ecológicas que continuam muito semelhantes há muito tempo, enquanto, diferenças nos modos de vida e ecologia de cada linhagem em associação com restrições filogenéticas, podem ter determinado onde e como os sinais sociais de diversas modalidades eram pesados e processadas no cérebro, com esses ajustes acontecendo por meio de mudanças nos locais de produção de certas moléculas ligantes.

Este padrão de evolução é semelhante ao observado nos mecanismos de desenvolvimento ontogenético em que variações nos planos corporais e nos padrões de coloração, geralmente, estão associadas a mudanças nos padrões de expressão espacial de moléculas ligantes morfogenéticas. Portanto, de maneira análoga, mudanças nos padrões de expressão de moléculas ligantes no cérebro (e ao longo do embrião) em novas regiões que resultam em mudanças mais suaves, devem acompanhar a evolução de novos modos de vida e dos sistemas sociais (e de alterações morfológicas), o que é totalmente consistente com os efeitos pleiotrópicos de muitos desses ligantes, empregados em várias fases, processos e sistemas ao longo do desenvolvimento.

 

 

Em compensação, como os receptores estão mais associados com processos de sinalização intracelular envolvendo complicadas redes bioquímicas de transdução de sinal, como os que controlam processos como diferenciação, espera-se que estas moléculas sejam menos passíveis de mudanças sem causar grandes danos, especialmente em seu padrão espacial de distribuição, já que a mudança nesses padrões implicariam em mudanças na distribuição espacial de muitas outras proteínas que formariam redes de interação intracelular.

Esta ideia relaciona-se ao conceito de modularidade que tem sido muito explorado pelos estudiosos da Evo-Devo. Os módulos podem existir em diversos níveis da organização biológica, deste estruturas morfológicas e sistemas, passando por órgãos e tecidos, e chegando às redes genéticas e aos circuitos bioquímicos intracelulares. Estes módulos apresentariam um alto nível de autonomia e integração interna (isto é, interconectividade com os demais constituintes do módulo em si) e um nível menor de ligação e dependência de outros módulos, interagindo com eles de maneira mais frouxa, através de menos  moléculas. Desta maneira, módulos diferentes poderiam ser combinados mais facilmente do que simplesmente reestruturados, sendo recorrentemente empregados a partir da simples alteração dos padrões de expressão das moléculas que controlariam a interação entre módulos que no caso em particular seriam mais comumente ligantes difusíveis, como os neurotransmissores, neuromoduladores e hormônios citados.

Como um fenômeno recorrente na evolução, de posse dessas informações, os dois cientistas sugerem que muitas das grandes diferenças nos padrões comportamentais exibidos pelas várias linhagens e espécies de vertebrados – ao invés de demandarem alterações drásticas e muitas inovações neurogenéticas – provavelmente se deram pelo rearranjo e reorganização desses sistemas neuroendócrinos que são altamente conservados. Assim, a evolução sociocognitiva dos vertebrados se deu por pequenas mudanças em um padrão de organização neural e genético básico prévio e que tem perdurado pelos últimos 450 milhões de anos.

 

Este tipo de estudo que emprega a abordagem comparativa e múltiplas ferramentas da moderna genética molecular e bioinformática, complementa os estudos mais focados em grupos específicos, como os realizados com o peixe-zebra. Ambos os tipos de estratégias podem iluminar-se uma a outra ajudando a formular e testar hipóteses de maneira integrada. É impressionante a quantidade de conhecimentos que temos acumulados nas últimas décadas e ao mesmo tempo o quanto ainda desconhecemos. Certamente são temos empolgantes para os biólogos evolutivos e para ampliação da teoria evolutiva que vai muito bem, como nunca antes esteve.

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*O termo ligante, como empregado por farmacologistas e bioquímicos, diz respeito a moléculas (em geral de pequeno tamanho e difusíveis) que ao interagirem com outras moléculas, geralmente chamadas de receptores, produzem algum tipo de atividade biológica específica. Em sentido mais restrito denomina a molécula que ao se ligar-se a uma proteína receptora de membrana (ou uma proteína receptora citoplasmática ou nuclear) desencadeia uma série de sinais intracelulares que alteram o estado, função e/ou padrão de expressão gênico de uma célula, isso ocorre pela alteração do estado conformacional da proteína receptora que dispara uma cascata de eventos bioquímicos de transdução de sinal, como formação de segundos mensageiros, fosforilação e desfosforilação de proteínas, liberação de cálcio e ativação ou inibição da transcrição gênica. A associação entre receptores e ligantes me geral é reversível e se dá através dos mesmos mecanismos e forças de interação não-covalentes que estão envolvidas nas interações entre enzimas e substratos, como interações iônicas e formação de pontes salinas, ligações de hidrogênio, forças de van der Waals etc

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Referências:

  • O’Connell LA, & Hofmann HA (2012). Evolution of a vertebrate social decision-making network. Science (New York, N.Y.), 336 (6085), 1154-7 PMID: 22654056 [Link]
  • O’Connell LA, & Hofmann HA (2011). The vertebrate mesolimbic reward system and social behavior network: a comparative synthesis. The Journal of comparative neurology, 519 (18), 3599-639 PMID: 21800319 [Link]
  • Sarah M. Zala, Ilmari Määttänen, Dustin J. Penn. Different social-learning strategies in wild and domesticated zebrafish, Danio rerio. Animal Behaviour, 2012; 83 (6): 1519 DOI: 10.1016/j.anbehav.2012.03.029 [Link]

Créditos das figuras:

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Ainda vivos e evoluindo: A diversidade dos modernos Celacantos do leste da costa Africana

Os celacantos são um grupo de peixes de extremo interesse para os cientistas. Para quem não conhece a história, essas criaturas foram consideradas extintas por muitos anos, sendo somente conhecidas através de seus restos fósseis, até que em 1938 um espécimen vivo foi capturado por um barco de pesca na costa leste da África e trazido a atenção do mundo por Marjorie Courtenay-Latimer. Desde então outros espécimens tem sido capturados e filmados em seu ambiente e muitas pesquisas tem sido realizadas com estes incríveis animais.

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Um dos fatos mais óbvios e surpreendentes sobre os celacantos é que essas criaturas permaneceram praticamente sem modificações em sua morfologia, pelo menos no que pode ser reconstruído pelos fósseis, por cerca de 70 milhões de anos, desde sua última aparição no registro fóssil (mas mesmo antes disso, não tendo mudado muito desde o Devoniando médio), personificando a ideia de ‘fósseis vivos‘. Porém, como outras espécies de animais e plantas que existem nos dias atuais – e que podem ser rastreadas através do registro geológico por milhões de anos com poucas modificações morfológicas em relação a seus parentes e possíveis ancestrais mais antigos – a Latimeria chalumnae não ficou completamente congelada no tempo, adaptando-se as condições ambientais e exibindo certa diversidade, apenas manteve muitas características morfológicas em seus estudados primitivos. Mas o ponto importante é que esse (e outros organismos) jamais deixou de evoluir em sentido mais amplo, como já era de se esperar, e como vários estudos vêm confirmando em cada vez maior nível de detalhe.

Seus genes não pararam de mutar e pressões seletivas de natureza ecológico-demográgica e flutuações estocásticas em suas taxas de nascimento e morte não deixaram de afetar as populações desses fantásticos animais através das gerações. Por causa disso o próprio termo ‘fóssil vivo’ deve ser empregado com cuidado.

Obviamente os mais interessados nestas criaturas são os biólogos evolutivos, pois os celacantos  fornecem várias informações sobre a evolução biológica de maneira geral e especialmente sobre as origens de nossa linhagem, a dos vertebrados tetrápodes. Porém, como infelizmente os celacantos pertencem a uma espécie rara e em risco de extinção, ecologistas e especialistas em biologia da conservação  mantém-se muito atentos para com estes animais, felizmente, já empreendendo esforços para sua conservação.

Por causa desse interesse primordial na evolução do grupo e nas origens dos vertebrados mais modernos, a maioria dos estudos genéticos até bem pouco tempo com Latimeria chalumnae* concentravam-se basicamente nas suas diferenças para com outros grupos de vertebrados vivos, principalmente os peixes pulmonados que, como os celacantos, tem suas origens próxima ao ponto de bifurcação que deu surgimento a nossa própria linhagem, a dos ‘peixes tetrápodes’, ou ‘peixápodes’, como chamam alguns. Esses animais já possuíam as nadadeiras lobadas, diferentes das raiadas características dos teleósteos que são os peixes ósseos que estamos acostumados a pescar e a preparar em nossos jantares.

