Rodrigo Véras

Decodificando os novos resultados do ENCODE

O projeto ENCODE (Encyclopedia Of DNA Elements), um grande consórcio de instituições de pesquisa envolvendo centenas de pesquisadores, liberou novos dados [1] extremamente interessantes sobre o assunto que indicariam que pelo menos 80% do nosso genoma seria ‘funcional’ através de um artigo publicado hoje na revista Nature. Segue uma tradução do abstract:

O genoma humano codifica uma planta da vida, mas a função da grande maioria dos seus quase três bilhões de bases é desconhecida. O projeto da Enciclopédia de Elementos de DNA (ENCODE) tem sistematicamente mapeado regiões de transcrição, associação a fatores de transcrição, estrutura da cromatina e modificação de histonas. Estes dados permitiram atribuir funções bioquímicas a 80% do genoma, em especial regiões fora das bem estudadas de codificação de proteínas. Muitos elementos reguladores candidatos foram descobertos estão fisicamente associados uns aos outras e com genes expressos, fornecendo novas perspectivas sobre os mecanismos de regulação dos genes. Os elementos identificados recentemente também mostram uma correspondência estatística de variantes de sequência associadas à doenças humanas e podem, assim, guiar a interpretação desta variação. No geral, o projeto fornece novas pistas sobre a organização e regulação de nossos genes e do genoma, e é um recurso expansivo de anotações funcionais para a pesquisa biomédica”*.[Nature 489, 57–74; 06 September 2012; doi:10.1038/nature11247]

Porém, a forma que o os pesquisadores do ENCODE definem ‘função’ diverge bastante da maneira como ela é normalmente compreendida pela maioria dos biólogos que investigam a evolução fenotípica e até mesmo a evolução molecular que geralmente preferem deixar este termo para algum tipo de sequência genômica que produza algum tipo de modificação que influencie na aptidão dos organismos, tendo um papel mais específico ao nível celular, tecidual, organísmico e ecológico por exemplo. Contudo, no projeto ENCODE por motivos técnicos e por causa do objetivos da empreitada qualquer elemento do DNA que seja transcrito em um RNA ou que seja alvo de ligação de proteínas, especialmente se esta ligação variar entre tipos celulares é considerado ‘funcional’. Isto é, para o projeto ENCODE qualquer nível de atividade bioquímica ao nível do DNA é considerada ‘função’, uma vez que são este tipo coisas é que os métodos e técnicas empregadas estão a vasculhar. Esta definição que não pode ser considerada errada, mesmo por que esta atividade básica também pode ser considerada fenotípica em um nível mais básico, infelizmente acabou por causar muitas confusões, principalmente do ponto de vista da evolução molecular e da natureza de boa parte do nosso genoma.

De fato, os estudos do ENCODE revelam que até o momento, juntamente com os cerca de 1,5% do genoma, apenas 8,5% do genoma corresponde a sequências que parecem ter realmente uma relevância funcional em sentido mais restrito e significativo para a evolução, uma vez que além de genes tradicionais codificadores de proteínas, estão incluídas nesta estimativa mais modesta sequências altamente conservadas – isto é, que variam muito pouco entre os organismos e entre os indivíduos – e que são realmente alvos de ligação de proteínas regulatórias, devendo portanto estar diretamente envolvidas na regulação gênica. Como a cobertura de tipos celulares é incompleta, os pesquisadores estimam que estes número de cerca de 8,5% deva representar cerca de metade das porções genômicas realmente funcionais, em um sentido mais relevante, e que devem estar associadas a características funcionais específicas dos organismos.

Mas existem outros problemas sobre o tipo de coisas que estão sendo concluídas a partir desses novos dados do ENCODE. Uma delas é que sabemos que boa parte do chamado DNA sucata corresponde a sequências de elementos genéticos móveis defeituosos, isto é, que não funcionam direito e não conseguem saltar ou se replicar de forma independente e adequada, mas que eventualmente podem ser transcritas parcialmente. Portanto, essas e outras sequências acabam por entrar na conta das estimativas mais exageradas de funcionalidade e podem na realidade até mesmo mesmas terem um impacto indireto na aptidão dos organismos que as portam, já que podem atrapalhar os processos de transcrição de certos genes. E aí entramos em outra questão interessante, pois existem evidências que o silenciamento por modificações estruturais do DNA, como a metilação de citosinas e condensação de cromatina, dois critérios utilizados para diagnosticar funcionalidade pelo ENCODE, podem ter evoluído como forma de controle desses parasitas genômicos, como vírus [2, 3], o que tornaria boa parte destas estimativas um mero artefato de definição, consequência indiretas de respostas evolutivas muito gerais de controle de danos. Muitos dos artigos apontam as conclusões do ENCODE como revelando segredos inesperados do genoma humano, mas na verdade as coisas não são bem assim e o que está sendo revelado é a enorme complexidade da questão e a intrincamento das estruturas biológicas e a dinâmica de processos evolutivos que as moldaram em diversos níveis.

Na página principal de Ewan Birney, um dos responsáveis pelo projeto e que comentou extensamente sobre estes resultados, está uma visão bem mais nuançada e equilibrada desses achados que mostra os problemas de se definir função dentro do projeto ENCODE e a natureza metodológica operacional deste procedimento. No blog de Larry Moran existe uma discussão na sessão de comentários sobre o assunto, enfocando o artigo de Ed Young em seu blog no site d a revista Discovery “Not Rocket Science” explicando o projeto que segundo muitos dos comentaristas exagerou o impacto dos achados e não deu a devida a atenção ao fato de coisas muito diferentes estarem sendo comparadas e quantificadas, além de ainda estarmos muito longe de saber a significância dos resultados particulares de modo que possamos discutir sua relevância para evolução genômica e de nossa espécie de modo geral.

Um excelente remédio para isso é o texto do biólogo evolutivo especialista em genômica T. Ryan Gregory que criou o chamado ‘teste da cebola‘ que através de um simples exemplo, usando a comparação dos tamanhos genômicos de plantas da família das cebolas (que variam entre 7 bilhões a 31, 6 bilhões de pares de bases, comparados as parcas 3 bilhões do genoma humano), ilustra bem por que as estimativas do cientistas ligados ao ENCODE, e a definição de ‘função’ adotada por eles, não poder ser diretamente transferidas para a biologia evolutivas; mesmo por que creio que poucos cientistas que estudam os elementos genéticos móveis – como transposons e retroposons, ERVs, pseudogenes, sequências repetitivas das mais variadas [‘What’s in Your Genome?‘ e veja também o nosso artigo, “Sobre sucata, lixo, DNAs egoístas, comensais e simbiontes:”] – realmente acreditavam que mais de 90% do genoma fosse realmente estático (inativo bioquimicamente) ou mesmo completamente irrelevante do ponto de vista evolutivo, uma vez que a dinâmica evolutiva desses trechos de DNA egoístas ou simbiontes podem interferir com outras funções do organismo- mesmo que eles mesmos não tenham um papel funcional, em sentido estrito, bem definido e adaptativo no organismos – o que, por sinal, ainda assim tornara estas sequências relevante s de um ponto de vista biomédico .

As diferenças de objetivos e as peculiaridades metodológicas por trás do projeto ENCODE justificam esta definição mais frouxa e genérica, uma que se quer anotar minuciosamente o que está acontecendo com as diversas regiões do genoma e não sabemos previamente o que pode ou não ser realmente essencial. Porém, o excesso de alarde sobre o suposto significado dessas descobertas e a falta de contextualização sobre exatamente o que os cientistas envolvidos estão investigando e anotando, com sua ênfase em ‘atividade bioquímica’ amplo senso pode trazer muitas confusões que devem ser evitadas, caso queiramos realmente compreender a importância do projeto e o que ele pode e, principalmente, o que ele não pode nos dizer neste estado atual de desenvolvimento.

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*”The human genome encodes the blueprint of life, but the function of the vast majority of its nearly three billion bases is unknown. The Encyclopedia of DNA Elements (ENCODE) project has systematically mapped regions of transcription, transcription factor association, chromatin structure and histone modification. These data enabled us to assign biochemical functions for 80% of the genome, in particular outside of the well-studied protein-coding regions. Many discovered candidate regulatory elements are physically associated with one another and with expressed genes, providing new insights into the mechanisms of gene regulation. The newly identified elements also show a statistical correspondence to sequence variants linked to human disease, and can thereby guide interpretation of this variation. Overall, the project provides new insights into the organization and regulation of our genes and genome, and is an expansive resource of functional annotations for biomedical research.” [Nature 489, 57–74; 06 September 2012; doi:10.1038/nature11247]

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Udpdate (06/09/2012 – 17:30) Valem muito a pena os posts e comentários de T. Ryan Gregory (“The ENCODE media hype machine“) e Jonathan Eisen (“Michael Eisen’s take on ENCODE — there’s no junk?“), ambos no blog de Gregory, sobre a hype em cima dos artigos com as novidades do ENCODE (Até a geralmente comedida e  ótima jornalista científica Elizabeth Pennisi embarcou na Hype com um artigo/comentário intitulado “ENCODE Project Writes Eulogy for Junk DNA” na revista Science) que estão sendo divulgadas como se demolissem a ideia de DNA sucata, mas baseando-se em definições e resultados que simplesmente não tem muito a ver com o que os especialistas afirmam sobre esta questão. De novo, não me lembro de nenhum desses cientistas que investigam as regiões não codificantes e repetitivas do DNA dizendo que grande parte dele é um marasmo sem graça, onde não acontece nada de interessante e nas quais não ocorre qualquer atividade bioquímica. Isso é um simples espantalho.

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Referências:

  1. The ENCODE Project Consortium [Afiliations]An integrated encyclopedia of DNA elements in the human genome Nature 489, 57–74 (06 September 2012) doi:10.1038/nature11247 [Link]

  2. Riddihough G, Pennisi E. The evolution of epigenetics. Science. 2001 Aug 10;293(5532):1063. PubMed PMID: 11498569 [Link].

  3. Matzke MA, Mette MF, Aufsatz W, et al. 1999. Host defenses to parasitic sequences and the evolution of epigenetic control mechanisms. Genetica 107: 271–287.

A Explosão Cambriana: Uma introdução

Aproveitando os posts anteriores sobre os oportunos lançamentos, pela LP&M pocket, dos livros sobre evolução e paleontologia, especialmente ‘História da Vida‘ de Michael J. Benton, apresento aqui o primeiro de dois artigos discutindo a famosa ‘explosão cambriana’ que dá início a era fanerozóica e é ponto importante na história da vida animal e ecológica de nosso planeta. Reforçando o coro de Luiz Dadário, que escreveu um post comentando o livro de Benton, volto a recomendá-lo, apesar de um ou outro erro ou má escolha de tradução, mas que não tiram a importância do lançamento e a qualidade geral da tradução.

Este primeiro artigo portanto usa como base os capítulos referentes a explosão cambriana e acrescenta novas informações e atualizações ao excelente livro de Benton que por característica tem uma abordagem bem mais sucinta e direta.

A ‘explosão cambriana’ é a expressão utilizada para referir-se ao aparecimento ‘súbito’ no registro fóssil, por volta de 542 milhões de anos atrás, de muitos grupos de animais, especialmente aqueles com simetria bilateral e ‘esqueletizados’, ou seja, como endo ou exoesqueleto, conchas e outros apêndices duros mineralizados ou parcialmente mineralizados (formados por compostos de fosfato ou carbonatos de cálcio, por exemplo), ou não-mineralizados quitinosos ou à base de colágeno.

Infelizmente, a própria expressão ‘explosão cambriana’ suscita uma série de interpretações inadequadas e dá margem a muita confusão e manipulação deliberada por parte dos lobbies antievolucionistas. Por isso é bom explicar o que ela não é, antes de detalharmos o que ela foi e que qual a sua repercussão na nossa compreensão da evolução biológica dos animais. Em primeiro lugar muitas das confusões se originam da não apreciação do simples fato de que a ‘aparição súbita’ de partes facilmente fossilizadas, os ‘esqueletos’ como descreve Benton, no registro fóssil não é sinônimo de origem dos animais e dos filos, uma vez que a primeira vez que os grupos de seres vivos em geral aparecem no registro fóssil logicamente ocorre após sua origem e muitas vezes pode acontecer apenas muito tempo depois da mesma, quando os números, tamanhos, potencial de fossilização atingem determinados níveis que tornam a fossilização (um evento relativamente raro) mais provável.

Outra questão é que o termo ‘explosão’ não deve ser entendido de maneira muito literal especialmente por que com o tempo e a melhor avaliação e estimação das idades das diversas eras e períodos geológicos, o evento em si, designado por tal termo, é relativamente estendido no tempo, como veremos mais adiante, tendo durado dezenas de milhões de anos; sendo rápido apenas de um ponto de vista relativo a imensidão do tempo geológico. Porém, se pensarmos que a maioria dos grupos de animais que protagonizaram a referida radiação evolutiva era formada por pequenos invertebrados, possivelmente com tempos de gerações relativamente curtos e que se reproduziam em abundância, os tempos em questão não são tão extraordinários assim ainda que alguns estudos indiquem que os níveis de diversificação são realmente mais rápidos do que no resto do fanerozóico.

Por fim, a ideia que todos os grandes grupos de animais ali se originaram (na verdade, ali teriam dado as primeiras caras no registro fóssil) é, na melhor das hipóteses, exagerada e depende de uma certa  arbitrariedade no uso do termo ‘grande’ e, na pior das hipóteses, simplesmente, falsa, uma vez que o termos ‘grandes grupos’ pode incluir várias categorias taxonômicas diferentes de filos.

É preciso lembrar que mamíferos, aves e anfíbios, bem como insetos e outros grupos de artrópodes surgiram bem depois e são considerados também ‘grandes grupos’. Como veremos mais adiante, o que parece ter caracterizado a radiação cambriana é o aparecimento e [geologicamente] rápida diversificação dos filos de metazoários, mais especialmente dos animais com simetria bilateral que certamente tiveram sua origem em algum ponto, possivelmente no neoproterozóico, antes do cambriano, como vários indícios fósseis e oriundos da reconstrução filogenética deixam claro.

Um fato que é frequentemente esquecido pelos detratores da biologia evolutiva é que antes do cambriano pelo menos uma fauna macroscópica é bem conhecida, a famosa fauna de Ediacara, encontrada em 1946 na Austrália que conta com vários seres multicelulares, alguns deles provavelmente aparentados com grupos modernos de animais [I, II].

Voltando a explosão cambriana propriamente dita, apesar da fronteira cambriana ser atualmente bem datada, a explosão em si não foi tão súbita assim, podendo ser dividida em pelo menos duas fases marcadas por duas biotas bem características, com a primeira delas sendo conhecida ‘fauna Tomotiana’, também conhecida como ‘small shelly‘ (literalmente ‘pequenas conchinhas‘) cujos fósseis podem ser achados no final do neoproterozóico superior, i.e. o final do período que antecedeu o cambriano. Portanto, em um olhar mais atento, esta fauna seria uma continuação de uma fauna semelhante que dataria do Ediacarano (635–542 milhões de anos atrás), embora tendo tornado-se mais comum durante o cambriano inferior, entre 542 e 530 milhões de anos atrás. [Veja figura abaixo]

Dois são os principais grupos de animais encontrados entre a ‘fauna de conchas pequenas’. O primeiro é formado por hiolitelmintideos [III] (hyolithelminthids), formados por tubos fosfáticos abertos em ambos os lados, e o segundo grupo constituído de pequenas conchas cônicas que geralmente ocorrem em pares e que são designadas por tomotiideos (tomotiids).

Além desses dois grupos, haviam outros animais que cavavam tubos e secretavam paredes de carbonato, tubos de material orgânico que parecem ser fruto da atividade de vermes não-segmentados e placas fosfáticas finas que são conhecidas como ‘escléritos’, que possuem uma forma de folhas e que os paleontólogos acreditam que deveriam agrupar-se formando um tipo de armadura, mas cujos animais que as possuíam ainda são em sua maioria enigmáticos e desconhecidos, como Benton chama a nossa atenção, com algumas exceções como o Microdyscton mostrado na figura ao lado, o que sugere que alguns dos animais que portavam os ‘escléritos’ podiam ser vermiformes e relativamente mais complexos.

Essa fauna de pequenas conchas que pode ser encontrada a partir do finalzinho da era neoproterozóica e estende-se pelo cambriano, período em que torna-se mais evidente, é a precursora da real explosão cambriana que acontece em um segundo momento, no qual cerca de 12 novos grupos surgiram sobrepondo-se a fauna de conchas pequenas. E, ao contrário do que se pensava no início, estes grupos não apareceram de uma única vez.