Assim, os celacantos e os peixes pulmonados, entre os peixes modernos, são os dois possíveis candidatos a espécies representantes do grupo irmão vivo dos tetrápodes, além da possibilidade de que eles sejam mais fortemente relacionados uns com os outros do que os demais vertebrados (essas hipóteses são ilustradas pelas árvores I, II e III da figura abaixo).

Os dados infelizmente têm sido ambíguos neste quesito, com conjuntos diferentes favorecendo hipóteses diferentes. Mais recentemente uma análise feita em 2004 conduzida a partir das seqüências de 44 genes nucleares – que codificam os resíduos de aminoácidos em 10,404 posições nas sequências dessas biomoléculas – buscou resolver esta situação, mas mesmo esse vasto conjunto de sequências, entretanto, não foi suficiente para dar maior apoio conclusivo a nenhuma das três hipóteses. Talvez isso sugira que as linhagens de celacantos, peixes pulmonados, e tetrápode tenham divergido em um intervalo de tempo muito curto para ser detectado, dando a impressão que a as os três grupos tenham divergido ao mesmo tempo de seu ancestral comum, dando origem a uma tricotomia, com é ilustrado pela árvore IV.

Outro estudo, ainda mais recente, publicado no ano passado, empregou métodos Bayesianos sob o modelo de coalescência implementado pelo programa BEST (Bayesian Estimation of Species Trees ou ‘Estimativa Bayesiana de árvores de espécies‘), para realizar uma análise filogenética de sete táxons relevantes, a partir de um conjunto de dados de 43 sequências de nucleares genes codificadores de proteínas por meio do método jackknife (uma técnica de reamostragem em que são usados subconjuntos da amostra original para avaliar a precisão da estatística estimada) para táxons sub-amostrados. Um estudo anterior feito pelo mesmo grupo e mesmo conjunto de dados usando três métodos filogenéticos bastante usados e três abordagens diferentes em escala genômica, já haviam consistentemente rejeitado a hipótese de que os celacantos fossem os parentes vivo mais próximo dos tetrápodes.

As análises deste novo estudo consistentemente reconstruíram (através de métodos Bayesianos sob o modelo de coalescência) em 17 dos 21 conjuntos de táxons analisados, o clado formado pelos peixes pulmonados e celacantos, como sendo grupos irmãos, com probabilidades posteriores Bayesianas tão altas como 99%. Além disso, o clado formado pelos peixes pulmonados e tetrápodes só foi inferida de poucos conjuntos de dados e nem os clados celacanto-tetrápode nem peixe pulmonados-celacanto-tetrápode foram recuperados de todos os 21 conjuntos de taxons. Os pesquisadores em função desses resultados, concluíram que a hipótese mais plausível é a de que os peixes pulmonados e celacantos formem um táxon monofilético e esse sim seria o grupo mais proximamente aparentado com os tetrápodes.

 

Mas mais recentemente, outros estudos têm ampliado este escopo, especialmente sabendo que os celacantos dividem-se em várias populações – ocorrendo na costa oriental da África, da África do Sul até o Quênia – estudos sobre a diversidade genética dentro da espécie começaram a ser conduzidos. Um exemplo é o trabalho relatado este mês na revista Current Biology que traz informações pertinentes ao conhecimento da ecologia e portanto a conservação desses animais

O estudo contou com a participação de pesquisadores de diversas instituições da Alemanha, Suíça e Tanzãnia e analisou amostras de 71 espécimens adultos de Latimeria chalumnae de toda a área conhecida de distribuição desta espécie. As informações referentes a dinâmica populacional e ao fluxo gênico podem por exemplo ajudar a determinar a capacidade de sobrevivência das populações celacanto na África e agregar-se aos esforços de conservação.

A variação genética intraespecífica e interpopulacional foi avaliada a partir da análise do padrão de microssatélites, pequenas sequências repetitivas de DNA que variam em comprimento e servem como marcadores genéticos de diversidade. O estudo como esperado revelou uma baixa diversidade o que denota uma evolução mais lenta, com a taxa de heterozigosidade diferindo bastante entre indivíduos, mas de modo geral mantendo-se baixa (0.44 ± 0.18). Mas padrões específicos de variações em certos trechos genômicos que distinguem populações de diferentes localidades, sugerindo divergência e adaptações as condições locais como já era suspeitado. A genotipagem de pelo menos 9 dos 14 microssatélites loci analisados foi possível em 70 espécimens, mostrando níveis significativos de diferenciação. Foram econtrados alelos particulares em 10 dos 14 loci analisados e 12 alelos eram específicos das populações das ilhas Comoros, 3 das populações da África do Sul e 13 da Tanzania.

Análises adicionais foram feitas com DNA mitocondrial, a partir de seqüências de D-loops mitocondriais** provenientes de 62 indivíduos, 13 dos quais eram novos espécimens da Tanzânia. Os resultados confirmaram o padrão geral de baixa diversidade genética que podem ser explicados pela taxa evolutiva muito lenta em Latimeria chalumnae ou por divergência entre os haplótipos*** muito recente, quem sabe, após a espécie de passado por um gargalo de garrafa em que a população sofreu uma drástica redução em seu contingente demográfico.

Os pesquisadores originalmente assumiram que os celacantos da c osta Leste africana derivaram-se da população das ilhas Comores, desde então, diversificando em outras duas populações independentes, respectivamente, na África do Sul e na Tanzânia. Mas apesar desse padrão ter sido confirmado, com as análises de atribuição evidenciando uma subdivisão das amostras em três diferentes populações correlacionadas com três regiões geográficas, respectivamente, Comoros, Tanzânia e África do Sul. Contudo, a história mostrou-se mais complicada, uma vez que as as população de Comores parece estar subdividida em dois diferentes grupos genéticos. Por isso, mesmo que não possamos negar que a taxa de evolução molecular mantem-se lenta, existem evidências que os celacantos ainda estão se diversificando e, portanto, parecem ser capazes de adaptarem-se às novas condições ambientais.

Em seu artigo, os autores chamam nossa atenção pata o fato que inicialmente pensava-se que havia apenas uma única população viável nas ilhas Comores que deveria abrigar cerca de 400 indivíduos, no máximo e durante algum tempo as capturas esporádicas de espécimens de Latmeria localidades como Moçambique e Madagascar eram simplesmente desconsideradas sendo atribuídas a indvíduos desgarrados e acidentalmente transportados por correntes fortes. Mas com o tempo, as descobertas de um número de indivíduos na Tanzânia e África do Sul associada uma investigação mais aprofundada sobre a ecologia dessas localidades mostrou que realmente haviam pequenas populações Latimeria viáveis nestas regiões.

Um estudos anterior, publicado no ano passado na revista PNAS com outras amostras material genético de celacantos, já havia mostrado que a população fora da costa norte da Tanzânia é geneticamente diferenciada das populações do litoral sul da Tanzânia e das ilhas Comores. Neste mesmo estudo, seus autores estimaram que a população localizada no litoral sul da Tanzânia e de Comores devem ter divergido de outros celacantos a pelo menos 200.000 anos atrás. Neste estudo foram analisadas as seqüências de um espécimen da Tanzânia e dois das ilhas Comores e mais em conjunto com mais dois genomas mitocondriais completos e outros sequências de 47 D-loops disponíveis na literatura.

A figura acima, retirada do artigo [Current Biology, Volume 22, Issue 11, 5 June 2012 doi:10.1016/j.cub.2012.04.053] resume os resultados das análises. Em A podem ser vistas as análises de agrupamento genético usando de 2 a 5 grupos (K = 2 a K = 5). Os softwares STRUCTURE e TESS forneceram como o mais provável número de grupos em que poderiam ser agrupados os dados genéticos estando entre 3 e 5, sendo que 4 grupos parece ser o resultado mais informativo. Nesta parte da figura cada coluna representa um indivíduo com a fração de cada grupo (em cores) dada no eixo y. Assim a população das ilhas Comores é dividida em dois grupos diferentes, desde o início (K = 2), sugerindo uma subdivisão bastante grande desta população; com as amostras Tanzânia dividindo-se logo em seguida (K = 3) e com evidências mostrando haver uma população mais geneticamente distinta na África do Sul (K = 4). Em B é mostrada análise de componentes principais (outra técnica de análise multivariada) dos indivíduos, com eixo x (referente ao primeiro componente), sendo é significativa (p = 0,001), mas o mesmo não ocorrendo com o segundo componente, correspondente ao eixo y. As diferentes regiões geográficas são codificados por cores. Em C está representada a rede de haplótipos para todos os 9 haplótipos de DNA mitocondrial identificados na região de controle de Latimeria chalumnae (H1 a H9). Para a comparação é fornecida a conexão com o haplótipo da região controladora do DNA mitocondrial de outra espécie de celacanto da Indonésia, Latimeria menadoensis*. Diferentes cores retratam a área geográfica onde o haplótipo respectivo foi encontrado. E o tamanho dos círculos correlacionam-se com o número de indivíduos em que se verificou este haplótipo particular. Estar presente. Em D podemos observar a distribuição geográfica de haplótipos da espécie L. Chalumnae, com haplótipos diferentes sendo mostrados por cores diferentes e o diâmetro do círculo correlaciona-se com o número de indivíduos investigados neste local.

De acordo com os cientistas, esses dados dão apoio a hipótese de que essas populações devem ter inicialmente vindo das ilhas Comores, mas desde que foram separados divergiram geneticamente de sua população ancestral, principalmente, por que o fluxo gênico constante entre as populações africanas celacanto parece ser bastante improvável devido a distância geográfica entre, por exemplo África do Sul e Ilhas Comores, sendo restrito, pelo menos em uma direção, por causa de fortes correntes marinhas.

 

No mínimo essas estimulantes descobertas mostram como a evolução não para. Assim, mesmo que seu passo diminua e que certas características mudem muito pouco, de algum modo, os seres vivos estão sempre mudando através das gerações, nem que seja apenas para ficarem como estão, vivos.

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*Existe uma segunda espécie viva do gênero Latimeria, chamada de Latimeria menadoensis de coloração marrom, encontrada nas águas da Indonésia e trazida a atenção da comunidade científica em 1997. Diferente da espécie Latimeria chalumnae de coloração azulada, L. Menadoensis possui tonalidades mais próximas ao marrom e os cientistas acreditam ter divergido da espécie Africana cerca de 30 ou 40 milhões de anos atrás.

**’D-loop’ ou ‘Displacement loops‘ (‘Laços de Deslocamente’) é um tipo de estrutura de DNA na quel as duas cadeias da molécula de cadeia dupla do DNA estão separadas por um estiramento e são mantidas assim afastadas por um terceiro tipo de DNA. Essas estruturas existem nas mitcôndrias em formas semi-estáveis.

***Haplótipos são combinações de alelos (variantes genéticas) em regiões adjascentes (isto é loci próximos um do outro) nos cromossomos que são transmitidas em bloco dada a baixa recombinação, e que por isso não se encontram no chamado equlíbro de ligação, ou seja, com algumas combinações sendo mais comuns do que outras. Os tipos, tamanhos e frequências desses haplótipos são indicadores de divergência evolutiva.

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Referência:

  • Lampert, K., Fricke, H., Hissmann, K., Schauer, J., Blassmann, K., Ngatunga, B., & Schartl, M. (2012). Population divergence in East African coelacanths Current Biology, 22 (11) DOI: 10.1016/j.cub.2012.04.053

 

Literatura Adicional Recomendada:

  • Brouwers, Lucas Coelacanths are not living fossils. Like the rest of us, they evolve Thoughtomics Scientific American Blogs February 6, 2012.
  • Fricke, H., Hissmann, K., Froese, R., Schauer, J., Plante, R., & Fricke, S. (2011). The population biology of the living coelacanth studied over 21 years Marine Biology, 158 (7), 1511-1522 DOI: 10.1007/s00227-011-1667-x
  • Shan, Y., & Gras, R. (2011). 43 genes support the lungfish-coelacanth grouping related to the closest living relative of tetrapods with the Bayesian method under the coalescence model BMC Research Notes, 4 (1) DOI: 10.1186/1756-0500-4-49
  • Takezaki, N. (2004). The Phylogenetic Relationship of Tetrapod, Coelacanth, and Lungfish Revealed by the Sequences of Forty-Four Nuclear Genes Molecular Biology and Evolution, 21 (8), 1512-1524 DOI: 10.1093/molbev/msh150

Créditos das Figuras:

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Ver ou não ver? Eis a questão do fanerozóico?

Somos animais visuais e tomamos nossa capacidade de formar imagens (e nos guiar por elas) como fundamental e consideramos os olhos uma das grandes maravilhas biológicas. O problema é que esta justa admiração ResearchBlogging.orginfelizmente leva muitas pessoas, que não compreendem ou não querem compreender o proceso de evolução biológica, negando-o de antemão, a ver a visão e a origem dos olhos como grandes obstáculos às explicações evolutivas e, portanto, incompatíveis com uma perspectiva de compreensão naturalística através das ciências. Esta percepção distorcida entretanto é facilmente desmentida pela própria constatação da diversidade dos olhos entre os animais e mesmo da existência de sistemas de detecção de luz mesmo em vários microrganismos unicelulares.

Como percebeu Darwin [veja o capítulo 6 do seu “Origem das espécies“], os diversos tipos de olhos das espécies vivas – por exemplo em vários grupos de animais como os moluscos – nos fornecem um modelo rudimentar de como a evolução pode ter originado tais estruturas a partir de sistemas muito simples que teriam sido incrementalmente modificados atẽ os mais complexos olhos com cameras e lentes ou os olhos compostos dos insetos, passando por várias etapas intermediárias, todas representadas em organismos viventes. Na figura a esquerda [wikicommons; Autor:  Remember the dot] podem ser observados alguns desses tipos de olhos que ilustram a fases teorizadas como tendo dado origem aos tipos de olhos com camera exibidos pelos vertebrados e certos invertebrados, como os cefalópodes.

Mesmo que nos limitásemos apenas aos órgãos capazes de formar imagens, esta diversidade ainda sim é impressionante, ainda que existam certos padrões gerais através do quais podemos classificar os tipos de olhos. Na realidade, as evidências mostram que os olhos evoluíram de maneira mais ou menos independente, diversas vezes ao longo da história recente de nosso planeta, possivelmente a partir de um “kit de ferramentas genético-desenvolvimental” que envolvia genes como o famoso PAX-6, provavelmente compartilhado pelo ancestral animal bilateral mais antigo e que deveria estar ligado a manchas epiteliais inervadas sensíveis a luz*. Esta simples observação nos mostra que os olhos não devem ser tão difíceis de evoluírem assim e além disso devem trazer muitas vantagens aos seus possuidores, possivelmente abrindo novos nichos e oportunidades ecológicas. Assim o surgimento e evolução, em multiplas linhagens, de olhos de maneira independente estão profundamente entrelaçadas com a diversificação dos grupos animais que ocorreram a partir do cambriano.

A ‘explosão cambriana’ marca o ínicio da era atual, a Fanerozóica (que se segue a proterozóica), era em que a vida animal torna-se evidente e abundante no registro fóssil, abrangendo os últimos 542 milhões anos. Embora vários cenários que buscam dar conta desses eventos tenham sido propostos – e que podem ser grosseiramente divididos entre os que estipulam causas internas e externas – ainda tenhamos muitas dúvidas sobre os detalhes dos processos e mecanismos envolvidos**.

Felizmente, o registro fóssil é muito mais do que uma fonte apenas para estudos das mudanças dos padrões qualitativos das biotas e para a investigação das transições evolutivas. Graças a compilação de uma miríade de dados quantitaivos e sua disponibilização em bancos de dados como Paleobiology Database – em que estão depositadas ocorrências de táxons de animais marinhos e terrestres e plantas de várias eras ou períodos geológicos, assim como softwares online para análise estatística desses dados – é possível testar certas hipóteses sobre o que teria causado esses e outros eventos.