Uma análise mais pormenorizada do registro fóssil deste período mostrou que os diferentes grupos aparecem de maneira mais gradual e ordenada, ainda que em um intervalo de tempo geologicamente curto, mas ainda assim que teria durado entre 10 ou 20 milhões de anos, talvez mais. Mas mais do que isso, os primórdios da ‘explosão’ propriamente dita podem de fato serem traçados até algumas dezenas de milhões de anos antes do cambriano, através de icnofósseis – ou seja, vestígios de tubos, rastros e pegadas de animai, preservados nos sedimentos pré-cambrianos. Estes vestígios podem ser bastante incertos, mas certos tipos de marcas são bastante características de seus perpetradores, especialmente quando mostram pés ou marcas de pernas, por exemplo. Até bem pouco tempo atrás estes indícios poderiam ser traçados há 555 milhões de anos atrás, mas mais recentemente a análise de sedimentos de 585 milhões de anos mostram claras evidências de atividade locomotora animal.

Boa parte desses rastros parecem ter sido feitos por animais com simetria bilateral e com corpo vermiforme alongado. Porém, por volta, de 540 milhões de anos atrás já são detectáveis marcas de patas que apontam para a existência de artrópodes com seus apêndices locomotórios articulados. Contudo, somente a partir de 530 milhões de anos atrás é que os conhecidos trilobitas passam a poder ser encontrados fossilizados, assim como os equinodermos.

Assim, de acordo com Benton, a explosão cambriana propriamente dita teria se iniciado há 530 milhões de anos, com o aparecimento dos restos de ‘esqueletos’ fossilizados dos já mencionados trilobitas e equinodermos, e teria durado entre 10 e 20 milhões de anos, intervalo de tempo durante o qual a diversidade global aumentou muito.

Alguns dos grupos de animais que fizeram sua primeira aparição em estratos do cambriano, além dos já mencionados trilobitas (artrópodes) e equinodermos, como os braquiópodes podem ser encontrados até hoje e continuam muito similares aos seus antepassados mais remotos, mas tendo seu auge no paleozóico entre 542 e 251 milhões de anos atrás.

Os grandes astros da explosão cambriana e do paleozóico de modo geral são realmente os trilobitas, cujos primeiros indícios conhecidos estão na forma de pegadas descobertas, no comecinho do cambriano, mas que apenas mais tarde revelam-se em seus detalhes, através dos restos fossilizados com a característica e distintiva morfologia destes animais. Estes belos animais possuem uma estrutura corporal formada por três lobos (daí ‘trilobita’) distribuídos de lado a lado, com o eixo antero-posterior, isto é da cabeça à cauda, podendo ser divido em estrutura protetora da cabeça o ‘cefalon’, seguidos de vários segmentos torácicos, cada um com um par de patas, terminado em um escudo caudal conhecido como pigídio. A boca destes artrópodes era localizada sob o cefalon e permitia que estes animais alimentassem-se no fundo marinho ao revolver os sedimentos. Na porção mais anterior da cabeça havia um par de antenas sensoriais similares a de crustáceos modernos e que deveriam ajudar os trilobitas locomoverem através dos sedimentos em suspensão, apesar dos restos fossilizados dos olhos desses animais indicarem excelente visão:

Cada olho consistia em numerosos tubos oculares, cada um com um a lente, como os artrópodes moderno. Os paleontólogos dissecaram esses olhos (a lente é um cristal de calcita que sobrevive inalterado pela fossilização) e viram através dele; que estranho ver o mundo como um trilobita viu há mais de 500 milhões de anos.” (p 67)

Os equinodermos que são bem conhecidos hoje na forma de alguns de seus representantes como estrelas, bolachas e pepinos do mar, durante o cambriano eram representados por criaturas um tanto diferentes; segundo Benton, algo entre uma estrela do mar e um lírio do mar, como a característica simetria adulta* pentaradial, sendo uma particularidade das linhagens modernas e não um traço existente desde os primórdios do grupo. Esses animais eram geralmente sésseis e pedunculados, com seus esqueleto de carbonato de cálcio feitas de placas poligonais bem juntinhas e ajustadas, com espécies de tentáculos que eram usados para captura alimento saindo de suas bocas que ficava alojadas geralmente no topo de seus corpos.

Além desses dois grandes grupos, durante a explosão cambriana também são encontrados outros tipos de animais em abundância, como o arquiciatos, com sua característica forma cônica e que forma pequenos recifes que chegam em algumas regiões há 10 metros de altura, algumas esponjas bem semelhantes as encontradas atualmente, mas com a maioria delas sendo conhecidas apenas por suas espículas; os famosos hiolitas [III] animais que conhecemos por suas conchas cônicas e constituídas de carbonato de cálcio; além de outros grupos cujas relações com as faunas e filos modernos são ainda alvos de intensos debates entre os sistematas de invertebrados.

A figura acima foi traduzida e retirada da figura do artigo de Marshal (2006) cujas datas foram retiradas de Grotzinger et al. (1995), Landinget al. (1998), Gradstein et al. (2004), and Condon et al. (2005). As curvas de isótopos de carbonatos do Neoproterozoico vieram de Condon et al. (2005), do cambriano inicial em sua maioria de Maloof et al. (2005), mas também de Kirschvink & Raub (2003), as do cambriano médio e tardio de Montanez et al. (2000). Na figura é possível perceber a ampla variação desses valores durante parte do cambriano inicial que em parte são devidas a variação geográfica, mas também a variação medida no Marrocos. As medidas de disparidade são provenientes de Bowring et al. (1993) e as de diversidade são oriundas da tabulação de Foote (2003) derivadas dos dados, de gêneros marinhos, compilados por Sepkoski (Sepkoski 1997, 2002). Todos os taxa encontrados em intervalos , assim como aqueles que estendem-se através dos intervalos, são contados. As idiossincrasias de curta duração no registro das rochas, podem adicionar ‘ruído’ as curvas de diversidade, devendo assim serem omitidas para descartar este efeito. Marshal ressalta que a diversidade persistente era muito mais baixa que os valores mostrados; muitos dos táxons encontrados em um intervalo do registro estratigráfico não coexistiram. As fronteiras das curvas de cruzadas (de acordo com Michael Foote em comunicação pessoal a Marshal) nos fornece o número de táxons que devem ter coexistido nos pontos mostrados, mas é preciso lembrar que como as fronteiras estratigráficas tradicionais são baseadas em tempos de reviravoltas taxonômicas incomuns, as estimativas podem na realidade subestimarem as diversidades típicas permanentes.

O mais interessante, porém, é que neste mesmo período achamos as primeiras evidências dos próprios grupo de animais aos quais pertencemos mais diretamente, os cordados e até mesmo os vertebrados. Esses ancestrais ou ramos colaterais remotos (talvez ‘tios-avós’) não passavam de singelas criaturas com corpo vermiforme lateralmente achatados, com apenas poucos centímetros de comprimento, nadando ondulando sua musculatura da maneira como fazem os peixes modernos.

Embora a fauna do folheio de Burgess (Burgess Shale) na Colúmbia Britânica, no Canadá, seja a mais conhecida, especialmente por causa do tratamento dada a ela por livros como ‘Vida Maravilhosa’, do célebre e finado paleontólogos Stephen Jay Gould, ela é relativamente moderna, datando do cambriano superior. Por isso, o conjunto de fósseis que melhor caracteriza a explosão cambriana em seu auge é a da fauna de Chengjiang, encontrada nos depósitos xistosos de Maotinashan (Chengjiang Maotianshan Shales), na península de Yunnan, que foram descobertos em 1912, mas que só começaram realmente a serem mais intensamente investigados nas décadas de 80 e 90 do século passado. Estes fósseis datam em torno de 525 a 520 milhões de anos atrás e, até a publicação do livro de Benton, esta biota era formada por 185 espécies reconhecidas, incluindo algas, esponjas, medusas, anelídeos, priápulos, equinodermos, cordados e artrópodes, com este últimos perfazendo 45% da fauna, com cerca de 40% das espécies podendo ser distribuídas pelos demais grupos e algo em torno de 15% constituindo-se em grupos de difícil classificação em que não existe muito consenso em qual grupo taxonômico estas espécies deveriam ser colocadas.

Faunas, como dos folhelhos de Burgess e Chengjiang, são extraordinárias e sem elas ão conheceríamos vários organismos vivos e não compreenderíamos como certas partes de outros organismos relacionariam em um organismo completo. Estes dois depósitos fossilíferos são o que os paleontólogos chamam de ‘Lagerstätte, formados por sedimentos muito finos, tendo provavelmente se originados a partir de mares rasos e calmos em condições de baixa atividade degradadora, o que permitiu que os fósseis ali formados apresentassem-se em um incrível estado de conservação, com tecidos moles muito bem preservados, bem como boa parte da organização tridimensional dos tecidos dos organismos que ali pereceram:

Os tecidos moles são preservados como películas de argila e são, por vezes, incrivelmente coloridos – vermelhos, roxos, amarelos -, devido à adição de quantidades variáveis de óxido de ferro. Mas por que essa preservação magnífica? A configuração sedimentar da biota de Chengjiang parece ser um mar raso. Os sedimentos são essencialmente compostos por grãos finos – lama e siltito -, e por isso não havia marulho ou atividade das correntes. Os animais que viviam no fundo, e aqueles nadavam acima, devem ter morrido, e suas carapaças, acumuladas sem pertubação. Devido as mudanças de temperatura sazonais e à estagnação do ambiente, é provável que as águas do fundo tenham ficado anóxicas em determinados períodos, o que teria afastado os seres detritívoros e acelerado a réplica de músculos e outros tecidos modelos por meio de bactérias e materiais argilosos.” (p 69)

 

Nestes langestätten do período cambriano, podem ser encontradas impressões de peles, intestinos, olhos, brânquias e músculos segmentados que permitem uma análise muito mais refinada e o diagnóstico de algumas estruturas essenciais para identificarmos certos grupos e classificar adequadamente os espécimens ali encontrados.

Algumas pistas sobre como surgiram os primeiros esqueletos podem ser encontradas nos artrópodes de Chengjiang. Os trilobitas destes depósitos fossilíferos, bem como seus parentes encontrados mais tarde, todos possuíam esqueletos de carbonato de cálcio, prontamente fossilizáveis, porém, mais de 90 por cento das espécies restantes dos artrópodes de exibem esqueletos muito mais moles que não tinham um componente mineralizado. Estes esqueletos eram constituídos da já mencionada proteína quitina que hoje encontramos nos exoesqueletos dos insetos, por exemplo. Se não fosse por sítios como os de Chengjiang, alguns desses artrópodes com esqueletos não-mineralizadas seria conhecidos apenas fugazmente e de maneira muito incompleta. Um exemplo da importância destes sítios para a compreensão de como se deu o processo de evolução da esqueletização, é o famoso Anomalocaris que ficou mais conhecido a partir das descrições da fauna de Burgess Shale. Este animal variava de 60 centímetros de comprimento até surpreendentes 2 metros, formado por vários segmentos corporais, e uma região de cabeça e cauda. 

 

Os cientistas acreditam que ele nadasse agitando os grandes lobos flexíveis ao longo das regiões laterais do seu corpo, e capturava suas presas por meio das suas grandes e curvos apendices flexíveis encouraçados surgiam como barbilhões adornados com ferrões farpados, através dos quais traziam a presa para sua boca circular que era rodeada por surpreendentes que se pareciam um anel de abacaxi gigante, mas que deveria ser formada por placas que deslizavam umas sobre as outras, e que abriam e fechavam, como o diafragma em uma antiga câmera moderna. Acontece que se não fosse pelos langestätten do período cambriano, só conheceríamos os Anomalocarispelos restos fossilizados de suas bocas circulares e teríamos uma enorme dificuldade de interpretá-las corretamente, como parte de um artrópode predador muito maior e impressionante. O fóssil Peytoia é agora considerado a boca do Anomalocaris, enquanto  Laggania é o seu corpo, e o que foi batizado originalmente como Anomalocaris é apenas o seu apêndice de alimentação que estendia-se da parte de baixo da cabeça e com o qual provavelmente capturava suas presas para daí serem triturados pela sua boca circular.

É incontestável que a explosão cambriana tenha gerado e até hoje produza muitos debates. Também não é possível negar que não compreendamos muitos dos detalhes relacionados ao como e ao porque dela ter acontecido no período em que ocorreu, mas nada disso pode ser usado  para argumentar que este evento desafie explicações naturalistas ou que não tenhamos vários modelos, hipótese e cenários plausíveis, cada um deles contando com vários níveis de evidências em seu favor. O real significado da explosão cambriana é ainda muito discutido, mas o tipo de debates que se dão dentro da comunidade científica em nada tem a ver com as alegações e argumentos antievolucionistas dos criacionistas tradicionais e do Design Inteligente.

Alguns especialistas tendem a interpretá-la como um evento único na história da vida e outros apenas como um (possivelmente o maior) entre várias explosões de diversidade na história da vida da terra e alguns negam veementemente sua existência, atribuindo a aparência de uma explosão, como derivada do potencial de fossilização das biotas e das condições geológicas associadas a estes eventos, mesmo que esta seja uma tendência minoritária entre os especialistas. Porém, assumindo que o evento seja real, a visão mais ‘padrão’ da ‘explosão cambriana’ é a de que quase todos os filos animais teriam aparecido pela primeira vez ali, após terem evoluídos ‘esqueletos’ e diversificado-se, representando um incrível evento de evolução paralela e suscitando a questão:

Por que toda essa diversificação esqueletal teria se dado mais ou menos ao mesmo tempo?

 

Há muito tempo os geólogos vêm especulando sobre grandes alterações na química atmosférica e especialmente dos oceanos que teriam ocorrido durante o neoproterozóico e que, portanto, teriam precedido a Explosão Cambriana, deflagrando o processo de evolução paralela dos grupos esqueletizados. Uma das mais antigas hipóteses desta natureza envolve a ideia que os níveis de oxigênio, ou outro componente químico essencial a esqueletização ou para a manutenção de altos níveis metabólicos, tornarem-se abundantes o suficientes para fazerem alguma diferença e articulam-se mais ou menos desta maneira, como coloca Benton:

‘Talvez os níveis de oxigênio estivessem demasiado baixos para que uma grande quantidade de animais maiores evoluísse, ou a composição química dos oceanos tenha permitido que mais carbonato e fosfato entrassem em circulação e, desta forma, se tornassem disponíveis para que os animais desprotegidos pudessem capturá-los e fabricar esqueletos.” (pg 73)

 

Benton rejeita essas ideias individuais como muito simplistas e argumenta que no caso do oxigênio, os níveis deste gás já estavam em processo de aumento há mais de um bilhão de anos, apesar de uma segunda elevação para cerca de 10% que teria ocorrido por volta de 800 milhões de anos atrás.

É, francamente, difícil acreditar em qualquer uma dessas idéias um tanto simplistas. Os níveis de oxigênio já vinham aumentando durante o Pré-Cambriano e não está claro se um limiar importante foi cruzado exatamente no início do Cambriano. Além disso, é inportante aclarar que os animais relativamente grandes de Ediacara haviam existido, embora sem esqueletos, cerca de 50 milhões de anos antes. Além disso, a idéia de que a mineralogia dos oceanos mudou e que isso desencadeou, a aquisição de esqueletos entre grupos diversos, todos ao mesmo tempo, também é certamente demasiado mecanicista – como se os organismos esperassem a aparição de um mineral, e, em seguida, as várias linhagens evolutivas incorporassem em seus corpos de forma independente.”(p 73)

 

O problema maior, entretanto, não é que estas ideias sejam absurdas ou completamente irrelevantes para a nossa compreensão da Explosão Cambriana, muito pelo contrário. Elas são provavelmente partes do quebra-cabeça e desta forma devem fazer parte de uma explicação mais ampla e completa. Porém, essas ideias parecem mais elementos possibilitadoras ou condutivas, mas do que propriamente deflagradoras do processo. Por isso, é mais sensato esperar que uma combinação de causas e eventos prévios e concomitantes a ‘Explosão Cambriana’ estejam envolvidos na gênese e desenvolvimento deste processo de evolução paralela da fauna animal esqueletizada.

As observações de Benton são importantes também por que este paralelismo e imediatismo não é exatamente o que se vê ao examinarmos o registro fóssil cambriano que indicam que a ‘explosão’ foi na realidade prolongada no tempo, sendo mais progressiva e ordenada do muitos imaginam, sugerindo um componente ecológico mais ativo, geralmente, tido pelos especialistas como tendo sido alguma forma de corrida armamentistas coevolutiva.