Entre as questões que podem ser investigadas através desse bancos de dados de ocorrências fósseis estão as relacionadas a quais características biológicas teriam promovido o sucesso evolutivo e como estes fatores relacionam-se com a dinâmica ecológica e com a biodiversidade especialmente em resposta à mudanças globais.
Entre essas hipóteses, o papel adaptativo da visão, e portanto dos olhos formadores de imagem, pode ser avaliado ao compararmos os padrões de diversificação, sobrevivẽncia e extinção de linhagens com e sem olhos, bem como daquelas com níveis intermediários em suas capacidade visuais de acordo com o que poderia ser inferido pelos fósseis de maneira direta ou indireta ou a partir da comparação com espécies remanescentes visuais de alguns dos grupos fósseis investigados que pudessem através de análise filogenética serem razoavelmente assumidos como também possuidores de visão***.

Martin Aberhan, Sabine Nürnberg e Wolfgang Kiessling na Universidade Humboldt, em Berlim, na Alemanha, fizeram exatamente isso e testaram a hipótese de que olhos formadores de imagem teriam contribuído para a diversificação de grupos taxonômicos no passado geológico (Paleobiology 38(2):187-204. 2012 doi: http://dx.doi.org/10.1666/10066.1). O estudo foi conduzido com base nas ocorrências fósseis de mais de 17.000 gêneros de invertebrados marinhos do fanerozóicos contidos no Paleobiology Database, uma grande base de dados cujo objetivo é fornecer a dados das ocorrências de táxons de animais marinhos e terrestres e plantas de qualquer era ou período geológico, assim como software online para análise estatística desses dados.

O grupos de invertebrados marinhos usados nos estudo englobaram macroinvertebrados epibenticos, nectônicos e planctônicos de modo que as comparações e análises fossem ecologicamente coerentes, portanto, concentrando-se apenas em grupos não-infaunais, já que as linhagens pertencentes a infauna, que vivem nos sedimentos, não tem uma papel destacado para a visão. As linhagens analisadas usavam a visão basicamente para orientar-se no espaço, navegar em seu ambiente, evitando predadores e localizando alimento e eventualmente parceiros. Por causa desses papéis ecológicos, como já havia aludido, a visão pode muito bem ser uma força motriz para evolução promovendo através de pressões de seleção a diversificação dos táxons com olhos.

Esta questão insere-se em um quadro paleobiológico mais amplo que diz respeito ao nível em que a diversificação dos organismos é controlada por características biológicas como inovações evolutivas importantes. Os olhos são portanto um dos principais candidatos a uma dessas característica biológicas chave que através de mecanismos ecológicos, orientados pela aquisição dessa característica especial (como entrada em uma nova zona adaptativa e aumento da competitividade) poderiam levar a radições adaptativas. Neste último caso, a competividade conferida pela capacidade de formar imagens e orientar-se através delas em um meio ambiente cada vez mais complexo pode ter deflagrado uma espécie de ‘corrida armamentista evolutiva’. Isso ocorreria por que a visão poderia em um momento inicial facilitar a predação e portanto funcionaria como pressão para a evolução de estratégias de evasão, incluindo as que dependessem de visão elaborada por parte das presas que, por sua vez, funcioanariam como pressão para os predadores, mais uma vez favorecendo indivíduos e taxons capazes de ver com maior acuidade, por exemplo**.

Apesar da atração inicial desta hipótese, existem algumas questões relevantes que precisam ser mantidas em mente quando esta ideia é testada. Primeiro, a visão em si pode não ser o fator per se responsável pelo sucesso ecológico e portanto pela diversificação dos taxons, mas sim alguma característica intimamente associada a ela e mesmo conferida por ela, como a habilidade de navegar em certos ambientes. Isso é importante pois existem linhagens cujos representantes podem ter perdido a habilidade de locomover-se de maneira dinâmica e mesmo assim manterem a visão, portanto, potencialmente podendo confundir as análises.

Além disso, existe a possibilidade da aquisição da capacidade de formar imagens não promover a diversificação. Isso poderia ocorrer por causa das demandas metabólicas associadas aos órgãos da visão e a necessidade de reordenação dos sistemas neurais responsáveis pela integração dos estimulos visuais, sem mencionar que estes sistemas visuais poderiam também depender do desvio de recursos de outras áreas, como os associados a reprodução e crescimento. Esta situação poderia assim exigir certos ‘trade offs‘ (soluções de compromisso) onde recursos associados a outros sistemas sensoriais (no caso dos invertebrados marinhos basicamente quimiosensitivos) precisariam ser alocados para a visão e seu processamento. Talvez por causa disso os custos associados a evolução de olhos fossem muito altos e apenas em circunstâncias ecológicas muito específicas é que a visão poderia se estabelecer como realmente vantajosa. Isso poderia portanto compensar as vantagens conferidas pela posse de sistemas formadores de imagem ao longo do tempo. Por exemplo, em estudo anteriores De Queiroz citado no artigo  da revista Paleobiology pelos autores do estudo comparou várias espécies atuais possuidoras de visão com seus grupos irmãos (espécies bem aparentadas) mais que não eram capazes de ver e não encontrou nenhuma correlação positiva entre a posse de olhos formadores de imagem e a riquesa de espécies.

 

Os autores do estudo também investigaram uma outra hipótese relacionada a visão, conhecida como a ‘hipótese da turbidez’ que afirma que a diversificação da fauna com visão seria favorecida em ambientes de águas mais claras comparado aos em que a água fosse mais turva. De acordo com Marcotte que propôs esta hipotése em 1999, durante o fanerozóico os níveis mínimos de turbidez das águas teriam sido ocasionados pela diminuição do aporte de sedimentos descarregados nos mares, período em que os taxons capazes de ver teriam sido favorecidos e se diversificado; enquanto que nos períodos de turbidez máxima, os clados que não se orientavam visualmente e as estratégias de evasão de predação teriam sido as mais favorecidas.

Os 17000 gêneros que foram triados das mais de 300000 ocorrências depositadas da base de dados foram classificados de acordo com suas capacidades visuais, sendo separados em três grupos:

1) Cegos ou com visão muito fracamente desenvolvida (por exemplo, aqueles invertebrados que só possuiam fototaxia, ou seja, atraídos pela luz);

2) Capacidades visuais limitadas (por exemplo, aqueles animais capazes de perceber variações de sombra e detectar objetos);

3) Com visão bem desenvolvida (por exemplo, aqueles animais que possuiam efetivamente olhos formadores de imagem e visão estereoscopica).

Mais especificamente, foram avaliadas a diversidade proporcional, as taxas de originação dos grupos taxonômicos e as taxas de extinção das linhagens com visão versus as sem visão. A diversidade proporcional foi escolhida ao invés da absoluta para minimizar artefatos, pois esta seria mais adequada às comparações dentro de táxons e mais indicada para revelar quando uma linhagem diversificou-se mais do que outra que também pode ter se diversificado no mesmo período.

Para o cálculo da diversidade foram somados o número de gêneros que conjuntamente cruzam a fronteira inicial de um intervalo com aqueles que se originam neste mesmo intervalo e persistem até o  intervalo de tempo seguinte. Os intervalos de tempo eram de 11 milhões de anos, totalizando 49 intervalos em todo o fanerozoico, seguindo o mesmo padrão usado em estudos anteriores. A diversidade proporcional de gêneros dos principais grupos de macroinvertebrados não pertencentes a infauna marinha pode ser visualizada na figura ao lado (correspondente a figura 1 do artigo).

Na figura estão marcadas por linhas tracejadas verticais as posições das tradicionais ‘Cinco Grandes Extinções em massa como descrito por Raup e Sepkoski em 1982. [Cm, Cambriano, ó, Ordoviciano, S, Siluriano; D, Devoniano; C, Carbonífero; P, Permiano, Tr, Triássico; J, Jurassico; K, Cretáceo; Pg, Paleógeno; N, Neógeno.]

Para o trabalho também foram calculadas as taxas de originação e extinção por intervalo de tempo, seguindo o que havia sido feito por Foote (também citado no artigo), mas sem a padronização para a duração dos intervalos de tempo. Já para avaliar a hipótese da turbidez de Marcotte de maneira quantitativa, os três pesquisadores contrastaram a diversidade de gêneros daqueles que tinham preferência por ambientes carbonatados com a diversidade daqueles que tinham maior afinidade por ambientes siliciclásticos. Os ambientes carbonatados como tendem a ter menos partículas em suspensão foram usados como potenciais indicadores de baixa turbidade, em contraste, com os ambientes siliclástico que costumam ter bem mais partículas em suspensão e por isso foram usados como indicadores de alta turbidez.

Para certificarem-se da completude da amostra e minimizar artefatos de amostragem, os autores do trabalho aplicaram alguns métodos específicos. Na tabela ao lado podem ser vistas duas métricas diferentes de completude estratigráfica que indicam que o registro fóssil tanto dos gêneros do fanerozóico de invertebrados com e sem visão eram igualmente completos.

Os autores avaliaram a existência de tendências dentro de linhagens específicas, envolvendo gêneros com e sem visão, através de testes de correlação simples, usando o Rho de Spearman, restringindo as avaliações aos intervalos de tempo durante os quais existiam organismos com ambas as características visuais (com e sem visão). Já a existência de diferenças quantitativas significantes entre as taxas de diversificação foram identificadas usando-se o Critério de Informação de Akaike (Akaike’s Information Criterion, AIC) e através da comparação como modelos de taxa única e modelos de taxas duplas, selecionando os modelos caso eles de acordo com o AIC tivessem um peso Akaike maior que 0,89, como estipulado em estudos anteriores.

Este critério funciona como uma medida do ‘grau de ajuste’ (‘goodness of fit‘) de um modelo estatístico aos dados – ou seja, serve como um sumário das discrepâncias entre valores observados e os esperados dado um modelo em particular – tendo sido desenvolvido por Hirotsugu Akaike na década de 70, baseando-se no conceito de entropia da informação. O AIC é uma medida relativa da perda de informação quando um determinado modelo é usado para descrever a realidade, mantendo em equilibrio a precisão e a complexidade do modelo. Esse critério acaba por fornecer um método de escolha e seleção de modelos, sendo uma ferramenta indicada para avaliar o ajuste relativo entre vários modelos, uma vez que não é um teste convencional em que o modelo é comparado a um modelo/hipótese nula, por exemplo.

A princípio as análises, levando-se em conta a matriz total de dados, mostraram que os gêneros de invertebrados marinhos com visão eram menos diversos do que os gêneros cegos durante o fanerozoico, como mostra a figura abaixo (a figura 2 do artigo), com a diversidade proporcional dos gêneros com visão tendo ocorrido no cambriando médio durando até o Ordoviciano médio e permanecedno bem baixa após o ordoviciano. Este nítido aumento dos taxons com visão durante o Cambriano reflete basicamente a ascenção dos trilobitas que substituíriam a chamada fauna conchosa que marca o começo da explosão cambriana e para a qual não há quaisquer evidências de que estes animais primitivos possuissem olhos.

Assim, apesar do pico na diversificação dos grupos com olhos – encabeçado pelos trilobitas, que pôde ser constatado a partir da análise do conjunto completo de dados -, os trilobitas com capacidades visuais, como um todo, tenderam a declinar proporcionalmente em diversidade ao longo do tempo, apesar de alguns grupos de trilobitas terem feito parte da radiação que ocorreria no Ordoviciano. Esse pico na diversidade proporcional dos gêneros com visão, no início do fanerozóico, que foi seguido pela dimunição e estabilização da diversidade destas linhagens e sua manutenção em níveis relativamente baixos após o Ordoviciano, não corrobora a hipótese testada, pelo menos em sua versão mais forte, isto é, a de que os olhos trariam vantagens tão grandes para os animais que induziriam o aumentos na proporção das linhagens de animais com esta características, de modo que este padrão pudesse ser percebido em todos grupos analisados simultaneamente.

Dois seriam os fatores que poderiam ser responsáveis por este padrão que produziu um pico nos genêros com visão no começo do paleozóico, seguido de queda e estabilização a níveis mais baixos após o ordoviciano. O primeiro fator estaria associado com a explosão cambriana e seus ecos que persistiriam em períodos subsequentes. Neste primeiro caso, o surgimento de predadores macroscópicos e o aumento dos tamanhos corporais dos organismos vivos que ocorreram durante o cambriano teriam propelido (e se combinado com) as mudanças no padrão dos substratos, que passaram dos tapetes microbianos (‘matgrounds’), mais homogêneos do proteorozoíco, para o padrão mais complexo (‘mixgrounds’) do fanerozóico provacado por bioturbação – isto é, derivados da atividade biologica, provavelmente, de animais que escavam, remexiam e viviam em tocas e tubos do solo, movimentando e misturando os sedimentos, passando a perturbar os tapetes microbianos originais – teriam aumentado a complexidade desses ecossistemas, favorecendo organismos que pudessem categorizar estes multiplos estímulos e integrar melhor as informações associadas a estes estímulos.

O esquema acima foi retirado de Elodie Vernhet (2005) – da página 26 do capítulo 1 do livro “Sedimentary Processes, Evolution, and Paleoenvironmental Reconstruction of the Southern Margin of the Ediacaran Yangtze Platform (Doushantou Formation, Central China)”, disponível aqui – e ilustra a chamada ‘revolução do substrato’, mostrando a transição dos tapetes de sedimentos (‘matgrounds’) do Ediacariano para os organismos com comportamentos complexos que misturavam (‘mixgrounds’) os sedimentos ao caçarem, alimentarem-se e esconderem-se, denotando a complexificação das relações ecológicas e dos comportamentos envolvidos.

Assim, alguns biólogos evolutivos acreditam que a grande relevância dos sistemas sensoriais, como os olhos, que, em um primeiro momento promoveram a rápida diversificação de certos grupos capazes de formar imagens, e se orientar através delas, tenha chegado a um platô, em termos da capacidade de sustentação dos ecossistemas e dos comportamentos assumidos por estes pioneiros, inibindo posteriormente a diversificação de outros grupos com olhos. Mas esta possibilidade é em parte desconfirmada pelo fato que após as grandes extinções (que deveriam ressetar este estado de saturação ecológica) não foram diagnosticadas tendências semelhantes as do ínicio do fanerozóico. Portanto, certamente, esta não parece ser a história toda.

A outra possibilidade pode ser ilustrada pelo fato de vários grupos de braquiópodes e corais, que jamais desenvolveram olhos larvais, terem mantido-se desta maneira durante todo o periodo, provavelmente,  em função de sua forma de vida séssil, em que a percepçaõ visual não seria de grande vantagem. Isso ocorreria, como já havia sido aludido, por que a vantagem dos olhos estaria associada a mobilidade e portanto a capacidade que eles conferem de orientação em um contexto ambiental específico. Desta forma, como postulado por Nilsson, a seleção natural só favoreceria os olhos por causa de suas consequências ligadas aos comportamentos guiados pela visão. Por isso, apenas se estes sistemas sensoriais pudessem desencadear um tipo de comportamento específico, como evasão ou ataque, o que dependeria do modo de vida prévio do animal, é que poderiam aumentar o sucesso reprodutivo de seus portadores.

Em resumo, as pressoes de seleção favorecendo os animais com olhos teriam subido durante o Cambriano, alcançando ali seu auge, mas logo após teriam sido equilibradas por restrições comportamentais associadas ao barramento de nichos por espécies já bem sucedidas e pelas próprias características das linhagens que podiam aproveitar-se desta faculdade em função de sua mobilidade de seu modo de vida.

Além disso, o problema com as análises dos dados totais, em que de gêneros de diferentes grupos são reunidos em uma única amostra, é que dois táxons numericamente abundantes, cefalópodes e trilobites, acabam por enviesar o resultados, por causa das altas taxas evolutivas que passam a ser vistas como um padrão geral, obscurecendo as taxas de extinção acentuadamente mais baixas dos gêneros com visão em relação aos seus contemporâneos cegos de grupos próximos.

Assim, ao analisar os dados agrupados concentrando-se em subgrupos específicos de taxons mais amplos que contêm tanto gêneros normovisuais e como cegos, os resultados mostraram que os géneros com visão de trilobitas, de toda epifauna de bivalves, bivalves pectinoides, gastrópodes, e dos equinodermos diversificaram-se bem mais intensamente do que géneros cegos de grupos irmãos, incluisve quando controlando para as significativamente altas taxas de extinção sofridas pelos gêneros cegos durante esse período.