Em detalhe, os fósseis mostram uma Explosão Cambriana um tanto prolongada, de pelo menos 10 milhões de anos – um instante geológico, mas muito tempo para viver. O mais provável é que a aquisição sequencial dos esqueletos tenha sido parte da chamada ‘corrida armamentista’ . Se um grupo desenvolveu um esqueleto – fosse esse baseado em quitina ou mineralizado por carbonato ou fosfato-, outros podem ter precisado seguir o exemplo. Se um grupo de presa se torna blindado, os predadores terão que aprender a lidar com as novas defesas ou morrerão. Uma maneira de perfurar armadura é ter apêndices blindados. Da mesma maneira, o surgimento de formas predatórias como trilobitas e o monstro Anomalocaris exerceria uma pressão evolutiva bastante direta em todos os outros organismos da época para se tornarem blindado ou morrerem.

 

Charles R. Marshal, da Universidade da California, em uma revisão de 2006, enfatiza que para compreendermos este evento complexo e um tanto prolongado no tempo, são necessárias ,uma variedade de explicações ‘extrínsecas’ – incluindo as de natureza ambiental abiótica – envolvendo modificações geológicas, atmosféricas, e mesmo bióticas – e intrínsecas que englobariam a evolução da organização genômica e dos mecanismos e restrições genético-desenvolmentais a eles associados, bem como outras de natureza ecológica, como as que dependem de corridas armamentistas entre predadores e presas e mesmo competição inter-específica, que se dariam de maneira concomitante a ‘explosão’ em si.

 

Para Marshal, o aumento da disparidade que ele associa a origem do filos e de grupos taxonômicos mais amplos como classes e ordens, e da diversidade, associada a origem de gêneros, seriam melhor compreendidas como resultantes da interação do sistema genético-desenvolvimental combinatório dos Bilateria e do aumento do número do de necessidades e demandas, por vezes conflitantes, que os primeiros bilatérios teriam se deparado com crescente aumento da complexidade das interações ecológicas, no que ele chamou de ‘princípio da frustração’.

O início da explosão entretanto seria fortemente restringido pela evolução do meio ambiente, enquanto que a sua duração parece ser controlada principalmente pelas taxas de inovação do desenvolvimento; já a singularidade da ‘explosão’ poderia ter sido devida tanto as limitações desenvolvimentais intrínsecas a sobreposição de sistemas de controle genéticos que estabilizaram e canalizaram as formas, como por causa da saturação do ‘ecoespaço’, ou ainda, mais abstratamente falando, simplesmente, por que haveriam se esgotado as morfologias ecologicamente viáveis que poderiam ser produzidas pelos sistema genético-desenvolvimentais nascentes dos organismos bilaterais.

Benton, ao aproximar-se do final do capitulo sobre a Explosão Cambriana, resume outra área de controvérsia relativa a este evento e que relaciona-se a ideia defendida por Stephen J. Gould, em seu livro ‘Vida Maravilhosa’, 1989, em que argumenta que o Cambriano teria sido um momento único. Segundo Gould cada espécie de Burgess Shale seria tão surpreendentemente diferente de outras formas que o cambriano teria sido um período de ‘irrestrita’ evolução de alto nível de planos corporais fundamentais. Gould e outros cientistas na época alegavam que os planos corporais básicos dos artrópodes, durante o Cambriano , teriam sido maiores do que os de outros períodos posteriores. Alguns pesquisadores sugeririam que existiriam perto de 100 filos cada um exibindo padrões de organização morfológica particulares e que denotariam a disparidade morfológica dos metazoários, em contrapartida a diversidade revelada pelo número de espécies e gêneros que envolveriam apenas variações dentro de um mesmo tema do ponto de vista morfológico. Como explica Benton:

Gould usou isso para criar uma nova metáfora para a evolução: que de alguma forma, no Cambriano, os artrópodes e outros grupos animais se diversificado de modo tão desenfreado que exploraram ao máximo as possibilidades genéticas. Desde então, a evolução, segundo ele, vem podando este espantoso crescimento da base da árvore evolutiva dos animais. Pelo menos metade da diversidade cambriana se perdido. Esta foi a evolução por explosão e poda.”

Benton, acrescenta que atualmente a maioria dos pesquisadores rejeitam essa visão esboçada por Gould, inclusive o próprio em seus escritos posteriores mais perto do final de sua vida, termina precocemente em 2002, e que, segundo Benton, talvez tenha se dado conta que ele mesmo havia se empolgado demais com sua própria prosa rebuscada.

Estudos posteriores como o de Matthew Wills, da Universidade de Bath, mostraram através da análise quantitativa da disparidade (a variação em forma) dos artrópodes presentes na fauna de Burgess Shale que esta era comparável a de faunas mais modernas de artrópodes:

Se compararmos uma lagosta e uma borboleta, uma aranha e um caranguejo-aranha, um besouro- rinoceronte e um ácaro, as disparidades são tão grandes quanto as observadas no Cambriano, ou mesmo maiores. Esses resultados podem ser generalizados para comparar todo o oceano Cambriano com toda a fauna moderna, ou se concentrar em uma região geográfica de hoje para torná-lo mais comparável com a localidade específica do folhelho de Burgess.”

 

Um dos problemas com esta questão e que provavelmente levaram Gould e outros cientistas a exagerarem o impacto da explosão cambriana e seu caráter único é que o próprio conceito de filo não é tão simples como gostaríamos. Por definição, como esclarece Derek E. Briggs ao comentar o livro de James Valentine sobre a ‘Origem dos Filos’, é que estes seriam grupos de espécies que compartilham um plano corporal (ou organização) único que não revelaria nenhuma evidência de relação com outros filos. Como enfatiza Briggs, esta definição é relativamente fácil de ser aplicada para os animais viventes, para os quais tal definição foi criada, mas muitas vezes acaba tornando-se problemática quando passamos a analisar grupos de animais extintos:

 

Os filos originaram-se centenas de milhões de anos atrás, e extinção eliminou as formas intermediárias, deixando diferenças significativas entre os filos remanescentes. Não há qualquer dificuldade, por exemplo, de distinguir entre um artrópode (digamos, uma aranha), um equinodermo (uma estrela do mar, por exemplo) e uma cordado (tal como o chefe do seu departamento). Os fósseis, entretanto, particularmente aqueles da Era Paleozóica (de 543 para 251 milhões de anos atrás), podem ser mais difícil de lidar. Sua morfologia pode ser pouco familiar, e há o problema que a informação sobre os tecidos moles geralmente foi perdida por causa da decomposição e não foi preservada.” [Decoding the Cambrian RadiationAmerican Scientist Volume 93 | Number 3 | May-June, 2005]

 

O problema pode ser melhor percebido ao analisarmos perguntas bem simples, proposta por Briggs:

Ao nos deparamos com os primeiros membros de uma linhagem que ainda não adquiriram as características distintivas e usadas para o diagnóstico dos planos de corpo que definem os filos, como modernamente os entendemos, como nós os classificaríamos? A qual filo essas primeiras linhagens pertenceriam?

De acordo com Briggs, a cladística – a principal abordagem de inferência das relações entre grupos taxonômicos e que é baseada na análise de características homólogas compartilhadas -, permite que uma ênfase seja colocada sobre os membros vivos de um filo, estabelecendo os chamados “grupos copa” (“crown groups”) que são formados pelo último ancestral comum de todos os membros vivos do filo e todos os descendentes daquele ancestral, pode ser distinguido dos “grupos tronco” (“stem groups”) que é formado pelas demais espécies e linhagens do clado, uma série de organismos extintos que estariam “abaixo” do “grupo copa”, mais próximos à base do grupo como um todo:

Os dados moleculares estão disponíveis para determinar as relações entre os “grupos copas”, mas é claro que nenhum dado deste tipo jamais existirá para o tronco, o que é uma pena, porque, como Valentine salienta, ‘Os taxons-tronco devem fornecer mais evidências das características ancestrais de um filo do que os taxons-copa.’” [Decoding the Cambrian Radiation” American Scientist Volume 93 | Number 3 | May-June, 2005]

 

Como explica Briggs, os taxons-tronco podem ser eventualmente alocados a um filo, uma vez que evoluíam as características diagnosticas, além de ser possível usar as informações baseadas nos fósseis para estimar as datas do aparecimento dos filos ao qual forma alocados. Na realidade, essa abordagem – que associa filogenias baseadas em dados moleculares dos representantes vivos de um grupo taxonômico, a hipótese do relógio molecular e informações do registro fóssil para calibrar o relógio molecular com os tempos mínimos de divergência – tem sido usada para estimar a data da real origem dos animais e que precedeu a explosão cambriana e que discutiremos mais tarde [Veja a discussão de Nick Matzke no blog Panda’s Thumb sobre esta questão e o artigo por ele comentado, além da resposta do ‘Pergunte ao Evolucionismo‘ sobre a origem dos filos].

Desta maneira, o excesso de filos, sugerido em algumas análises iniciais, poderia ser apenas um artefato da confusão causada pelas várias linhagens de grupos tronco de filos modernos, ‘pegos’ em um momento onde as características que usamos hoje para distinguir e classificar os filos ainda não haviam surgido ou pelo menos se cristalizado na forma como estão hoje.

No entanto, mesmo que a perspectiva inicial de Gould tenha sido descartada em sua forma mais extrema, existem ainda certa controvérsia sobre as relações entre diversidade e disparidade. Muitos paleontólogos ainda acreditam que a disparidade chegou perto de um máximo bem no começo do cambriano, sendo apenas a diversidade que demoraria mais a aproximar-se de seu máximo. Na figura abaixo estão resumidas três das possíveis formas que as relações entre diversidade e disparidade podem ter assumido durante o fanerozóico.

Benton, no final do capítulo nos apresenta uma questão, lembrando aquela parcela de cientistas que colocou em dúvida a própria realidade da ‘explosão cambriana’ e que sugeriram que a grande radiação era apenas aparente ou que a explosão fosse, na realidade, precedia por um logo processo de evolução e diversificação, neoproterozóico adentro, e que se tornariam evidentes apenas no cambriano. Estas sugestões já tinham se prenunciado por descobertas anteriores controversas de fósseis supostamente de animais bem mais antigos que as faunas cambrianas e ediacaranas e mesmo de fósseis de rastros e de túneis. Porém, foi fortalecida pela utilização de novas evidências moleculares, publicadas em 1996 por Greg Wraye colegas, da Duke University, que sugeriram que os animais tinham se diversificado cerca de bilhão e 200 milhões de anos atrás, portanto mais de 600 milhões de anos antes do cambriano.

 

Tomada em seu valor de face, esta nova evidência implicaria que o registro fóssil de animais do período pré-cambriano era muito mais deficiente do que se supunha originalmente, estendendo a explosão cambriana para trás no tempo e como alguns sugeriram na época simplesmente a desfazendo por completo.

De acordo com o já citado Briggs e seus colegas, Richard Fortey e o também já citado M.A. Wills, é muitas vezes assumido que a origem e diferenciação dos principais clados teriam que ocorrer concomitantemente com a “explosão” da evidência fóssil para diferentes morfologias, o que chamamos de ‘disparidade’ que teria ocorrido na base do Cambriano. Os autores sugeriram então que este não seria o caso, e argumentam que isto seria corroborado por duas linhgas de evidências:

 

  1. As análises da diferenciação biogeográfica e morfológica entre os primeiros trilobitas, que revelaria segundo eles a incompletude no registro fóssil do início do Cambriano, além do fato que, segundo os autores, evidências similares que poderiam ser reunidas no registro fóssil para outros grandes grupos;

  2. Análises filogenéticas, como as baseadas em estudos como o já mencionado de Gray, que mostrariam que haveria grande a probabilidade de terem existido linhagens ‘fantasma’*** que se estenderiam para o Pré-cambriano.

Segundo estes mesmos pesquisadores, os eventos importantes na geração dos clados teriam ocorrido muito antes da “explosão cambriana”, que foi apenas quando os grupos surgidos anteriormente se tornaram evidentes no registro fóssil. Assim, os autores defendem que alterações filogenéticas importantes provavelmente ocorreram nas linhagens de animais quando estes tinham pequenos tamanhos; o que poderia ser corroborado pelo fato que os taxons irmãos dos principais grupos são formados por linhagens de pequenos animais. A proposta é que ao dissociarmos a cladogênese, a origem das linhagens, da “explosão” cambriana em si, removeriamos a necessidade de invocarmos mecanismos evolutivos desconhecidos na base do Fanerozóico [2].

Uma extensão desse argumento que já foi comentada em um post anterior sobre o mesmo livro de Benton, deu origem a hipótese do ‘pavio filogenético’ (Veja “O ‘pavio filogenético’ e a ‘explosão cambriana’ não se fundem.) que tratava a radiação cambriana como uma explosão antecipada pela queima lenta de um ‘pavio’ bem mais longo e pouco vísivel em que eventos de cladogênese e diversificação de linhagens viriam já ocorrendo há centenas de bilhões de anos, mas como as populações permaneciam pequenas e as criaturas representante dessas linhagens mantinham tamanhos diminutos e possivelmente eram menos esqueletizadas, tendo seus corpos pouco duros e mineralizados, teriam escapado a fossilização. Embora, como enfatiza Benton, possa aceitar-se como plausível e mesmo provável a existência de um período mais longo de queima do estopim filogenético antecedendo o cambriano e mesmo o ediacarano, fica muito difícil aceitar que isso tenha ocorrido por mais de algumas dezenas de milhões de anos que dirá por mais de meio bilhão [2, 3].

 

Este impasse na última década tem começado a ser resolvido aparentemente com o lado vitorioso sendo o das estimativas baseadas em dados fósseis, uma vez que amostragens de genes e táxons mais amplas e a utilização de métodos mais modernos, em que as taxas de evolução dos relógios moleculares podem ser relaxadas e ajustadas para corresponder melhor as das diferenças linhagens, parecem estar se reconciliando, aproximando-se uma das outras, apesar de alguns autores ainda insistirem que as discrepâncias são mais profundas do que maioria dos paleontólogos e neontólogos gostariam de aceitar, principalmente por que mesmo os novos métodos com relógios relaxados e abordagens bayesianas dependem de certas suposições até certo ponto questionáveis:

O fim do debate teórico sobre o “o pavio filogenético’ foi precipitado por estudos mais recentes, realizados por Kevin Peterson e outros pesquisadores da Dartmouth University. Esses estudos usaram as nova evidência molecular para mostrar que a data estimada para a origem dos metazoários era realmente 650-600 milhões de anos atrás, mais velho do que o primeiro fóssil, mas não muito mais antigas que as enigmáticas faunas Ediacaranas, por exemplo. As primeiras análises enfrentaram uma variedade de problemas com os genes e os métodos de cálculo. O principal problema foi, entretanto, que todas as datas foram inferidas com base datas dos o início da peixes e outros vertebrados. O que os analistas anteriores não sabiam é que o relógio molecular dos vertebrados é um pouco mais lentamente do que dos outros filos de metazoários. Assim, inferindo com um relógio lento, mas pressupondo um ritmo rápido, a estimativa aumenta demasiado; na verdade, isso praticamente a duplica, de 650 a 600 milhões de anos para 1,2 bilhão” (pg 77)[3]

 

Por fim, embora hoje pareçam que as ideias originais de Gould realmente fossem exageradas e muitos dos supostos filos extintos deveriam ser mesmo membros tronco ainda em processo de aquisição das características diagnósticos dos filos moderno, existem ainda questões pertinentes sobre a velocidade e magnitude do aumento da disparidade. Muitos especialistas têm defendido que a disparidade aumentou muito rapidamente, chegando perto de seu máximo durante o cambriano e mesmo que não tenha decrescido como imaginava Gould não sofreu grandes aumentos posteriormente, o que parece ter havido com a biodiversidade se contarmos o número de gêneros e espécies que seriam variações dentro de um mesmo tema morfológico, após as linhagens terem evoluído as características que as tornam grupos copa, incluindo os últimos ancestrais e todos seus descendentes. Ao lado estão três perspectivas para esta relação entre diversidade e disparidade com duas delas sendo menos prováveis de acordo com os dados.

Note que nos três casos, a diversidade mostrada em termos da densidade dos ramos aumenta com o tempo, mas a disparidade mostra padrões bem distintos. A primeira, de cima para baixo, mostrando o padrão sugerido por Gould em que a disparidade teria alcançado rapidamente o seu máximo ainda no cambriano e decrescido ainda, como parte do processo contingente de evolução; a segunda denota a visão que tem sido defendida por vários cientistas e como a anterior sugere que a disparidade alcançou seu auge rapidamente no cambriano, mas ao contrário da perspectiva anterior, manteve-se mais  ou menos estável até os dias de hoje; e, por fim, a terceira, representando a visão que disparidade e diversidade aumentariam juntas e de maneira mais gradual.