Na figura ao lado (correspondente a figura 3 do artigo) podemos observar a diversidade proporcional de gêneros com visão em trilobitas (A), em todos os bivalves epifaunais (B), nos bivalves pectinoides (C), nos gastópodes (D) e nos equinodermos (E). [Note a mudança de escala do eixo Y na figira D e as abreviações seguem as da figura 1] Particularmente interessante é que os gêneros, por exemplo, de trilobites cegos – que eram relativamente diversificados no início de sua história, no Cambriano e Ordoviciano – sofreram grandes baixas em termos da diversidade proporcional, durante o Siluriano e Devoniano, com apenas gêneros de Trilobites com olhos sendo registrados no Paleozóico tardio até a extinção definitiva deste grupo no Permiano tardio.

Os bivalves com visão também mostram um padrão de aumento da diversidade global a partir da origem dos subgrupos destes animais com capacidades visuais por volta do Devoniano até o Neogeno, com os bivalves pectinoideanos sendo o grupo que mais contribui para este padrão e cujas famílias e subfamílias que formam esse grupo tendo sido equipadas com olhos paliais. E ainda mais notadamente, ao comparar-se os representantes dessa superfamília com os representantes da ordem Pectinida que são estreitamente relacionados, mas cegos, fica claro um aumento distintivo de longo prazo às custas dos géneros sem olhos desenvolvidos. Padrões semelhante são encontrados em outros grupos, como nos gástropodes com visão que desde o jurássico, mesmo que sejam mais sutís, especialmente por causa do sucesso da família Strombidae que possuem olhos do tipo câmera formadores de imagem. Algo semelhante também pode ser observado em reçação aos equinodermos durante o fanerozoico que se diversificaram mais do que seus parentes próximos cegos, durante o mesmo período. Portanto, a análise dos cinco subconjuntos de clados corroboram a hipótese que a diversificação nesses grupos de invertebrados marinhos ocorreu preferencialmente em gêneros que eram capazes de ver.

Estranhamente a diversidade proporcional de gêneros com visão é em média maior para os taxons que ocorriam em ambientes siliclásticos (associados a maior turbidez da água) em oposição aos encontrados em ambientes carbonatados que provavelmente eram menos turvos, portanto, gerando um padrão oposto ao esperado caso a hipótese de turbidez esivesse correta, em sua formulação original. Infelizmente os cientistas responsáveis pelo estudo nãopuderam investigar mais a fundo a questão por que a amostra disponível não permitiu uma análise clado-específica de gêneros com e sem visão de acordo com o ambiente, como a que foi feita em relação aos padrões de diversidade dos subgrupos.

Estes resultados (mesmo tendo certas limitações), especialmente os oriundos da segunda análise mais refinada, apoiam a hipótese de que uma boa visão foi uma das características chave que promoveu a diversificação preferencial durante o período investigado. Assim, mais estudos como este e mais e melhores dados vão aos poucos aumentando nosso conhecimento sobre estas questões tão distantes no tempo, permitindo que contemos a história da vida animal em nosso planeta cada vez de forma mais detalhada.

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* De acordo com Dan E. Nilsson e Detlev Arendt (2008), a evolução dos olhos dependeu primeiro da evolução de sistemas moleculares fotossensíveis, seguido da evolução de estruturas celulares que empregassem estes sistemas moleculares e por fim de sistemas visuais compostos de vários componentes interligados celulares em que houvesse uma maior divisão entre as funções. Estes estágios teriam antencedido a evolução de olhos complexos capazes de forma imagens. Como todos os animais são capazes de perceber a luz acredita-se portanto que o ancestral comum de todos metazoários, conhecido como Urmetazoa, deveria já possuir algum tipo de célula fotorreceptora com alguma forma de opsina que transduziria o sinal luminoso em alterações nas correntes elétricas de uma membrana excitável, enquanto ancestral comum postulado entre os vertebrados e invertebrados com simetria bilateral, conhecido como Urbilateria, deveria já possuir tanto os receptores rabdoméricos como os ciliares e as c-opsinas e r-opsinas devendo ter se originando por duplicação gênica de uma opsina ancestral.
Durante muitos tempo se pensou que esses sistemas (células rabdiméricas e ciliares) eram característicos de cada grupo, vertebrados e invertebrados, mas hoje sabemso que ambos os tipos estão presentes de uma forma ou de outras nos sistemas visuais de vertebrados e invertebrados, mesmo que não desempenhem papéis diretos na fotorrecepção, tendo provavelmente sido cooptados após a separação das linhagens de invertebrados e vertebrados deuterostômios para diferentes papéis em cada sistema.
  • Nilsson DE, Arendt D. Eye evolution: the blurry beginning. Curr Biol. 2008 Dec
    9;18(23):R1096-8. PubMed PMID: 19081043.


**Como já havíamos comentado em nosso facebook, a chamada ‘explosão cambriana’ é nome dado ao evento  de rápida (em termos geologicos) diversificação e aumento da disparidade (uma medida da variabilidade dos padrões corporais geralmente associada com catergorias taxonômicas mais amplas, especialmente os filos) animal que marcou o começo o fanerozóico, cerca de 542 milhões de anos atrás, envolvendo especialmente grupos de animais bilaterais com partes duras (“esqueletizados”), como pode ser constato pelo registro fóssil. Muitas são as explicações possíveis para esse evento que, na realidade, deve ter levado cerca de 50 milhões de anos. Estes cenários e modelos causais podem ser divididas em duas categorias principais, os internos e os externos.

Como já mencionado, o primeiro tipo de cenários causais, os internos, advogam que a explosão da diversidade e disparidade teria sido deflagrada por uma inovação evolutiva que, por exemplo, tenha liberado as linhagens de organismos bilaterais de certas restrições genético-desenvolvimentais anteriores ou trazido significantes vantagens adaptativas. O segundo tipo de cenário, o externo, sugere que algo no ambiente tenha sido o pivô do evento, quem sabe, ao trazer novas oportunidades e recursos antes não disponíveis, como O2 em abundância ou algum tipo de nutriente. Como exemplo de causa externa podemos citar o recentemente publicado estudo da Nature de pesquisadores da University of Wisconsin-Madison que, empregando novos dados estratigráficos e geoquímicos, conseguiram mostrar que os primeiros sedimentos marinhos do período paleozóico – depositados entre 540-480 milhões de anos atrás – mostram uma expansão na área de águas rasas epicontinentais, registrando também padrões anormais de sedimentação química que, segundo os autores do artigo, indicariam um aumento da alcalinidade oceânica e do intemperismo químico da crosta continental. Estas alterações geoquímicas teriam sido causadas por um período prolongado de desnudação e exposição continental ocorrida durante o neoproterozóico. Esses eventos correlacionam-se muito estreitamente com extensa variação biótica ocorrida logo em seguida, sugerindo que o evento geológico poderia ter deflagrado o evento biológico que conhecemos como ‘explosão cambriana’. Com base nessas informações, os autores deste estudo, concluíram que a ‘explosão cambriana’ poderia ter sido uma resposta evolutiva em paralelo de diversas linhagens animais em formação, presentes naquelas circunstâncias, ao aumento na concentração de diversos minerais liberados pela formação desta enorme superfície paleogeomórfica.

A liberação de minerais como o dióxido de silício, carbonato de cálcio e fosfato de cálcio teriam, assim, criado pressões ecológico-fisiológicas e físico-químicas com as quais as populações de organismos deste período teriam que conviver e eventualmente se adaptar (por exemplo, para manterem seu equilíbrio osmótico ou pH interno) e isso que teria dado origem ao extenso processo de evolução da biomineralização paralela que caracterizou a explosão cambriana. Mais tarde as vantagens da ‘esqueletização’ poderiam ter intensificado ainda mais o processo e acelerado a diversificação animal. Note que este e outros cenários não excluem outros, como os baseados na importância dos olhos, como inovação evolutiva que tenha promovido uma intensificação do processo de diversificação por causa da implicações desta características nas cada vez mais complexas relações ecológico-comportamentais. Na realidade talvez seja difícil imaginar que um único fator tenha sido o responsável por este evento.

  • Peters, Shanan E., Gaines, Robert R. Formation of the ‘Great Unconformity’ as a trigger for the Cambrian explosion. Nature, 2012; 484 (7394): 363 DOI: 10.1038/nature10969

     

***Essa ideia geral também é postulada como causa inicial da explosão cambriana, mas nesse caso a resposta evolutiva das presas envolveria a ‘esqueletização’, ou seja, os animais e linhagens com carapaças duras (como conchas calcárias, exosqueletos quitinosos e mesmos placas ósseas) seriam favorecidos, em um mundo em que os predadores poderiam detectar a distância e com facilidade as suas presas. A chamada hipótese do ‘interruptor de luz’ foi proposta originalmente pelo zoológo  Andrew Parker. De qualquer maneira, alguns cientistas acreditam que a evolução da visão tenha sido crucial nesses períodos inciais do boom da diversificação animal e que esses eventos possam ser testados ao analisarmos os padrões de diversificação dos taxons ao longo do tempo, comparando as linhagens com vários níveis de capacidades visuais e mesmo sem visão alguma.

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Referências:

  • Aberhan, M., Nürnberg, S., & Kiessling, W. (2012). Vision and the diversification of Phanerozoic marine invertebrates Paleobiology, 38 (2), 187-204 DOI: 10.1666/10066.1

    Créditos das Figuras:

    SINCLAIR STAMMERS/SCIENCE PHOTO LIBRARY
    JAMES KING-HOLMES/SCIENCE PHOTO LIBRARY
    NATURAL HISTORY MUSEUM, LONDON/SCIENCE PHOTO LIBRARY

     

Fusão de cromossomos e a evolução humana [Tradução]

The Tech Museum (com o apoio do Departamento de genética da Escola de Medicina da Universidade de Stanford) possui uma página destinada a sanar dúvidas sobre genética, e uma das respostas deste site me chamou a atenção por esclarecer de maneira muito didática a questão das origens do atual número de cromossomos em nossa espécie a partir de um evento de fusão ancestral. Já me referi e expliquei, em outras ocasiões e meios*, as evidências que tornam esta conclusão muito bem aceita pela comunidade científica e como este tipo de evento está envolvido em processos de divergência e especiação. Mas nunca é demais apresentar boas explicações especialmente quando elas foram construídas de uma maneira tão didática e elegante. Por isso traduzi o texto da geneticista Monica Rodriguez, da Universidade de Stanford, e a pergunta que o suscitou.

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Ask a Geneticist (Pergunte a um geneticista)

por Monica Rodriguez, Stanford University

[Tradução Rodrigo Véras]

 

“Se as teorias evolutivas estão corretas, como pulamos dos 24, que ocorrem nos macacos sem cauda*, para os 23 pares de cromossomos que ocorrem nos seres humanos? Como é possível que os cromossomos juntem-se em um só, e que a espécie resultante seja capaz de sobreviver e procriar?” [link]

Um estudante do ensino médio do Reino Unido.

29 de agosto de 2007

Perguntas bem difíceis essas que você acabou de fazer! Primeiro vou começar por dizer que os cientistas não sabem ao certo por que nossos ancestrais se separaram em duas espécies diferentes.

Mas nós sabemos que os cromossomos se uniram. E nós sabemos que as pessoas que têm dois cromossomos grudados geralmente não têm problemas.

Como sabemos disso? Porque há muitas pessoas como estas por aí. Algo como 1 em 1000 nascidos vivos têm esse tipo de mistura de cromossomos.

Então não há realmente um problema com os cromossomos ficando grudados. A parte mais complicada da sua pergunta é como esse cromossomo mudado poderia ter dominado a população e se tornado o padrão mais comum entre as pessoas.

Nós vamos passar por algumas das maneiras pelas quais isso pode ter acontecido mais tarde. É importante dizer de antemão que nós ainda não sabemos exatamente o que aconteceu. E que nós podemos nunca saber com certeza.

Mas antes de irmos para este assunto, vamos falar um pouco sobre como nós sabemos que um dos nossos cromossomos é feito a partir de dois dos dos macacos sem cauda. E por que rearranjos cromossômicos não causam mais problemas.

Você está certo ao afirmar que a teoria da evolução diz que os humanos evoluíram de um ancestral que era um macaco sem cauda que tinha um número diferente de cromossomos que os humanos modernos. Os seres humanos têm 23 pares e os macacos sem cauda têm 24.

A teoria é que, em algum momento, dois cromossomos nos macacos sem cauda fundiram-se formando um único cromossomo humano. Por que achamos isso? Porque quando olhamos para o DNA humano, o cromossomo 2 se parece com dois cromossomos dos macacos sem cauda** grudados.

Todos os cromossomos têm uma estrutura distintiva nas extremidades (chamada telômero) e ao centro (chamada centrômero). Ao olhar para o DNA, vemos que o nosso grande cromossomo mostra evidências de um telômero no centro. E também vemos evidência de dois centrômeros. Então isso significa que provavelmente dois cromossomos fundiram-se um no outro.

Como eu disse, esse tipo de coisa acontece o tempo todo. Cromossomos podem quebrarem-se e eles podem se fundirem. Uma parte de um cromossomo pode virar ao contrário ou uma parte pode se mover para um cromossomo totalmente diferente. Vemos exemplos de todas estas coisas, quando olhamos para os cromossomos humanos e dos macacos (e para qualquer outro).

Você poderia imaginar que a mudança de algo tão importante como um cromossomo seria um desastre. Alguns criacionistas realmente utilizam este ponto como um argumento contra a evolução humana. Mas sabemos que rearranjos cromossômicos não são sempre prejudiciais.

Isto é assim porque os cromossomos são na realidade apenas longas cadeias de informação. Essas seqüências estão em pedaços discretos de forma que há muitos lugares onde eles podem ser quebrados e colados juntos novamente.

Enquanto a informação esteja toda lá, na maior parte do tempo, não importa como ela esteja embalada. A informação que os macacos tem nos dois cromossomos ‘divididos’ é a mesma que a do nosso grande cromossomo 2. Assim, embora tenhamos menos um cromossomo, toda a informação ainda está lá.

Como eu disse antes, este tipo de rearranjo cromossômico realmente acontece em cerca de 1 em cada 1000 bebês. É chamado de translocação Robertsoniana. Uma parte de um cromossomo se une com outro cromossomo e, assim como nos cromossomos dos macacos sem caud, nenhuma informação é normalmente perdida. Então, essa pessoa é completamente normal apesar de ter a translocação e um cromossomo a menos.

Mas isto pode ser um problema, quando a pessoa tentar ter um bebê. Metade do tempo seus filhos estarão bem. Estas crianças serão normais ou levarão a translocação.

Metade do tempo, porém, um óvulo fertilizado herdará uma parte ausente ou extra de um cromossomo. Mais comumente, isso resulta em um aborto.

Como podemos chegar a 23 pares na população em geral?

Então é fácil ver de onde a translocação veio originalmente. Essas coisas são muito comuns, afinal. Mas como poderia ter se espalhado? Especialmente se essas pessoas estão em desvantagem porque sofrem mais abortos.

Um jeito de podemos todos ter terminado com 23 pares de cromossomos é se houve alguma vantagem em ter os cromossomos fundidos. Isso compensaria a desvantagem do aumento do risco de abortos. Então podemos facilmente ver como ele poderia se espalhar em uma população. Assim é como a seleção natural funciona, afinal. Mas não temos nenhuma evidência para apoiar isso.

Outra maneira seria através do acaso. Acaso é como alterações do DNA podem  espalhar-se em uma população, mesmo quando não há alguma vantagem.

Isso soa estranho, mas é realmente comum o suficiente para ter nomes científicos, como efeito fundador e deriva genética. A idéia básica é que em pequenas populações, efeitos aleatórios podem ter consequências profundas.

Se você começar com uma população pequena, então há menos diversidade DNA nessa população. É por isso que, por exemplo, certas doenças são tão comuns nas comunidades Amish. E outras não são conhecidas entre eles.

Quando essa populações foram iniciadas, os membros fundadores ou tinham os genes das doenças ou não. Se eles tinham, então, a doença tornou-se comum. Se eles não tinham a doença não existia para eles. Este é o efeito fundador.

Para fazer isto o mais simples possível, imagine uma situação em que dois dos nossos antepassados tinham um cromossomo fundido. Estes dois deixaram a tribo e fundaram um novo grupo.