Todas também assumem que a ‘explosão cambriana’ não foi tão prolongada no tempo como sugere a hipótese do ‘pavio filogenético‘ [3] de queima lenta, sugerindo um pavio mais curto e de queima mais rápida ainda que não tão excepcional como alguns tendem a pensar, sendo, possivelmente, a  interpretação mais comum da radiação cambriana que deve ter tido seu real início próximo de 650 ou 700 milhões de anos atrás, o que ainda é bem incerto, entretanto.

Este padrão de rápido aumento da disparidade precisa ser compreendido em um contexto apropriado, mais fundamental. Muitos cientistas sugerem que este fenômeno pode ser explicado ao encararmos o cambriano como um período de ‘experimentação’ genético-desenvolvimental em que as espécies ali existentes (algumas das quais dariam origem aos filos que hoje conhecemos, enquanto outras formas mais basais se extinguiram) não possuíam o nível de controle e canalização genética do desenvolvimento que vemos hoje em dia [sobre canalização veja esta resposta de nosso tumblr].

Em artigo anterior (“É a evolução genética previsível? Parte II ou Além da genética parte I“), chegamos a abordar algumas dessas ideias. Entre elas estão as que vem sendo defendidas por biólogos do desenvolvimento, como Stuart Newman, e que seguem a tradição ‘estruturalista’ de pesquisa científica em biologia. Esta abordagem enfatiza os processos e mecanismos físicos e químicos que estão em jogo nas interações entre moléculas, células e tecidos, bem como dá grande importância às relações geométricas que vão de modificando ao longo do desenvolvimento embriológico e do crescimento de organismos multicelulares. Estes processos mudam as relações entre os sistemas físicos e químicos que compõem os organismos vivos ao mudar suas distâncias e arranjos espaciais relativos, interferindo com a dinâmica das forças mecânicas envolvidas na interação entre células e tecidos em movimento e proliferação, assim como dos fluxos de moléculas especialmente através de processos como a difusão. Os mecanismos de reação e difusão propostos por Turing e desdobramentos mais modernos são exemplos do tipo de mecanismos que estes pesqusadores investigam. Assim, estes autores encaram as contribuições ‘genéticas’ especialmente aquelas associadas a sequência específica dos genes e ao padrão de expressão de seus produtos, neste contexto mais amplo, ou seja, como responsáveis pelo controle dos parâmetros dos processos morfogenéticos.

A ideia em questão é bem simples e pode ser resumida pela proposta que os organismos multicelulares mais primitivos, durante o pré-cambriano e provavelmente no comecinho do cambriano, ainda eram mais dependentes desses processos, que Stuart Newman chama de ‘genéricos’, e, portanto, mais flexíveis e dependentes dos ambientes em que os organismos estavam inseridos. Segundo Newman e outros ainda não haveria toda a ‘canalização’ genético-desenvolvimental, ou seja, o controle fino dos processos de desenvolvimento por meio de genes e vias bioquímicas específicas (mecanismos ‘genéticos’) que evoluiriam durante o cambriano, estabilizando esses processos e mecanismos, durante a ‘explosão’ cambriana, tornando os fenótipos mais estáveis e mais fixos, que quando se estabeleceram teria impedido que a disparidade crescesse muito mais.

Esta, porém, não é a única ideia que pode explicar este rápido aumento da disparidade em um período tão curto, mas deixaremos estas outras explicações e hipóteses para o próximo artigo que deverá concentrar-se nos mecanismos específicos que tem sido propostos para explicar a ‘explosão cambriana’. Assim, no próximo artigo, vou me concentrar especificamente na revisão de Charles R. Marshal que resumiu muito bem as discussões sobre os processos e mecanismos causais associados a radiação cambriana, deixando bem claro o tipo de pluralismo que precisamos ter em mente para explicar este impressionante evento de maneira adequada e testável.

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I – As interpretações de que tipos de animais compunham a fauna de Ediacara ainda é outro ponto de intensas discussões, com alguns autores acreditando que tratavam-se de animais diferentes dos encontrados no Cambriano e, portanto, nas faunas modernas, que está por trás da ideia de ‘Vendobionta’, comentada por Benton, e defendida por Dolf Sellacher, e mesmo um autor sugerindo que tratavam-se não de animais mas sim de fungos. Porém, a maioria dos cientistas acreditam que os organismos de Ediacara eram em sua maioria animais dipobásticos (com dois folhetos embrionários) aparentados aos cnidários modernos, talvez grupos basais dos mesmos, e que alguns deles seriam animais tripoblásticos (com três folhetos embrionários), inclusive como simetria bilateral que provavelmente relacionavam-se de algum modo com as faunas posteriores.

II – Existem outros fósseis mais controversos como os embriões putativos encontrados na fauna de Doushantuo, na China, que apresentariam padrões de clivagem típicos de animais dipoblásticos, mas que mais recentemente foram sugeridos como sendo bactérias sulfurosas gigantes e não embriões animais e nem ao menos eucariontes unicelulares coloniais. Estudos tafonômicos experimentais (i.e. sobre os processos de fosssilização em si), entretanto, feitos mais recentemente não apóiam esta interpretação, sugerindo que estes fósseis seriam certamente de eucariontes e não de bactérias que segundo os pesquisadores não suportariam o processo, colapsando as estruturas em equetsão antes que pudessem ser preservadas, processo qu epor sinal é  tem o envolvido biofilmes de origem bacteriana, talvez intermediada pelas bactérias sulfurosas.

 

  • Chen JY, Bottjer DJ, Li G, Hadfield MG, Gao F, Cameron AR, Zhang CY, Xian DC, Tafforeau P, Liao X, Yin ZJ. Complex embryos displaying bilaterian charactersfrom Precambrian Doushantuo phosphate deposits, Weng’an, Guizhou, China. ProcNatl Acad Sci U S A. 2009 Nov 10;106(45):19056-60. Epub 2009 Oct 26. PubMed PMID:19858483; PubMed Central PMCID: PMC2776410. [PDF]
  • Chen JY, Oliveri P, Li CW, Zhou GQ, Gao F, Hagadorn JW, Peterson KJ, Davidson EH. Precambrian animal diversity: putative phosphatized embryos from theDoushantuo Formation of China. Proc Natl Acad Sci U S A. 2000 Apr 25;97(9):4457-62. PubMed PMID: 10781044; PubMed Central PMCID: PMC18256. [PDF]
  • Bailey JV, Joye SB, Kalanetra KM, Flood BE, Corsetti FA. Evidence of giantsulphur bacteria in Neoproterozoic phosphorites. Nature. 2007 Jan 11;445(7124):198-201. Epub 2006 Dec 20. PubMed PMID: 17183268.
  • Cunningham JA, Thomas CW, Bengtson S, Marone F, Stampanoni M, Turner FR,Bailey JV, Raff RA, Raff EC, Donoghue PC. Experimental taphonomy of giant sulphur bacteria: implications for the interpretation of the embryo-like EdiacaranDoushantuo fossils. Proc Biol Sci. 2012 May 7;279(1734):1857-64. Epub 2011 Dec 7. PubMed PMID: 22158954; PubMed Central PMCID: PMC3297454.
  • Raff EC, Schollaert KL, Nelson DE, Donoghue PC, Thomas CW, Turner FR, Stein BD, Dong X, Bengtson S, Huldtgren T, Stampanoni M, Chongyu Y, Raff RA. Embryo fossilization is a biological process mediated by microbial biofilms. Proc Natl Acad Sci U S A. 2008 Dec 9;105(49):19360-5. Epub 2008 Dec 1. PubMed PMID: 19047625; PubMed Central PMCID: PMC2614766.
  • Yin L, Zhu M, Knoll AH, Yuan X, Zhang J, Hu J. Doushantuo embryos preserved inside diapause egg cysts. Nature. 2007 Apr 5;446(7136):661-3. PubMed PMID:17410174.

 

Outros estuos identificaram outros fósseis semelhantes a embriões mais diversificados e que indicam já certo nível de separação dos grupos animais no mesmo depósito fossilífero, reforçando a ideia que estas estrituras sejam mesmo restos fossilizados de embriões animais dipoblásticos. Ainda mais controverso é um suposto animal tripoblástico de simetria bilateral que dataria de 600 milhões de anos atrás que foi batizado de Vernanimalcula guizhouena, mas neste caso o status deste suposto fóssil é ainda mais questionado, com muitos pesquisadores sugerindo que seja apenas um artefato geoquímico e não um fóssil de verdade.

  • Bottjer DJ. The early evolution of animals. Sci Am. 2005 Aug;293(2):42-7. PubMed PMID: 16053136.

  • Chen, J. Y., D. J. Bottjer, P. Oliveri, S. Q. Dornbos, F. Gao, S. Ruffins, H. Chi, C. W. Li, and E. H. Davidson. 2004. Small bilaterian fossils from 40 to 55 million years before the cambrian. Science 305:218-22. doi: 10.1126/science.1099213

  • Chen, Jun Yuan, Paola Oliveri, Eric Davidson and David J. Bottjer. 2004. Response to Comment on “Small Bilaterian Fossils from 40 to 55 Million Years Before the Cambrian”.Science 19 November 2004: Vol. 306 no. 5700 p. 1291 doi: 10.1126/science.1102328

III- Este é um outro erro que encontra-se na tradução da LP&M, os ‘hiolitelmintideos’, cujos tubos fosfatizados abertos nas extremidades caracterizam parte da fauna ‘small shelly‘,  são traduzidos como e confundidos com os ‘hiolitas’ com suas conchas carbonatadas que aparecem posteriormente no período cambriano e que devem ter relação com os moluscos.

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Referências:

  • Benton, M.J. A História da Vida – Tradução de Janaína Marcoantonio – Porto Alegre: LP&M Pocket, 2012. 192 pg

  • Benton, M.J. The history of life: A very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2008. 170 pp.

Literatura Recomendada

  1. Briggs, DE Decoding the Cambrian Radiation [Book Review – On the Origin of Phyla. James W. Valentine. xxiv + 614 pp. University of Chicago Press, 2004. ] American Scientist May-June 2005, Volume 93, Number 3.

  2. Fortey RA, Briggs DEG, Wills MA. The Cambrian evolutionary ‘explosion’: decoupling cladogenesis from morphological disparity. Biological Journal of the Linnean Society. 1996 Jan;57:13-33.

  3. Briggs DEG, Fortey RA, Wills MA. Morphological Disparity in the Cambrian. Science. 1992 Jun;256(5064):1670-1673.

  4. Marshall CR. Explaining the ‘Cambrian Eexplosion’ of animals. Annual Review of Earth and Planetary Sciences. 2006;34(1):355-384.

  5. Cooper A, Fortey R. Evolutionary explosions and the phylogenetic fuse. Trends Ecol Evol. 1998 Apr 1;13(4):151-6. PubMed PMID: 21238236.

  6. Valentine, J. W. Prelude to the cambrian explosion Annual Review of Earth and Planetary Sciences 2002, 30, 285-306.

Referências adicionais sobre datação do início da divergência dos metazoários, especialmente bilatérios:

  • Aris-Brosou S, Yang Z: Bayesian models of episodic evolution support a late pre-cambrian explosive diversification of the Metazoa. Mol Biol Evol 2002, 20:1947-1954. [PDF]
  • Ho SYW, Philips MJ, Drummond AJ, Cooper A: Accuracy of rate estimation using relaxed clock models with a critical focus on the early Metazoan radiation. Mol Biol Evol 2007, 22:1355-1363.
  • Ayala FJ, Rzhetsky A, Ayala FJ. Origin of the metazoan phyla: molecular clocks confirm paleontological estimates. Proc Natl Acad Sci U S A. 1998 Jan 20;95(2):606-11. PubMed PMID: 9435239; PubMed Central PMCID: PMC18467.
  • Blair JE, Hedges SB. Molecular clocks do not support the Cambrian explosion.Mol Biol Evol. 2005 Mar;22(3):387-90. Epub 2004 Nov 10. Erratum in: Mol Biol Evol. 2005 Apr;22(4):1156. PubMed PMID: 15537810. [PDF]
  • Bromham L. What can DNA Tell us About the Cambrian Explosion? Integr Comp Biol. 2003 Feb;43(1):148-56. PubMed PMID: 21680419.
  • Chernikova D, Motamedi S, Csürös M, Koonin EV, Rogozin IB. A late origin of the extant eukaryotic diversity: divergence time estimates using rare genomic changes. Biol Direct. 2011 May 19;6:26. PubMed PMID: 21595937; PubMed Central PMCID: PMC3125394. [PDF]
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Créditos das Figuras:

ALAN SIRULNIKOFF/SCIENCE PHOTO LIBRARY – Burgess Shale
GARY BROWN/SCIENCE PHOTO LIBRARY – Stephen Gould, US palaeontologist
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:OxygenLevel-1000ma.svg Oxygen Levels
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Phanerozoic_Biodiversity.png

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Trilobite_sections-en.svg
NATURAL HISTORY MUSEUM, LONDON/SCIENCE PHOTO LIBRARY
ALAN SIRULNIKOFF/SCIENCE PHOTO LIBRARY
RICHARD BIZLEY/SCIENCE PHOTO LIBRARY

Biologia Evolutiva do Desenvolvimento/Evo-Devo – Um curso de curta duração na Universidade Federal da Bahia

Evolutionary Developmental Biology (Evo-Devo) – A short course at the Federal University of Bahia
(Biologia Evolutiva do Desenvolvimento/Evo-Devo – Um curso de curta duração na Universidade Federal da Bahia)
Stuart A. Newman, Ph.D.
New York Medical College
Organização: Charbel Niño El-Hani, Ph.D.
Promoção: Projeto “Integrando Níveis de Organização em Modelos Ecológicos Preditivos: Aportes da Epistemologia, Modelagem e Estudos Empíricos” (INOMEP/PRONEX).
Professores assistentes: Charbel Niño El-Hani, Ph.D. (Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia); Emilio de Lanna Neto (Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia), Ms. C.; José Wellington Alves dos Santos (Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia), Ph.D.; Ana Maria Rocha de Almeida (Universidade da Califórnia, Berkeley), Ms. C.
Estrutura do curso
O curso terá um total de 20 horas. Destas 20 horas, 10 horas consistirão de aulas proferidas por Prof. Stuart Newman em língua inglesa e 10 horas corresponderão a sessões de discussão de artigos selecionados. Os artigos serão em língua inglesa, mas a discussão será conduzida em língua portuguesa pelos professores assistentes, em grupos de 20 alunos.
Somente serão emitidos certificados para participantes com mais de 80% de presença.
Número de vagas: 80
Local: Instituto de Biologia, Campus de Ondina, Universidade Federal da Bahia.
Data: 12 a 16/11/2012
Turno das aulas: Matutino.
Procedimento de inscrição: Enviar email para charbel.elhani@gmail.com manifestando seu interesse pelo curso. Enviar currículo (formato Lattes CNPQ) e carta de justificativa do interesse pelo curso.
 

As inscrições estão abertas até 01/09/2012. O curso está aberto a estudantes da graduação, da pós-graduação e a pesquisadores.

Data de divulgação do resultado da seleção dos estudantes: 05/09/2012
Programa provisório
Dia 1 (Segunda, 12 de Novembro) 
Vida multicelular: animais, plantas, fungos, amebozoários. Quando eles surgiram; exemplos modernos; similaridades e diferenças anatômicas e genéticas. Exemplos de processos e mecanismos desenvolvimentais característicos de cada grupo. Uniformitarismo vs. não-uniformitarismo na teoria evolutiva; desafios conceituais da Evo-Devo à Síntese Moderna.
Dia 2 (Terça, 13 de Novembro)
Mecanismos físicos de morfogênese e formação de padrões em sistemas animais (e em alguns sistemas vegetais): liquidez (liquidity) de tecido; adesão diferencial e separação de fase; oscilação e sincronização de estado bioquímico; multi-estabilidade do estado diferenciado; conseqüências moleculares da polaridade celular; morfógenos; inibição lateral; padronização de reação-difusão (reaction-diffusion patterning); filotaxia; mecanismos celulares de padronização autônoma; mecanismos envolvendo sinalização célula a célula e mecanismos independentes de sinalização; mecanismos compostos: morfoestáticos vs. morfodinâmicos.
Dia 3 (Quarta, 14 de Novembro)
Módulos de padronização dinâmica (DPMs): a física encontra a genética no estado multicelular. O genoma do coanoflagelado Monosiga brevicollis; mobilização de adesão e adesão diferencial por caderinas e de inibição lateral por Notch-Delta, conseqüências multicelulares de polaridade apico-basal e planar mediada por Wnt; oscilações e sincronia baseadas em Hes1; difusão e quebra controlada na formação dos gradientes dos morfógenos Hedgehog, BMP e FGF; actomiosina e excitabilidade mecânica dos epitélios; formação de redes e matrizes extracelulares colagenosas. Plasticidade inerente dos resultados de padronização DPM. Papel geral dos DPMs na origem dos planos corporais de animais e plantas.
Dia 4 (Quinta, 15 de Novembro)
Interação dos DPMs na formação do plano corporal animal e dos motivos de órgãos: dinâmica do modelo do relógio e da onda frontal (clock and wavefront) na somitogênese; papel do oscilador Notch-Hes1; sincronização; FGF, Wnt e plasticidade da somitogênese: o caso da segmentação aumentada na serpente; interação do ambiente uterino com o relógio somítico levando a número alterado de segmentos ou defeitos axiais; dinâmica ativadora-inibidora no desenvolvimento do membro de vertebrados; papéis de TGF-β e fibronectina; plasticidade do desenvolvimento dos membros: efeito de mutações, transplantes de tecidos, teratógenos; cenários para a produção de membros fósseis. Introdução às galectinas; um novo DPM baseado em rede de galectinas no membro em desenvolvimento.
Dia 5 (Sexta, 16 de Novembro)
A “ampulheta embrionária”: diferentes trajetórias embrionárias para o mesmo ponto médio morfológico. Insetos de banda germinativa longa vs. insetos de banda germinativa curta; exemplos do desenvolvimento de nematódeos; a relação da padronização celular autônoma no ovo com a função dos DPMs no estágio morfogenético do desenvolvimento; papel das propriedades variacionais dos mecanismos de padronização pós-estágio morfogenético. Plasticidade desenvolvimental na inovação evolutiva; origens de aves a partir de dinossauros em conseqüência de perda de genes: a hipótese do músculo esquelético termogênico.
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Aproveitem e inscrevam-se logo. As inscrições encerram-se em poucos dias!

Evolução – A História da Vida (editora Larousse)

Publicado no Brasil em 2009, “Evolução: A história da vida” (“Evolution: a Story of Life”), é um livro para toda a família e foi feito em uma parceria entre o Museu de História Natural de Londres e a editora Larousse, tendo sido escrito por Douglas Palmer e belamente ilustrado por Peter Barret.

A edição brasileira foi traduzida por Ana Catarina Nogueira e revisada pelo professor do departamento de zoologia, do Instituto de Biociências da USP, Dr. João Nogueira. O livro em formato de atlas, além de uma concisa e atualizada introdução à evolução biológica e ao seu estudo, nos leva a uma viagem, ricamente lustrada, pela história da vida em nosso planeta, mas com especial ênfase nos últimos 570-600 milhões de anos da história da vida animal, e que portanto merece um lugar nas estantes de toda biblioteca familiar e escolar de nosso país.

Segue a tradução do resumo da edição norte-americana editada pela University of California press:

Evolução recria a história 3,5 bilhões de anos de vida sobre a Terra em detalhes impressionantes através de vívidas ilustrações coloridas e gráficos, a mais recente informação científica, e centenas de fotografias. No coração do livro está um panorama, surpreendente belamente detalhado pelo renomado ilustrador Peter Barrett, que, em 100 reconstruções dos sítios em página dupla, oferece uma vista congelada das comunidades – de micróbios à humanidade, que viveram nos continentes do nosso planeta e em seus oceanos. Estas obras de arte inovadoras, com base nas mais recentes descobertas em alguns dos mais famosos sítios fósseis de todo o mundo, estão emparelhadas com um texto avalizado e altamente informativo escrito para um público amplo de leitores. Um projeto marcante, publicado para comemorar o 200º aniversário do nascimento de Charles Darwin e os 150 anos de seu livro ‘A Origem das Espécies’, ‘Evolução’ foi produzido em associação com o Museu de História Natural de Londres, um dos mais importantes centros de pesquisa em evolução do mundo. O volume inclui um índice de centenas de espécies indicadas nas ilustrações, artigos introdutórios sobre a evolução, e muitos outros recursos, tornando-se um livro essencial de referência para todas os lares, escolas e bibliotecas.”

E segue um vídeo com uma mostra das páginas do livro em sua versão britânica:

 


Não percam!!

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*”Evolution recreates the 3.5-billion-year story of life on Earth in stunning detail through vivid full-color illustrations and graphics, the latest scientific information, and hundreds of photographs. At the heart of the book is an astonishing, beautifully detailed panorama by renowned illustrator Peter Barrett that, in 100 double-page site reconstructions, offers a freeze-frame view of the communities—from microbes to humankind—that have lived on our planet’s continents and in its oceans. These groundbreaking artworks, based on the most recent findings at some of the most famous fossil sites around the world, are paired with an authoritative and highly informative text written for a wide audience of readers. A landmark project, published to commemorate the 200th anniversary of Charles Darwin’s birth and the 150th anniversary of his book On the Origin of Species, Evolution has been produced in association with the Natural History Museum in London, one of the most important centers of evolution research in the world.The volume includes an index of the hundreds of species shown in the illustrations, introductory articles on evolution, and many other features, making it a must-have reference for all homes, schools, and libraries.”

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Mais vislumbres de miscigenações ancestrais no DNA humano

Evidências genéticas obtidas de populações africanas modernas de caçadores-coletores revelam indícios de miscigenação com outra linhagem humana desconhecida.

Em estudo, cujos resultados foram publicados pela revista Cell, um grupo de cientistas liderado por Sarah A. Tishkoff (e cujo primeiro autor do artigo é Joseph Lachance) revelou – após  terem analisado amostras de DNA doadas por 15 africanos de populações caçadores-coletoras de Camarões e da Tanzânia, por meio de avançadas técnicas estatísticas – padrões que até o momento parecem ser muito melhor explicados por algum nível de miscigenação ancestral com alguma linhagem de hominines ainda desconhecida pelo registro fóssil, que deve ter divergido da nossa, mais ou menos, na mesma época que a dos Neandertais o fez, permanecendo isolada por bastante tempo, até voltar a se misturar com a nossa por meio de cruzamentos com as populações ancestrais das populações modernas investigadas.

Com o objetivo de reconstruir a história evolutiva humana moderna, identificando genes relacionados com a adaptação das populações desses grupos de caçadores-coletores, a equipe de pesquisadores (re)sequenciou os genomas completos desses 15 indivíduos (cinco indivíduos de cada subgrupo descrito abaixo) com uma cobertura muito grande, de mais 60 vezes o tamanho dos genomas:

  1. Pigmeus de Camarões

  2. Khoesans de língua Hadza, da Tanzânia.

  3. Sandawes, também da Tanzânia.

O time de cientistas que também é formado por Joshua Akey, da Universidade de Washington, um dos responsáveis pelas análises, juntamente com outros colegas que ajudaram no processo, determinou que cerca de 2 % do DNA desses caçadores-coletores parece ter vindo desta espécie de hominínes desconhecida  que divergiu de um ancestral comum – que também deu origem a linhagem que deu origem a nossa, de humanos modernos – cerca de 1,1 milhões de anos atrás. De acordo com o estudo da revista Cell, estes primos humanos ‘perdidos’ devem ter,  após a divergência ancestral e um certo tempo de separação, cruzado com os ancestrais humanos modernos dessas populações de caçadores-coletores, em algum momento antes da linhagem ancestral formadas pelos três grupos de caçadores-coletores da Tanzânia e de Camarões ter se separado, algo em torno de 30.000 a 70.000 anos atrás.

No trabalho foram identificadas 13,4 milhões de variantes, o que aumenta substancialmente o número de variantes humanas conhecidas. Além disso, os resultados permitiram a identificação de várias regiões genômicas que mostram assinaturas moleculares da seleção natural, sugerindo adaptação local. Entre esses loci estão incluídos genes associados à imunidade, a cicatrização de ferimentos e ao metabolismo, mas também a percepção olfativa e ao paladar, além de outros diretamente relevantes à reprodução. Os pesquisadores também relataram terem encontrado dentro da população de pigmeus, múltiplos loci altamente diferenciados, que desempenham um papel no crescimento e na função da hipófise anterior e que estão associados com a estatura.

O artigo da revista de The Scientist sobre a descoberta, escrito por Tina Hesman Saey, relata um outro estudo separado, que foi depositado online no dia 23 de julho nos arXiv.org, com resultados e conclusões consistentes com os publicados na revista Cell. Neste estudo, Joseph K. Pickrell, da Harvard Medical School, e vários colaboradores, examinando os padrões de variação dos SNPs – abreviatura em inglês de ‘Single Nucleotide Polimorfism‘, ou seja, variações em que um único nucleotídeo é substituído por outro – em 22 grupos de africanos, constataram evidências adicionais de que algumas populações africanas, incluindo os Hadza investigados no estudo da Cell, também possuiriam variantes genéticas provenientes de espécies desconhecidas de hominines extintos.

É preciso ter em mente, contudo, que diferentemente dos estudos anteriores que revelaram a miscigenação introgressiva de Neandertais e Denisovanos nos genomas de populações modernas de Eurasiáticos e Melanésio, respectivamente, estes novos estudos não contam com amostras de DNA obtidas de restos fósseis dos esqueletos do suposto hominine, portanto, o cruzamento ancestral tendo sido inferido de forma bem mais indiretamente.

O mesmo artigo da revista The Scientist, inclusive, traz a ressalva que outros pesquisadores ainda não estão convencidos de que as variantes de DNA identificadas nestes estudos sejam realmente atribuíveis a resquícios genéticos de miscigenação ancestral com uma ‘nova’ espécie humana, ainda desconhecida através do registro fóssil.

Os críticos argumentam que estas variantes de DNA poderiam ter vindo de um grupo geneticamente distinto de seres humanos modernos, mas que deve ter sido extinto devido a mudanças em seu ambiente, doenças ou confrontos com grupos rivais de humanos, como afirma Jean-Jacques Hublin, paleoantropólogo do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, na Alemanha.

Algo semelhante é afirmado por Paul Verdu, especialista em genética antropológica da Universidade de Stanford, nos EUA, que explica que cruzamentos relativamente recentes não são a única explicação para a presença destas variantes de DNA recém-descobertas. Verdu acredita que o DNA pode ser simplesmente remanescente de um estoque genético, possuído por um ancestral comum de humanos modernos e de outras espécies, mas que se transformou tanto em grupos não-africanos, por simples efeito do acaso, que atualmente não é mais reconhecível nos demais grupos humanos.

Ainda assim, a descoberta ilustra o poder das metodologias de produção em larga escala e análise de dados genômicos de alta definição, também mostrando as nuances da história evolutiva de nossa linhagem. Esperamos que estudos adicionais resolvam as questões pendentes e lancem mais luz nos estudos das origens de nossa espécie.

Para saber mais sobre o que temos descoberto sobre o passado de nossa linhagem, veja a série de posts aqui do evolucionismo.org sobre o tema Quem somos nós e como sabemos quem somos? Parte I, II e III” em que mais detalhes sobre as descobertas das últimas.

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Referências:

  • Lachance, J. et al. Evolutionary history and adaptation from high-coverage whole-genome sequences of diverse African hunter-gatherers. Cell, Vol 150, August 3, 2012, p. 1. [LINK]. [LINK]

  • Pickrell, J.K. et al. The genetic prehistory of southern Africa. arXiv:1207.5552v1. [LINK]

  • Saey, T. Hesman DNA hints at African cousin to humans. Science News Web edition: Tuesday, July 31st, 2012. [LINK]

Créditos das Figuras:

MATTHEW OLDFIELD/SCIENCE PHOTO LIBRARY

GUSTOIMAGES/SCIENCE PHOTO LIBRARY

“DNA SNP”: Fonte: Wikicommons; Autor David Hall (Gringer)

O alvorecer da filomedicina

A biologia evolutiva é essencialmente um campo de pesquisa básica cujos principais objetivos são compreender os padrões e processos por trás da evolução dos organismos vivos desde o nível genético-molecular, passando pela evolução das células procariontes e eucarionte, investigando origem e evolução dos seres multicelulares, pela origem da biodiversidade no contexto da história da vida em nosso planeta, inclusive buscando a compreensão de como se formaram, e mudam ao longo das eras, os ecossistemas e biomas que formam nossa biosfera. Porém, é inegável que o tipo de conhecimento produzido pela biologia evolutiva compreendida de forma ampla, que se sobrepõem a áreas como a genética, bioquímica, bioinformática, sistemática, ecologia, fisiologia, anatomia e embriologia, microbiologia, biogeografia e paleontologia, têm implicações diretas na forma como vivemos nossas vidas em sociedade e desta maneira torna-se aplicável de maneira mais direta a melhoria desta mesama sociedade. Neste contexto, uma nova técnica promete melhorar nossa capacidade de identificar genes associados a várias doenças comuns e assim aumentar a reproducibilidade de estudos de associação genômica [1].

O impacto das pragas, pestes e patógenos sobre os seres vivos, e especialmente a forma como mudam e se adaptam frente a utilização de defensivos agrícolas e antimicrobianos, são um exemplo claro da relevância do estudo da evolução. Também o são, os estudos sobre interações entre espécies e sua coevolução, fundamentais como base para compreendermos o efeito da introdução de novas espécies em novos ambientes e para nortearmos os esforços de conservação de espécies ameaçadas, assim como são os estudos sobre macroevolução e sobre as extinções e como elas afetam as biotas e como estas se recuperam, conhecimento que podem nos dar insights importantes sobre como diagnosticar eventuais extinções que estejam se avizinhando, como a possível sexta extinção em massa que podemos estar provocando, e também como, em princípio, evitá-las ou, pelo menos, lidar com seus efeitos de modo que minimizemos seu impacto negativos em nossas espécie e nas várias outras com as quais partilhamos estas fração do tempo e do espaço.

Na realidade, toda a ideia de testes com organismos-modelos – base da farmacologia, fisiologia, cirurgia experimental, toxicologia e biomedicina de modo mais geral -, mesmo precedendo a consolidação dos estudos evolutivos, é informada e cosubstanciada pela biologia evolutiva e as similaridades filogenéticas entre os organismos (associadas a considerações mais pragmáticas relativas a obtenção, manutenção e facilidade de uso) é que dão substância a uma série de práticas nestas disciplinas, desde a escolha dos organismos até como usar as informações obtidas a partir da análise bioquímica, fisiológica e genômica de animais e outros organismos vivos para identificar moléculas, sistemas e processos fisiopatológicos relevantes para nossa espécie.

Boa parte desta interação e intercâmbio entre as formas mais aplicadas de biomedicina e biologia humana, infelizmente, é feito de maneira pouco clara e às vezes até não refletida. Contudo, mais recentemente têm se aumentado os esforços de desenvolver uma medicina informada pela biologia evolutiva, por exemplo, tentando compreender várias condições, transtornos e doenças humanas crônicas, por exemplo, como sendo frutos de nosso passado evolutivo e resultado de eventos ancestrais, como as diminuições drásticas das nossas populações há dezenas de milhares de anos atrás, conhecidos como efeitos gargalos de garrafa, que, ao reduzirem a população efetiva, aumentaram o poder da deriva e contribuíram assim para fixação, ou pelos menos aumentar a frequência em nossa população, de uma série de genes e alelos ligeiramente desvantajosos que podem estar por trás vários dos nossos problemas de saúde crônicas e propensões a certas doenças que dependem da exposição a certos ambientes e modos de vida, dando mais peso àquilo que se convencionou chamar de “medicina evolutiva“.

Entre os cientistas que preocuparam-se com estas possibilidades estão o famoso geneticista de populações James F. Crow (1916-2012,) que aparece acima a esquerda tocando seu

violino e que infelizmente faleceu aos 96 anos de idade, neste mesmo ano, e o geneticista evolutivo da Universidade de Indiana cujos artigos foram resenhados várias vezes aqui no evolucionismo, Michael Lynch. (Veja por exemplo sobre este tema em especial o artigo “Qual será o futuro genético da humanidade?“]

Além de usar a história demográfica pregressa de nossa espécie em combinação com os modelos matemáticos da genética de populações evolutivas para compreender a saúde humana, outras abordagens objetivam compreender algumas de nossas fragilidades como sendo derivadas de ‘trade offs‘ evolutivos em que certos alelos e loci aumentaram suas frequências nas populações humanas mesmo causando uma série de problemas simplesmente por que estavam associados a vantagens reprodutivas precoces, sendo dificilmente purgados pela seleção negativa por que seus efeitos mais drásticos e negativos ocorriam bem depois do auge reprodutivo, especialmente em épocas em que as tecnologias e as práticas socioculturais não haviam ainda aumentado tanto a nossa expectativa devida média ao nascer e atrasado tanto o início da reprodução de várias populações, como podemos obsevar hoje em dia, particularmente, em países e regiões mais industrializadas e abastadas.