Eles têm seis filhos. Dois dos filhos herdam um cromossomo fundido de cada pai. Eles agora têm um menor par de cromossomos.

Os outros quatro ou têm o número normal de cromossomos ou um fundido. Por acaso, três desses quatro morreram antes do parto e o quarta sai para procurar sua sorte. Agora, os dois únicos que restam têm dois cromossomos fundidos. Assim como todos os seus filhos.

Este cenário tem a idéia de deriva genética nele. Por causa da pequena população, a chance pode ter um enorme efeito sobre a tribo. Certas características desaparecem porque as poucas pessoas que a tinham morrem ou não tem filhos. Ou acontece de não passarem a característica adiante.

Voltando para a nossa história, todos na tribo agora têm dois cromossomos fundidos. Eles têm 23 pares de cromossomos em vez de 24. E porque eles ainda têm as mesmas informações, eles estão perfeitamente bem!

Eu quero enfatizar novamente que não sabemos ao certo se é assim que as coisas aconteceram Este é apenas um exemplo de como isso poderia ter acontecido.

E não é apenas algo que estamos inventando. Podemos ver exemplos de mudanças no número de cromossomos que acontecem ao nosso redor na natureza agora mesmo.

Por exemplo, os cavalos selvagens têm 33 pares de cromossomos e os domesticados têm 32. Esta foi uma mudança relativamente recente, que aconteceu por causa do tipo de translocação que estávamos falando. De fato, isso aconteceu recentemente o suficiente para que estes animais consigam se acasalar e terem cavalos férteis.

As borboletas são também outro exemplo. Há muitas espécies intimamente relacionadas de borboletas que têm grandes diferenças no número de cromossomos. Pegue as borboletas Philaethria sul-americanos. O seu número de cromossomos pode variar de 12 a 88! As borboletas estão bem porque todos elas têm a mesma informação. É apenas arranjada de maneiras diferentes.

Mas os cientistas não tem certeza ainda se essas mudanças realmente fizeram as duas espécies divergirem Elas também poderiam ter ocorrido depois da separação entre as espécies. Nesse caso, o número de cromossomos não teria nada a ver com fazer uma nova espécie.

E a mesma coisa acontece com os seres humanos. Nós ainda não temos certeza que o salto de 24 para 23 pares de cromossomos é o que nos tornou humanos. Como eu disse, é certamente possível que tenhamos nos separado de nossos ancestrais símios antes da diferença no número de cromossomos. Em outras palavras, os seres humanos podem ter se tornado uma nova espécie por outras razões que o número de cromossomos.

O que é isso que nos torna humanos?

Nós ainda não sabemos quais diferenças específicas ao nível do DNA são responsáveis por nos fazer diferentes dos macacos sem cauda. Mas os cientistas têm algumas idéias. E muitas dessas idéias giram em torno de mudanças no nosso DNA que deram aos nossos ancestrais humanos alguma vantagem.

Realmente aconteceram um bom número de rearranjos entre alguns cromossomos humanos e dos macacos sem cauda ao longo dos anos. Pode ser que um destes tenha feito que nova informação tenha sido criada. Ou alguma ter sido perdido.

Isso acontece às vezes. Lembre-se, eu disse que a informação está em pedaços discretos. Uma grande parte destas informações são encontradas em nossos genes.

Se algo muda e um desses genes, por causa disso, é usado na hora errada ou no lugar errado, então ele vai mudar alguma coisa nesse animal. Por exemplo, se uma parte de um cromossomo é virada bem no meio de um gene, então, o gene será afetado.

A mistura de cromossomos, por vezes, faz com que ocorram esses tipos de mudanças. E se essa mudança confere uma vantagem, então ele vai se espalhar.

Outra idéia é que pequenas mudanças em seqüências de DNA (mutações) poderia ter feito um gene mudar. Como talvez um gene para o tamanho do cérebro ou falar. Ou pode ser uma combinação de muitas mudanças no DNA.

Os cientistas descobriram vários genes possíveis candidatos para nos tornarem seres humanos. Enquanto a vasta maioria do nosso DNA é exatamente o mesmo que o dos chimpanzés, devem haver diferenças também. Se ele fosse exatamente o mesmo, então não seriamos duas espécies diferentes. Encontrar as diferenças entre o DNA humano e dos chimpanzés é realmente uma área muito vasta de pesquisa para os cientistas. Eles esperam que, ao estudar estas diferenças, possamos descobrir o que nos torna humanos.

Infelizmente, não podemos voltar no tempo e descobrir exatamente o que aconteceu. Mas estudando nosso DNA é a melhor maneira de retraçar a história.

Monica Rodriguez

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* Veja também a resposta em nossa página do tumblr sobre um assunto correlato para maiores detalhes, aqui. Na resposta do Tumblr discuto um pouco mais sobre a questão dos mecanismos de isolamento e o que está em jogo quando falamos de ‘interfertilidade’, além de também comentar a questão das ‘Fusões Robertsonianas’, enfatizando que a questão do pareamento e segregação cromossômica são de importância secundária, desde que o complemento total de genes esteja presente mesmo que empacotado de maneira distinta, o que pode, eventualmente, ter um certo impacto na formação de gametas e zigotos balanceados geneticamente, afetando o sucesso reprodutivo. Porém não há uma relação necessária envolvendo esses fatores.

**Adotei a expressão ‘macacos sem cauda’ como tradução para o termo em inglês ‘ape’, a partir da sugestão de Roberto Takata em seu blog ‘Gene Repórter‘ para evitar algumas confusões. Por exemplo, os termos ‘macaco’ e ‘monkey’ não são completamente equivalentes (o termo macaco, inclui todos os primatas simiiformes, com exceção de nós, seres humanos, enquanto ‘monkeys’ inclui os simiiformes, excetuando os seres humanos e os demais hominoides, como gorilas, gibões, chimpanzés e orangotangos), sendo, portanto, o termo em português mais inclusivo do que o em inglês, além de não temos um termo equivalente em uso minimamente consensual, especifico, para ‘apes’ em nossa língua, com várias tentativas (ex: símios, grande primatas, grandes macacos, etc) sendo bastante problemáticas. Este é um problema recorrente entre terminologia técnica e seus (quase)equivalentes da linguagem coloquial que nem sempre andam juntos. Em um certo sentido, muito profundo, continuamos a ser ‘macacos’, mesmo que a o termo nos exclua arbitrariamente em sua definição vernacular.

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Literatura Recomendada:

  • Fan Y, Linardopoulou E, Friedman C, Williams E, Trask BJ. Genomic structureand evolution of the ancestral chromosome fusion site in 2q13-2q14.1 andparalogous regions on other human chromosomes. Genome Res. 2002 Nov;12(11):1651-62. PubMed PMID: 12421751; PubMed Central PMCID: PMC187548. [Link

  • IJdo et al (1991). “Origin of human chromosome 2: an ancestral telomere-telomere fusion”. Proceedings of the National Academy of Sciences 88 (20): 9051–5. doi:10.1073/pnas.88.20.9051. PMC 52649. PMID 1924367.

  • Myers, PZ [Posted on: April 21, 2008 10:43AM] Basics: How can chromosome numbers change? Pharyngula.

  • Yunis, J. J., Sawyer, J.R., Dunham, K., The striking resemblance of high-resolution g-banded chromosomes of man and chimpanzee. Science, Vol. 208, 6 June 1980, pp. 1145 – 1148.

  • Watanabe H, Hattori M. [Chimpanzee genome sequencing and comparative analysis with the human genome.] Tanpakushitsu Kakusan Koso. 2006 Feb;51(2):178-87. Review. Japanese. PubMed PMID: 16457209.
  • Pollard KS. What makes us human? Sci Am. 2009 May;300(5):44-9. PubMed PMID: 19438048.
  • Kehrer-Sawatzki H, Cooper DN. Understanding the recent evolution of the human genome: insights from human-chimpanzee genome comparisons. Hum Mutat. 2007 Feb;28(2):99-130. Review. PubMed PMID: 17024666.
  • Yoko K, Atsushi T, Hideki N, Asao F. [Comparative studies on human and chimpanzee genomes]. Tanpakushitsu Kakusan Koso. 2005 Dec;50(16 Suppl):2072-7. Review. Japanese. PubMed PMID: 16411432.
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