Esta segunda abordagem sofreu grande influência do biólogo evolutivo George C. Williams, um dos principais teórico da moderna biologia evolutiva da segunda metade do século XX, após o período da síntese moderna nos anos 30 e 40, e o médico Randolph M. Nesse que, junto a Willians nos anos 90, começou a divulgar a ideia de “Medicina Darwiniana” que tem crescido a passos lentos, mas contínuos, e que dão especial ênfase, como já comentado, ao conceito de trade-offs e ideias a ele relacionadas como ‘pleiotropia antagônica‘.

Porém, até recentemente, estas abordagens eram mais explicativas do que propriamente possibilitadoras de intervenções ou mesmo de identificação de mecanismos fisiopatológicos relevantes, ainda que já pudessem reforçar certas formas de tratamento e corroborar  indicações de mudanças de hábitos dietários e comportamentais, com atividade física.

Com a aurora dos estudos genômicos (e das outras ‘ômicas‘) e da bioinformática – disciplinas que surgiram da necessidade de lidar a montanha de dados gerados por métodos de sequenciamento e perfis de expressão de RNAs e proteínas e suas interações em larga escala – novas formas de empregar as informações evolutivas tem sugerido formas de identificar de maneira mais direta genes e regiões genômicas mais passíveis de serem relevantes às doenças complexas crônicas que desfiam a medicina moderna.

Como explica Richard Harth [2], os genomas humanos são enormes estruturas constituídas por cerca de impressionantes de 3 bilhões de pares de bases de nucleotídeos, sendo que a maioria deles está repleta de variações nas posições de nucleotídeos, desafiando os pesquisadores a identificarem àquelas que ficariam lá à toa, sem fazer nada de mais, como os polimorfismos neutros, das que realmente podem traduzir-se em doenças.

A ideia geral de que haveriam componentes genéticos em várias doenças crônicas veio inicialmente do fato que algumas doenças bem conhecidas apresentam uma correspondência de um para um entre uma dada substituição em um determinado gene e uma dada doença bem caracterizada. Estas chamadas doenças monogênicas como os diversos erros inatos de metabolismo, têm características bem particulares, sendo como já foi dito resultadso de geralmente uma única mutação em apenas um locus, além de geralmente terem um início precoce,  cobrando seu preço pago pelo paciente ainda na juventude. Entre as doenças monogênicas mendelianas mais conhecidas podemos citar a fibrose cística, a doença de Tay Sachs, a anemia falciforme e a doença de Huntington, está última destoando das demais por que seus efeitos tendem aparecer na idade adulta dos pacientes. Contudo, estas são apenas uma minoria das doenças em que acredita-se que haja um componente hereditário ainda que não tão direto e tristemente confiável, mas que tendem a mostrarem-se parcialmente herdáveis  aparecendo em estudos de herdabilidade e nos levantamentos de históricos de ‘pedigrees’ familiares.

As doenças complexas, como outras características complexas fisiológicas, anatômicas, cognitivas e comportamentais, são causadas por múltiplos fatores que interagem muitas vezes de maneira complicada, o que torna às vezes bem difícil a separação dos componentes ambientais e psicossociais daqueles hereditários que, mesmo assim, normalmente envolvem vários loci, possivelmente com vários alelos cada. Esta labilidade torna necessário que sejam usados métodos estatísticos e grandes estudos populacionais casos-controle ou de coorte em que pacientes saudáveis e acometidos são investigados à procura de eventuais diferenças genéticas. Entre essas doenças estariam algumas condições que têm preocupado cada vez mais as autoridades de saúde e os governos, além da sociedade como um todo, de forma mais geral, como a hipertensão, a artrite reumatoide, a doença de Alzheimer, a diabetes tipo II etc.

Uma das principais maneiras de investigar as contribuições genéticas a estas chamadas doenças complexas envolve o uso de estudos genômicos associativos ou GWAS (Genome-Wide Association Studies) em que são contrastados grupos de pessoas com certas doenças, os casos, com grupos de pessoas da mesma população com características equivalentes (como idade, sexo, peso, ocupação etc) exceto que não possuem a doença em questão, os controles, e, a partir daí, são comparadas diversas regiões genômicas em busca de variações que sejam muito mais frequentes nas porções doentes das amostras do que nas sãs. As formas mais investigadas de variações genéticas são os chamados SNPs, que são ‘polimorfismos de nucleotídeo único’, ou seja, sequências em que um dos nucleotídeos (as ‘letras’ do alfabeto genético, ‘A’, ‘T’, ‘C’, ‘G’, associadas, respectivamente, às bases nitrogenadas adenina, timina, citosina, guanina), além de outros marcadores genéticos, que revelariam arquiteturas genéticas subjacentes as doenças humanas que estão sendo investigadas.

O problema com esta abordagem é que vários dos esforços mais sistemáticos ao longo da última década, acabaram se mostrando não reproduzíveis. Por isso variantes genéticas que explicam uma parte substancial do risco hereditário de certas doenças humanas comuns ainda não foram descobertas, embora vários candidatas tenham sido levantadas e inicialmente se mostrado promissoras. Em muitos casos as associações encontradas em uma população não são confirmadas em outra muito semelhante. Isso pode ocorrer por vários motivos, um deles é que muitas vezes os SNPs e outros marcadores não são eles próprios os causadores das doenças mas encontram-se próximos, geneticamente ligados, aos genes que realmente teriam um papel causal, entretanto, em outras populações essas ligação pode ter sido quebrada como efeito da recombinação.

Além disso, como as relações entre a posse de uma dada variante e uma condição são bem pouco diretas e dependem de uma combinação de fatores, e complicadas interações, é também possível que uma dada variante que realmente faz parte das cadeias causas por trás de uma dada doença, em outra população, tenham seu efeito compensado por um outro pano de fundo genético ou por uma sutil mudança de ambiente que altera a forma como os genes interagem uns com os outros e como seus produtos são expressos. Além disso, boa parte dos ‘sinais’ produzidos por estes estudos podem ser espúrios e estarem correlacionados com as doenças apenas por causa de um fator comum talvez associado a origem da população particular ou surgirem como artefato de múltiplas comparações, o que pode ocorrer no caso de estudos prospectivos com desfechos mais amplos e não muito bem definidos. Porém, novos esforços e procedimentos vêm sendo desenvolvidos para lidar com estas frustrantes limitações deste tipo de estudo.

Um grupo de biocientistas, liderados por Sudhir Kumar, do Biodesign Institute da Universidade do Estado do Arizona – e que contava também com a participação de Rong Chen, Maxwell Sanderford, Atul J. Butte e Joel T. Dudley, do Programa em Informática Biomédica, Stanford University School of Medicine, este último, primeiro autor do artigo publicado em abril deste ano na revista Molecular Biology and Evolution – empreendeu uma análise em que foram investigadas 5.831 supostas variantes genéticas envolvidas em possíveis riscos à saúde humana e que estavam associadas a mais de 230 fenótipos de doença e que, por sua vez, haviam sido relatados em 2.021 estudos [1].

Este tipo de estudo é conhecido como meta-análise, um grande estudo estatístico que aglutina vários estudos estatísticos de associação do tipo anteriormente descrito. Neste estudo, o grupo de Kumar combinou estes dados com informações filogenéticas que permitiram aos autores desenterrarem padrões e tendências evolutivas que estariam ocultas nos dados e que poderiam indicar uma maior relevância das associações entre certos alelos e as doenças com as quais deveriam estar correlacionados.


“Cada posição no genoma humano entre os bilhões de pares de bases evoluiu ao longo do tempo” [2]

diz Kumar e acrescenta:

“Como o genoma evolui, algumas posições permitem mudanças com maior freqüência, enquanto outras não.” [2]

Nos estudos genômicos associativos, do tipo analisado por Dudley et al. [1], normalmente são calculadas as probabilidades de alelos, ao longo do genoma, estarem relacionados à doenças. Estas probabilidades, por sua vezes, aparecem na forma de estatísticas bem conhecidas, como o valor-p que indica a probabilidade daquela associação, ou de uma mais extrema, ser real caso a hipótese de nulidade – ou seja, que as correlações são apenas fruto do acaso e que não há uma vinculação necessária – seja verdadeira. Assim, os alelos com os menores valores-p são considerados os menos prováveis de estarem associados as doenças pelo mero efeito do acaso e passam a ser os melhores candidatos para fatores causais.

O esquema acima ilustra um exemplo do cálculo envolvido nos estudos de associação genômica que seguem o delineamento de estudos casos-controle. As contagens de alelos de cada SNPs medido são avaliadas, neste caso com um teste de Chi-quadrado (χ2), a fim de se identificar variantes associadas com a característica em questão. Os números neste exemplo são tomados de um estudo de 2007 sobre doença arterial coronariana (DAC) que mostraram que os indivíduos com o alelo G do SNP1 (rs1333049) estavam ‘sobrerepresentados’ entre os pacientes com DAC. [Wellcome Trust Case Control Consortium (June 2007). “Genome-wide association study of 14,000 cases of seven common diseases and 3,000 shared controls”. Nature 447 (7145): 661–78. doi:10.1038/nature05911.; Fonte: wikicommons; Autor:Lasse Folkersen; Data: 16 de janeiro de 2012]

 

Dudley afirma que:

“Mesmo se uma variante GWAS não tiver um papel funcional em uma doença, a informação evolutiva é ainda muito relevante, porque cada posição no genoma humano tem uma assinatura evolutiva que nos dá informação prévia sobre a forma como os alelos naquela posição são suscetíveis de variar em populações humanas modernas “ [2]

Os pesquisadores de posse dos resultados da meta-análise constataram que a maioria dos alelos presumivelmente relacionados a doenças, descobertos nos estudos associativos genômicos, ocorriam em regiões genômicas que evoluíam de maneira relativamente lenta. Essas posições que mostram-se menos propensas a mudar com o tempo e mantém-se estáveis em várias espécies de organismos vivos, no caso do estudo, outros mamíferos, são ditas ‘evolutivamente conservadas’ [2].

Isto é, as abordagens atuais mostram uma tendência à descobrir SNPs associados à doenças (dSNPs) em posições conservadas do genoma, já que tanto o tamanho do efeito (razão de chance/odds ratio) como os valores-p alélicos de associação genética de um SNP correlacionam-se fortemente com a conservação evolutiva da sua posição genômica. Segundo Kumar, como parafraseado por Harth:

Este fato dá conta da pobre reprodutibilidade de muitos alelos de doenças putativos através de diferentes populações, uma vez que alelos que ocorrem em locais conservados tendem a ser raros.” [2]

Kumar então explica:

“Você pode continuar encontrando alelos raros como este o dia inteiro, mas eles têm utilidade clínica limitada em uma população mais ampla.” [2]

A partir daí os autores propuseram um nova sistema de ranqueamento de SNPs que integraria os scores (pontuações) de conservação evolutiva e o valores-p que foi chamado de ”E-rank”. Este sistema  incorpora, portanto, a informação filogenética de estudos envolvendo múltiplas espécies de mamíferos e os aplica aos dados provenientes dos estudos associativos e as medidas de significância das associações. Assim, os autores conseguiram remover o viés intrínseco de amostragem de alelos raros de pequeno efeito, permitindo que alelos mais comuns e que ocorrem em sítios que evoluem mais rapidamente nos genomas sejam descobertos de forma mais fácil.

Com base nisso, usando os dados publicados de um estudo caso-controle muito grande, os cientistas puderam demonstrar que o método de E-rank prioriza SNPs, com maior verossimilhança (likelihood), associações de doenças fidedignas e reprodutíveis, muitas das quais podem explicar a maior proporção da variância genética. Dudley afirma:

“Nosso método elimina este viés, o que dá um ‘gás’ nas variantes comuns de alta freqüência que são mais propensas a serem reproduzidas através de populações devido à história evolutiva da posição genômica onde elas se encontram” [2]

Isso mostra que, a longo prazo, o histórico evolutivo das posições genômicas ofereceriam uma forma útil e prática mais confiável de reavaliar os dados de estudos de associação de doenças existentes, além de poderem ser usados para melhorar o delineamento e análise de futuros estudos deste tipo que pretendessem mostrar a base genética das várias doenças humanas comuns.

Estas aplicações biologia evolutiva não deveriam causar espanto de maneira alguma. Como produtos de um longo processo evolutivo não é de se estranhar que nossas próprias doenças tenham elas mesmas um histórico evolutivo, especialmente quando estão associadas a variabilidade genética humana e a interação dos nossos organismos com o meio ambiente. Recusar-se a encarar a importância da evolução biológica e relegar a biologia evolutiva a um segundo plano não é só uma atitude ignorante de quem não quer aceitar a realidade e aventurar-se em compreendê-la da melhor forma possível, mas é socialmente perigosa e medicamente contraproducente. Queiram ou não, a evolução é uma realidade e a biologia evolutiva está aqui para ficar.

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Referências:

  1. Dudley, J. T,. Chen, R. ,Sanderford, M.,Butte, A. J. , Kumar, S. Evolutionary Meta-Analysis of Association Studies Reveals Ancient Constraints Affecting Disease Marker Discovery. Molecular Biology and Evolution, 2012; DOI: 10.1093/molbev/mss079

  2. Harth, Richard Evolutionary information improves discovery of mutations associated with diseases Biodesign Institute Latest News, July 17, 2012. [Link]

Referências adicionais:

  • Crow JF. The origins, patterns and implications of human spontaneous mutation. Nat Rev Genet. 2000 Oct;1(1):40-7. Review. PubMed PMID: 11262873.
  • Crow JF. The high spontaneous mutation rate: is it a health risk? Proc Natl Acad Sci U S A. 1997 Aug 5;94(16):8380-6. Review. PubMed PMID: 9237985; PubMed Central PMCID: PMC33757.
  • Lynch M. Rate, molecular spectrum, and consequences of human mutation. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010 Jan 19;107(3):961-8. Epub 2010 Jan 4. PubMed PMID: 20080596; PubMed Central PMCID: PMC2824313. DOI: 10.1073/pnas.0912629107 [PDF]
  • Nesse RM. How is Darwinian medicine useful? West J Med. 2001 May;174(5):358-60. Review. PubMed PMID: 11342524; PubMed Central PMCID: PMC1071402. [PDF]
  • Nesse RM, Ganten D, Gregory TR, Omenn GS. Evolutionary molecular medicine. J Mol Med (Berl). 2012 May;90(5):509-22. Epub 2012 Apr 29. PubMed PMID: 22544168
  • Nesse RM. What evolutionary biology offers public health. Bull World Health Organ. 2008 Feb;86(2):83. PubMed PMID: 18297156; PubMed Central PMCID:PMC2647384. [PDF]
  • Nesse RM, Williams GC. Evolution and the origins of disease. Sci Am. 1998 Nov;279(5):86-93. Erratum in: Sci Am 1999 Mar;280(3):14. PubMed PMID: 9796548.

Créditos das Figuras:

Surpresas sobre as origens do músculo estriado no reino animal

A mobilidade é uma das principais características dos animais e embora existam muitos animais sésseis, que vivem fixados aos substratos, a imensa maioria dos metazoários é capaz de se mover, pelo menos, em uma fase de seu ciclo de vida. Da habilidade de locomoção ativa é que advém várias atividades essenciais nos modos de vida destas criaturas, como evitar predadores e evadir seus eventuais ataques, perseguir presas ou simplesmente buscar alimentos ou condições ambientais mais apropriadas, além de permitirem que se aproximem de parceiros em potencial e, eventualmente, acasalem-se com eles ou liberarem ovos ou esperma em suas proximidades.

Para mover-se ativamente são necessários nervos e músculos, dois tecidos que originaram-se em certo ponto na evolução animal, após a separação do filo Porifera (grupo representado pelas esponjas) dos Eumetazoa, grupo ao qual os BilatResearchBlogging.orgeria (animais com simetria bilateral, como nós, as moscas, vermes e as estrelas do mar, por exemplo), e os Cnidaria (como os corais, anêmonas e águas vivas); com isso tendo ocorrido há mais de 600 milhões de anos, ainda no período pré-cambriano. [Acima podemos ver dois momentos do processo de locomoção da medusa hidrozoária da espécie Clytia hemisphaerica que ocorre através da contração dos seus músculos estriados  – Crédito: Patrick Steinmetz. Fotos retiradas do material disponível no site]

Apesar de conhecemos bastante sobre a estrutura e função dos músculos, especialmente os dos vertebrados que têm sido intensamente estudados desde o século XIX na aurora da fisiologia comparativa, ainda sabemos muito pouco sobre as origens deste tecido.

 

O esquema abaixo [retirado do J Clin Invest. 2005; 115(3):518–526 doi:10.1172/JCI24351] http://www.jci.org/articles/view/24351/figure/2] representa um sarcômero, a unidade básica do processo de contração, que engloba os segmentos de proteínas entre os discos-Z. Em vertebrados as proteínas filamentosas finas são compostas de actina e das troponinas C , T, e I. Os filamentos sarcômericos mais grossos são compostos pelas proteínas filamentosas: miosina de cadeia pesada, pelas cadeias leves essenciais e de regulação da miosinas, pela protein-C de ligação à miosina e pela titina. O sarcômero ancora-se por meio de interações entre a titina e a actina com as proteínas dos discos-Z, α-actinina, calsarcin-1, MLP, teletonina (T-cap), e ZASP.

Um dos motivos que mantém nosso atual estado de ignorância sobre estas temas é o fato de que boa parte dos estudos nos quais dependem a nossa inferência evolutiva, como os de fisiologia, embriologia e anatomia comparativa, e mesmo sobre genética do desenvolvimento, serem conduzidos em animais terrestres, quando a maioria dos filos animais são aquáticos, particularmente marinhos, e foi neste tipo de ambiente em que acreditamos que os primeiros passos da evolução animal ocorreram.

Felizmente as técnicas desenvolvidas nas últimas décadas e empregadas em organismos-modelo tradicionais vêm sendo aplicadas também a diversos grupos de invertebrados marinhos como os cordatos tunicados e anfioxos, em outros animais de simetria bilateral, como equinodermos e anelídeos, e por fim à animais diploblásticos, como anêmonas e medusas, além das esponjas, claro. Essas técnicas permitem aos cientistas investigarem diretamente as moléculas responsáveis pelas características estruturais e funcionais dos tecidos de interesse e assim têm nos descortinado um panorama evolutivo bem mais rico e impressionante do que possuíamos há algumas décadas.

Em um trabalho representativo dessa abordagem, publicado online na revista Nature no mês de junho deste ano, um grupo de cientistas de várias instituições de pesquisa, na Europa, revelaram que a história da evolução da musculatura estriada começa muito antes do que havíamos pensado, antes mesmo que os organismos multicelulares houvessem evoluído.

O artigo tem como primeiro autor, Patrick R. H. Steinmetz, pós-doutorando no laboratório do grupo de Genética Molecular do Desenvolvimento de Cnidaria, do Centro Internacional para Biologia Marinha Molecular, Sars, em Bergen, na Noruega – liderado por Ulrich Technau, autor sênior do trabalho. Nesta pesquisa, o alvo dos cientistas foi a musculatura estriada, um tipo de tecido muscular presente em animais com simetria bilateral e em alguns outros eumetazoários não-bilaterais como os cnidários.

Os eumetazoários, Bilateria e os Cnidaria, assim como uma única espécie de ctenóforos (que no passado eram reunidos em um grande grupo chamado ‘celenterado’.), compartilham células musculares lisas e estriadas que não estão presentes em outros animais, como os placozoa e as esponjas. No caso da musculatura estriada dos vertebrados, por exemplo, o característico padrão de estriação resulta em várias unidades contrateis, conhecidas como sarcômeros, que são formadas conjuntos de grossos filamentos da proteína miosina alternados com filamentos da proteína actina, margeadas pelos discos-Z* que dão suporte a unidade contrátil. E um dos primeiros fatos que chamam a atenção dos biólogos é a grande similaridade ultra-estrutural desses tipos de músculos entre os Bilateria e Cnidaria, o que sugere uma origem evolutiva comum, ainda que cenários de origem independente já tenham sido propostos. Porém, muitos cientistas acreditam que este padrão de musculatura realmente teria surgido antes da separação desses grupos, o que é consistente com a observação de que a principal proteína motora associada ao aparato contrátil, a miosina de cadeia pesada tipo II (MyHC) é encontrada somente nos tecidos musculares dos animais desses grupos, corroborando a ideia de uma origem comum mais recente, após a separação do eumetazoa do grupo das esponjas.

O grupo de cientistas, então, resolveu reavaliar a evolução da musculatura estriada nos animais usando ferramentas de mineração genômica, análise filogenética molecular, aplicadas conjuntamente à análise dos perfis de expressão gênica em esponjas e cnidários.

 

Abaixo um ‘close-up’ das células musculares estriadas (vermelho, na horizontal) e lisas (vermelho, na vertical) da água-viva hidrozoária, Clytia hemisphaerica, e o núcleos das células coloridos em azul [Crédito: Johanna Kraus – retirado do material disponível no site] Os pesquisadores também empreenderam uma análise comparativa de 47 componentes moleculares dos tecidos musculares de organismos com simetria bilateral, em 22 genomas que já haviam sido completamente seqüenciados de espécies de metazoários, bem como de grupos de protistas proximamente relacionadas aos animais, assim como fungos e outros eucariontes, de modo que os autores do estudo pudessem desvendar e reconstruir os passos-chave na evolução muscular deste tipo específico de tecido animal. Então, de maneira muito semelhante ao que outro grupo de pesquisadores haviam feito para estudar a origem das sinapses (Veja por exemplo, “A origem das sinapses em animais descerebrados“), a colaboração liderada por Ulrich Technau, identificou a princípio um conjunto altamente conservado de proteínas contráteis e que pré-datavam a evolução das células e tecidos musculares. [Ao lado estão mostrados, em vista lateral, os músculos (em vermelho) e núcleos (em azul) de uma jovem medusa da espécie Clytia hemisphaerica Esses belos animais nadam através da contração de seus músculos estriados que localizam-se circunferencialmente dentro do ‘sino medusal’ e que levam a característica ‘propulsão a jato’ típica das medusas – Crédito: Johanna Kraus – retirado do material disponível no site]

Estas proteínas ‘[proto]musculares’ eram compartilhadas por metazoas, protistas holozoa (os mais próximos aos animais), além de fungos e amoebozoas. Esse conjunto incluía a já mencionada, miosina II de cadeia pesada (MyHC), a actina, além de outras proteínas a elas associadas:

  • Miosina de cadeia leve

  • Tropomiosina

  • Calmodulina

Isso mostra que genes como o que codifica a MyHC possuem genes ortólogos em grupos, como as esponjas, e que já, desde muito tempo atrás eram diferencialmente expressos, por já se mostrarem assim em pelo menos duas espécies de poríferos, com um deles já tendo características similares a variante do gene típica de músculos estriados. Porém, ainda mais impressionante é que mesmo organismos unicelulares já possuem ortólogos deste gene em particular.

“Como esta miosina específica até agora só fora encontrada em células musculares, esperávamos que a sua origem coincidisse com a evolução das células musculares. Ficamos muito surpresos ao ver que a “miosina do músculo” evoluíu provavelmente em organismos unicelulares, muito antes dos primeiro animais viveram”, explicou Ulrich Technau em um release de imprensa.

Mas outras surpresas aguardavam o time de cientistas. De todas as 47 proteínas estruturais ou regulatórias que foram analisadas, os cientistas puderam constatar que nenhuma delas é exclusiva de cnidários e bilatérios, ou seja, nenhuma dessas proteínas correlaciona-se com a origem evolutiva dos tecidos musculares. Desta maneira fica claro que o tal conjunto central de proteínas ‘musculares’ – em particular a proteína motora miosina de cadeia pesada tipo II (MyHC) típica dos vertebrados – já estava presente em organismos unicelulares antes mesmo da origem dos animais multicelulares. Este conjunto central conservado de proteínas que formam esta ‘maquinaria’ ‘actomiosínica’, muito antes da evolução dos músculos, já desempenhava algum tipo de função básica provavelmente envolvendo o cito-esqueleto de vários eucariontes, ajudando com a divisão celular e com a mudança da forma das células. Por isso, a origem evolutiva deste aparato contrátil é bem anterior a origem do reino animal e se deu através de inovações mais sutis específicas de cada linhagem no modo como estas proteínas são reguladas e combinadas, mais uma vez repetindo um padrão conhecido que vem sendo revelado e confirmado há décadas: a evolução ocorre por um processo de ‘bricolagem’ em que a reutilização e cooptação de partes e estruturas de maneira contingente parece ser a forma mais comum de inovar.

Mas afinal, como os músculos teriam evoluído a partir desse conjunto de proteínas empregado para outras funções?

Algumas pistas de como isso teria ocorrido foram reveladas no estudo, como o fato da cinase da miosina de cadeia leve, uma proteína fosforiladora da miosina de cadeia leve, ter sido identificada como uma inovação dos animais (metazoa) que permitiu a nós uma regulação mais fina da contração mediada pela actomiosina, fazendo isso ao acoplar a fosforilação regulatória da cadeia leve de miosina ao aumento das concentrações citoplasmática de Ca2+ em células musculares e não musculares. Entretanto, talvez a descoberta mais interessante seja a feita em relação a origem das duas principais variantes do gene da MyHC.

Estudos realizados anteriormente haviam sugerido que um evento de duplicação gênica teria dado origem a dois grupos filogenéticos distintos de ortólogos MyHC em animais bilatérios, cada um dos quais tendo uma função distinta e exibindo um padrão particular de expressão. Assim, a variante “não muscular” (NM) da MyHC dos bilateria  funcionaria durante processos celulares comuns, como a divisão celular ou migração, e também durante contração da musculatura lisa dos vertebrados, enquanto isso, os ortólogos ‘musculares’  (ST) dos bilatérios desse gene, funcionariam especificamente nos músculos estriados dos vertebrados e tanto nos músculos lisos e estriados dos protostômios. Porém, não foi isso que a análise descrita no artigo da Nature mostrou.

Os pesquisadores concluíram que, ao contrário do que era especulado, a duplicação do gene que gerou os dois grupos de ortologia da MyHC deve ter ocorrido bem mais cedo do que se pensava, isto é, antes da origem das células musculares, uma vez que bilatérios, cnidários, ctenóforos, além de placozoas e esponjas, estes dois últimos não possuidores de músculos, já possuem, pelo menos, um de cada ortólogo MyHC , com domínios estruturais do tipo ‘mola-espiralada’ específicos de cada uma das formas (ST e NM), enquanto os organismos unicelulares Capsaspora owczarzaki e Sphaeroforma arctica, possuem apenas um dos membro do grupo de ortologia MyHC, caracterizado pela estrutura ‘mola-espiralada’ específica de NM. Esta constatação e a topologia da árvore filogenética indicam fortemente que os genes MyHC ST e NM já haviam se originado por duplicação e se diferenciado ante do último ancestral comum de todos os animais, com os protistas mencionados tendo perdido a variante ST do MyHC.

 

 

Ao lado à esquerda podemos observar uma árvore filogenética de máxima verossimilhança de proteínas MyHC tipo II. Os nós são colapsados caso tenham divergido entre as ‘junções-vizinhas’ (Neighbor-Joining – NJ), máxima verossimilhança (ML) ou inferência Bayesiana. O aninhamento das MyHCs de protistas dentro do grupo de ortologia MyHC NM apóia um evento de duplicação MyHC no ancestral comum dos Metazoa, Choanoflagellata, Filasterea e Ichthyosporea, mas também assume perdas secundárias dos genes MyHC ST em vários filos de protistas. [Diagramas das estruturas de domínio MyHC. Comprimento do alinhamento final, 1,730 aminoácidos (A.A.). Barra de escala, 0,2 mudanças por sítio. Números coloridos representam posições domínios mola-espiralada (coiled-coil) não-canônicos; retirado de[Steinmetz et al., 2012 Nature; doi 10.1038/nature11180].

 

No entanto, apesar dos cnidários e ctenóforos já possuírem genes ortólogos a MyHC do músculo estriado, estes animais não possuem vários outros componentes cruciais dos músculos estriados que estão presentes nos Bilateria, tais como os genes responsáveis pela codificação de proteínas como titina e o complexo troponina. Isso sugere uma perspectiva bem particular e diferente da visão mais comum sobre a origem dos tecidos musculares. Os genes do grupo de ortologia MyHC NM e ST teriam sido herdados de um ancestral comum, mas sua cooptação por parte dos tecidos contráteis teria ocorrido de maneira independente nas duas linhagens, o que sugere que a evolução dos músculos estriados nesses dois grupos de eumetazoa seria um caso de convergência evolutiva. De maneira consistente com esta visão, várias proteínas ortólogas as que codificam disco-Z do aparato de contração em organismos bilatérios, nas águas vivas não são expressas na mesma localização que são nos Bilateria, com algumas delas sendo expressas em vários locais diferentes, por todo animal.

 

Os componentes do disco-Z aliás são outro caso interessante pois não exibem a grande conservação observada para os componentes centrais do aparato contrátil de actomiosina, mesmo dentro do Bilateria. Dos grupos analisados, quase metade das proteínas dos vertebrados (13 das 28) e um quarto das proteínas relacionadas ao disco-Z em D. melanogaster são únicas ou possuem domínios únicos nos cordados e em D. melanogaster. Das proteínas restantes, apenas quatro grupos de ortologia encontram-se em ambos os táxons: a proteína α-actinina, que serve de suporte para actina, as parceiras de ligação, LIM e Ldb3, e a proteína gigante titinina que regula o comprimento e a integridade dos sarcômeros. Então, boa parte das complexas redes de interação protéica, os ‘interatomas’ como em geral são chamados, associadas aos discos-Z de vertebrados e invertebrados evoluíram através do recrutamento (linhagem-específico) de componentes novos que foram agregados a um conjunto protéico ‘proto-disco-Z’ original que era compartilhado desde o ancestral comum destes dois grupos.

Em resumo, todos os cnidários não possuem as características moleculares dos músculos estriados dos Bilateria, exceto a expressão da variante do MyHC ST, e, por causa, disso os músculos estriados dos Bilateria e Hydrozoa provavelmente tenham evoluído de forma convergente a partir da maquinaria bioquímica contrátil celular bem mais antiga.

Segundo a conclusão dos autores, isso também poderia aplicar-se aos músculos estriados do ctenóforo Euplokamis, o único entre os ctenóforos com este tipo de músculo. Os cientistas propõem que o uso independente da expressão da proteína MyHC ST na construção dos músculos estriados tanto em bilatérios como em medusas se deu devido a restrições funcionais, uma vez que os tipos de filamentos grossos característicos ‘bipolares’ formados pelo MyHC ST favoreceriam uma rápida contração e para re-iteração da máquina actomiosínica, quando comparada ao que poderia ser oferecido pelo MyHC NM cujos filamentos baseiam-se em uma organização ‘latero-polar’.

Os  pesquisadores responsáveis pelo trabalho sugerem que a evolução independente de músculos estriados em duas linhagens de eumetazoários por meio de acréscimo de novas proteínas sobre uma base pré-existente, no caso um aparelho ancestral contrátil baseado em MyHC, pode servir como um modelo para a evolução de tipos de células complexas durante a evolução animal, e desta maneira ressaltam que a semelhança ultra-estrutural sozinha não é uma indicação confiável da origem evolutiva comum, uma vez que pode ser alcançada de forma independente por diferentes conjuntos de proteínas.

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Referências:

  • Steinmetz PR, Kraus JE, Larroux C, Hammel JU, Amon-Hassenzahl A, Houliston E, Wörheide G, Nickel M, Degnan BM, & Technau U (2012). Independent evolution of striated muscles in cnidarians and bilaterians. Nature, 487 (7406), 231-4 PMID: 22763458

O ‘pavio filogenético’ e a ‘explosão cambriana’ não se fundem.

Traduzir nem sempre é algo fácil, por isso admiro tanto as boas traduções e por consequência aos bons tradutores. Por causa dessa dificuldade, um trabalho de revisão independente sempre pode melhorar tal esforço ou pelo menos evitar que coisas simples atrapalhem a leitura de um bom texto.

Mesmo em boas traduções, às vezes, detectamos algumas pequenas coisinhas que nos saltam aos olhos, chamando nossa atenção mais do que esperaríamos, talvez mesmo, por que destacam-se do fundo de excelência do resto do trabalho. Um exemplo disso ocorreu recentemente comigo quando detectei, em uma leitura mais relaxada da tradução da LP&M do ótimo The History of Life, do paleontólogo britânico Michael J. Benton,  uma expressão técnica traduzida de uma maneira bem estranha.

A nossa versão brasuca tem alguns pequenos erros (ou escolhas menos do que ideias de tradução), mas eles perdem relevância em uma tradução que, tirando estes detalhes, está realmente muito boa. Mas um desses erros, na minha opinião, destacou-se e pode tornar a compreensão da parte texto onde a expressão se encontra bem complicada,  confundindo os leitores não familiarizados com o jargão da moderna paleobiologia.

A expressão em questão é ‘phylogenetic fuse’ que em português virou “fusão filogenética“. Está na página 76 da tradução brasileira do livro e é um erro simples (quase bobo) que poderia ter sido prevenido por um trabalho de revisão adicional – neste caso a revisão não precisaria nem ser necessariamente técnica, pois o termo ‘fuse‘ não é tão incomum assim e é bem diferente de ‘fusion‘.

Vamos ao problema. Compare o trecho traduzido com o da versão original da Oxford University Press que faz parte da ótima coleção Very Short Introductions‘:

O termo ‘fusão filogenética’ foi inventado para descrever tal situação, em que um grande grupo (neste caso, os metazoários) diverge, e isso é indicado pela data molecular, mas os primeiros fósseis aparecem muito mais tarde. A ‘fusão’ se refere à hipótese de que a evolução continuou acontecendo, mas os organismos eram pequenos e raros, e por isso não eram detectados como fósseis.” [1]

The term ‘phylogenetic fuse’ was invented to describe such a situation, where a major group (here metazoans) diverges, and that is marked by the molecular date, and then the first fossils appear much later. The ‘fuse’ refers to the proposition that evolution continued, but the organisms were small and rare, and so not detected as fossils.” [2]

O termo ‘fuse’ é mais apropriadamente traduzido como ‘pavio’ ou ‘estopim’ e no contexto de uma ‘explosão’ mesmo que metafórica faz bem mais sentido do que ‘fusão’. No abstract do artigo em que o termo foi cunhado, fica claro o contexto em que ele foi usado através da analogia empregada ao final do resumo:

Furthermore, molecular evidence indicates that prolonged periods of evolutionary innovation and cladogenesis lit the fuse long before the `explosions’ apparent in the fossil record.” [3]

Além disso, a evidência molecular indica que períodos prolongados de inovação evolutiva e cladogênese acenderam o estopim muito antes das ‘explosões’ aparentes no registro fóssil.” [Tradução minha]*

Portanto, a expressão ‘phylogenetic fuse’ (‘estopim filogenético‘) é empregada para explicar a aparente discrepância entre as primeiras estimativas filogenéticas baseadas em relógios moleculares, feitas no final da década de 1990, para o começo da diversificação dos metazoários – principalmente para a origem dos bilateria, grupo ao qual pertencem os protostômios e deuterostômios – que, segundo os primeiros estudos, deveria ter se iniciado cerca de 600 milhões de anos antes da primeira aparição desses animais no registro fóssil, no começo do período cambriano. Desta forma, de acordo com a hipótese, o ‘pavio filogenético‘ da evolução animal já estaria ‘queimando’ muito, muito, mas muito tempo mesmo antes da ‘explosão cambriana‘ que apenas marcaria a época em que os números de indivíduos das diversas linhagens teriam crescido muito, bem como o tamanho dos espécimens e seu nível de ‘esqueletização‘, tornando aparente aquilo que já havia acontecendo subrepticiamente  há centenas de milhões de anos.

Acima podemos ver uma representação da evidência molecular, cladística e biogeográfica como interpretada no final da década de 90 que indicava que a ‘explosão’ evolutiva cambriana poderia ter sido precedida por um longo período de diversificação pré-cambriana. A diversificação que indubitavelmente ocorreu na base do cambriano seria a acompanhada da aquisição de partes duras – além do aumento concomitante do tamanho e do potencial de fossilização de metazoários ao “estilo Fanerozóico”,  mas os planos  corporais que caracterizam estes clados, provavelmente, já teriam tido uma história muito mais longa do que havia se suposto até então. Na figura as linhas grossas sólidas representam a extensão no tempo conhecida dos grupos em questão por meio dos fósseis;  as linhas sombreadas mostram  a  ‘extensão fantasma’ (‘ghost range‘) que foi  implicada pela análise cladística; enquanto as linhas sólidas finas, mostram o padrão implicado de cladogênese pré-cambriana. Também podem ser vistos esboços dos grupos animais e asteriscos denotando divergências datadas por dados moleculares. Também são mostradas a fauna de Ediacara que precede a explosão cambriana, mas cujas afinidades filogenéticas com os grupos modernos (que tornam-se evidentes no cambriano) ainda são um tanto incertas. [ A Ilustração é uma obra de M.A. Wills e a figura foi retirada de Cooper A, Fortey R. Evolutionary explosions and the phylogenetic fuse. Trends Ecol Evol. 1998 Apr 1;13(4):151-6. PubMed PMID: 21238236. e foi modificada por mim com a adição da bomba e do estopim à direita da figura.

Ao lermos ‘fusão filogenética’ essa simples analogia perde-se e pode até subverter a ideia de diversificação e ramificação das linhagens que seria o contrário do que se esperaria observar ao usarmo o termo ‘fusão’.  Essa potencial confusão não ocorre com o texto original de Benton e é ainda menos provável caso leiamos o artigo original de Cooper e Fortey, de 1998, de onde tirei a figura e na qual adicionei um detalhe para quem ainda não compreendeu a analogia.

Trabalhos posteriores tornaram a ideia de um ‘pavio filogenético’, de queima tão lenta, desnecessária, uma vez que o emprego de outras técnicas de calibração mais flexíveis para os relógios moleculares produziram estimativas bem menos antigas para o inicio da diversificação dos animais, trazendo para bem mais perto do período cambriano este evento, como é explicado no livro de Benton.

Mais uma vez, esses e outros pequenos detalhes na tradução não tiram os méritos da publicação e nem minha recomendação para que todos interessados em uma boa introdução ao assunto, escrita em português, adquiram este livro e os demais da mesma coleção que já divulgamos aqui no evolucionismo.org.

Aproveito aqui para parabenizar a LP&M por estar traduzindo os livros da OUP, especialmente os títulos que se referem a evolução, paleontologia e história natural da coleção a ‘Very Short Introductions‘ que certamente têm um publico ávido aqui no Brasil que há muito espera por obras como essas.

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* “Furthermore, molecular evidence indicates that prolonged periods of evolutionary innovation and cladogenesis lit the fuse long before the `explosions’ apparent in the fossil record.”

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Referências:

  1. Benton, M.J. A História da Vida – Tradução de Janaína Marcoantonio – Porto Alegre: LP&M Pocket, 2012. 192 pg

  2. Benton, M.J. The history of life: A very short introduction. Oxford University Press, Oxford, 2008. 170 pp.

  3. Cooper A, Fortey R. Evolutionary explosions and the phylogenetic fuse. Trends Ecol Evol. 1998 Apr 1;13(4):151-6. PubMed PMID: 21238236.

Por mais que ela ame o arsênio, a GFAJ-1, não consegue viver sem o fósforo.

Caso você tenha algum interesse em ciência, acesso aos meios de comunicação e não tenha estado fora do planeta nos últimos dois anos, muito provavelmente, acompanhou, mesmo que de relance, a polêmica gerada pela divulgação, dos rresultados da pesquisa, liderada pela microbiologista Felisa Wolfe-Simon, em muito badalada conferência de imprensa da NASA, em que foi sugerido que uma dada cepa de bactéria, a Halomonadaceae, GFAJ-1 – encontrada do lago Mono, na Califórnia – não só tolerava altos níveis de arsênio, mas era capaz de usá-lo no lugar do fósforo na formação de seus ácidos nucléicos. Agora, após 18 meses de espera, dois grupos de pesquisadores 1,2 divulgaram os resultados das suas tentativas de replicar os experimentos que geraram a polêmica. O veredicto oficial, como relatado por Quirin Schiermeier, em artigo/comentário na revista Nature, é que as bactérias tolerantes ao arsênio, encontradas no lago Mono, não podem viver sem fósforo. Portanto, não foi desta vez que descobrimos um ser vivo com uma nova bioquímica de ácidos nucléicos em nosso planeta ou uma ‘biosfera das sombras’, como alguns gostam de chamar esta possibilidade.

 

Para quem não acompanhou a polêmica desde o início, essas bactérias foram descobertas em um lago raso, alcalino e altamente salino, na Califórnia – o tal lago Mon -, prosperando em sedimentos ricos em arsênio, um elemento altamente tóxico para a imensa maioria dos seres vivos e cuja toxicidade em parte se dá por causa de sua similaridade com o fósforo, o que permite que o substitua em algumas reações, interferindo com as mesmas e levando a interrupção de certas funções vitais dos organismos que têm a má sorte de absorvê-lo.

Por causa disso, a sugestão de que essas bactérias não só toleravam o arsênio – e, quem sabe,  incorporassem-no em suas membranas, por exemplo -, mas também, ativamente, o usassem no lugar do fósforo, despertou um grande ceticismo entre os químicos, bioquímicos e microbiologistas de plantão que produziram uma série de artigos em seus blogs atacando vários detalhes metodológicos do artigo original e, principalmente, os argumentos e conclusões de Wolfe-Simon e colaboradores – publicados online, em dezembro de 2010 3 e divulgados na já famigerada conferência de imprensa organizada pela NASA, entidade co-financiadora do estudo.

O jornalista Carl Zimmer cobriu a polêmica e a resumiu em um de seus artigos na revista Slate, com o sugestivo título “This Paper Should Not Have Been Published”, e em vários post em seu blog, seus e de convidados cientistas. Essa reação mostrou a velocidade do novo meio e gerou acaloradas discussões sobre o papel dos blogs e a adequação das críticas veiculadas pelos mesmos que teriam, segundo alguns, sido exageradas, agressivas e que, de alguma forma, atrapalhariam o processo de análise crítica em periódicos, como se os blogueiros/cientistas houvessem colocado a carroça na frente do bois. Uma crítica um tanto injusta especialmente por causa da própria forma escolhida pelos pesquisadores e pela NASA para divulgaram os achados e as interpretações do grupo, a já mencionada conferência de imprensa que parecia feita para criar polêmica (Veja ‘Microbe gets toxic response’).

Após essa tempestade na blogosfera, em junho do ano passado, quando o artigo de Wolfe-Simon e colaboradores foi definitivamente publicado na revista Science4, oito comentários técnicos, de muitos dos cientistas que haviam criticado as interpretações e conclusões de Wolfe-Simon e colegas sobre a GFAJ-1 em seus blogs, foram publicados acompanhando o artigo principal, ainda mantendo a polêmica em um nível científico do ‘ela disse ele disse’ que não é pouca coisa, por sinal, mas basicamente com as mesmas críticas já vociferadas nos blogs, seguidas de uma resposta tímida dos Wolfe-Simon e seus colegas que não acrescentou nada de novo a questão.

 

Já na época da polêmica, Rosie Redfield, uma microbiologista da Universidade da Columbia Britânica, em Vancouver, Canadá, crítica ferrenha do artigo, prontificou-se a replicar alguns dos experimentos e testar outras possibilidades que não foram testadas no artigo original. No início deste ano de 2012, ela afirmou que não pudera reproduzir os resultados Wolfe-Simon através de seus experimentos de laboratório (Veja ‘Study challenges existence of arsenic-based life’), antecipando o desfecho da polêmica. Agora, Redfield e colegas publicaram um dos artigos que confirmam o fato que as bactérias GFAJ-1 podem tolerar o arsênio, mas não vivem sem o fósforo e não incorporam arsênio em seu lugar em suas moléculas de DNA, refutando as sugestões mais polêmicas e desconcertantes de Wolfe-Simon et al (2011).

Redfield e colaboradores (2012), de acordo Schiermeier, relataram em seu artigo que quando bactérias da cepa GFAJ-1 foram cultivadas em meio contendo arsênio e uma quantidade muito pequena de fósforo, eles não foram capazes de detectar  em seu DNA compostos de arsênio, tais como arseniato, composto análogo ao fosfato, a forma como o fósforo é encontrado nas moléculas de DNA. Em outro artigo, outros pesquisadores, liderados por Julia Vorholt, microbióloga do Instituto Federal de Tecnologia, em Zurique, na Suíça, relataram que a bactéria não pôde crescer em um meio livre de fósforo na presença apenas de arseniato, podendo, no entanto, crescer em meios com baixas concentrações de fosfato e na presença de arseniato. A equipe de pesquisadores escreveu:

GFAJ-1 é resistente ao arseniato, mas ainda uma bactéria fosfato-dependente”


“Eu acho que nós temos agora uma evidência muito sólida de que o metabolismo da GFAJ-1 é tão dependente do fósforo, assim como o de todas as outras formas conhecidas de vida orgânica”, disse Vorholt e completou: “Estes micróbios muito robustos e muito bem adaptados parece são capazes de extrair eficientemente os nutrientes de seus ambientes extremamente pobres em fósforo.”

Aparentemente, um dos problemas com o estudo de 2010/2011 é que as amostras que a equipe de Wolfe-Simon havia usado em seus experimentos continham maiores concentrações de fósforo do que eles supunham inicialmente, de acordo com Vorholt a partir do relatado por Schiermeier:


“A nova pesquisa mostra que a GFAJ-1 não quebra as regras de longa data da vida, ao contrário de como Wolfe-Simon havia interpretado os dados de seu grupo.” [Veja aqui]

 

Wolfe-Simon ao comentar os novos artigos afirmou, esquivou-se afirmando:

“O artigo original da GFAJ-1 enfatizava tolerância ao arsénio, mas sugeria que as células necessitavam de fósforo, como se vê nestes dois novos trabalhos”

“No entanto, os nossos dados implicavam que uma quantidade muito pequena de arseniato pode ser incorporado as células e as biomoléculas, ajudando as células à sobreviver em ambientes com alto arseniato e com muito pouco fosfato. Tais quantidades baixas de incorporação de arsênio podem ser um desafio para serem encontradas e instáveis uma vez que as células estão abertas.”

Para Wolf-Simon, a história da GFAJ-1 está longe de terminar e acrescenta.

“As principais questões são: como é que estas células prosperam em concentrações letais de arsênio E para onde o arsênico vai?”

Com certeza são questões pertinentes e de interesse científico, mas bem mais modestas do que o hype que se criou com as sugestões de que essas bactérias poderiam substituir o fosfato por arseniato e assim constituírem-se em uma ‘nova forma de vida’, ideias que podem não terem sido divulgadas por Felisa e seus co-autores, mas que se criaram pela falta de apreciação pelos vários problemas nas interpretações do artigo original, suas limitações metodológicas – mesmo para consubstanciar as alegações mais modestas, mas ainda assim sensacionais, contidas no artigo original -, além da forma sensasionalista com que a NASA divulgou o estudo.

O importante, no entanto, é que a ciência é um processo que demanda a interação entre cientistas, crítica (às vezes pouco amistosa), divulgação dessas críticas e novas tentativas de reproduzir ou refutar resultados, métodos e conclusões originais por especialistas independentes. E foi isso que aconteceu!

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  • Schiermeier, Quirin Arsenic-loving bacterium needs phosphorus after all Nature News 09 July 2012; doi:10.1038/nature.2012.10971

Literatura Recomendada:

  1. Reaves ML, Sinha S, Rabinowitz JD, Kruglyak L, Redfield RJ. Absence of Detectable Arsenate in DNA from Arsenate-Grown GFAJ-1 Cells. Science. 2012 Jul 8. [Published Online July 8 2012] doi: 10.1126/science.1219861

  2. Erb TJ, Kiefer P, Hattendorf B, Günther D, Vorholt JA. GFAJ-1 Is an Arsenate-Resistant, Phosphate-Dependent Organism. Science. 2012 Jul 8. [Published Online July 8 2012] Science doi: 10.1126/science.1218455

  3. Wolfe-Simon, F. et al. A bacterium that can grow by using arsenic instead of phosphorus. Science. Published online Dec 2, 2010. doi:10.1126/science.1197258

  4. Wolfe-Simon F, Switzer Blum J, Kulp TR, Gordon GW, Hoeft SE, Pett-Ridge J,Stolz JF, Webb SM, Weber PK, Davies PC, Anbar AD, Oremland RS. A bacterium that can grow by using arsenic instead of phosphorus. Science. 2011 Jun 3;332(6034):1163-6. doi: 10.1126/science.1197258

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