Rodrigo Véras

Quem somos nós e como sabemos quem somos? Parte III

Voltando à série de posts sobre evolução humana inspirada no artigo publicado no BMC Biology em 2011, intitulado “Q&A: Who is H. sapiens really, and how do we know?” de Mason Liang e Rasmus Nielsen (Veja as partes I e II), concentramo-nos agora na terceira pergunta que concerne o impacto das últimas descobertas em genética humana e paleogenética sobre os modelos de origem dos seres humanos modernos.



Como tudo isso se ajusta às teorias atuais sobre as origens humanas?”

Nas últimas décadas dois principais cenários, para explicar a origem das modernas populações da espécie humana, destacaram-se. A chamada hipótese ‘Fora da África’ (‘Out of Africa’ ou OOA) e a hipótese ‘Multirregional’.

A primeira hipótese, OOA, postula que os ancestrais das populações de seres humanos anatomicamente modernos evoluíram originalmente em algum lugar da África, entre 150 000 e 200 000 anos atrás, a partir de onde migraram para fora da África, algo em torno de 60000 a 100000 anos atrás, deslocando-se para a Eurásia e substituindo outras populações humanas arcaicas de hominines, dando assim origem as diversas populações humanas modernas.

A hipótese multirregional, por outro lado, sugere que populações humanas arcaicas migraram e espalharam-se para fora da África muito antes das datas estimadas para os movimentos migratórios teorizados pelos defensores da OOA, evoluindo ao longo da Eurásia, mas sempre mantendo certo nível de miscigenação (fluxo gênico) com outras populações de outras regiões, como as da África, ao mesmo tempo que variavam em reposta ao desafios ecológicos e geográficos, por fim, dando origem as populações humanas modernas.

A partir do final dos anos 80, com os primeiros estudos mais amplos com o DNA mitocondrial de populações humanas modernas, a balança começa a pender para o modelo OOA. Um dos principais momentos de virada foi a publicação, em 1987, dos dados que levaram a postulação da chamada ‘Eva mitocondrial‘ que marcaria o ponto de coalescência das mitocôndrias modernas que, de volta no tempo, convergiriam a uma mulher específica, que teria vivido em uma população humana ancestral, e que da qual todas as mitocôndrias modernas seriam derivadas*. Esta cenário foi também corroborado por estudos similares com o cromossomo Y que, de forma análoga as mitocôndrias que são herdadas pelas linhagens maternas, marcam ‘patrilinagens‘ sendo herdados apenas pelos homens. Os cromossomos Y modernos, ao voltarmos ao passado, coalesceriam (Veja ‘Coalescência’) no chamado ‘Adão do cromossomo Y‘, um indivíduo do sexo masculino particular que teria vivido em uma população humana – não na mesma época que a Eva mitocondrial, por sinal – do qual os cromossomos Y atuais seriam originários*.

Porém, mesmo antes dos estudos com os genomas dos Neandertais e Denisovanos, já haviam indícios que a história era um pouco diferente para os genomas nucleares autossômicos e para o cromossomo X que sofrem recombinação, o que faz com que diferentes porções tenham sua própria história e ‘coalescem’ em seus próprios pontos do tempo em indivíduos diferentes e de populações humanas potencialmente bem diferentes. Apesar desses dados ainda favorecerem uma origem majoritariamente Africana, já indicavam que certas porções deveriam ter se originado de miscigenação com outras populações humanas. Estudos como os de Jeffrey Wall** e de outros cientistas, com amostras de DNA de populações humanas modernas provenientes de diferentes fontes geográficas, já haviam sugerido que diferentemente do consenso que estava se formando, humanos anatomicamente modernos que evoluíram na África recentemente, haviam se miscigenado com populações de hominines arcaicos, como hoje parece claro para os Nandertais, Denisovanos, ou até mesmo Homo erectus.

Essas informações exigiram uma modificação do modelo OOA para que este pudesse aceitar certo nível de miscigenação, com seres humanos arcaicos ‘introgredindo’ em nosso ‘pool gênico’ moderno por meio de intercruzamentos com nossos ancestrais de origem Africana que teriam portanto guardado alguma variação genética típica desses outros seres humanos de outras populações, na África e Eurásia.

Figura 1. Origens humanas. Cada painel apresenta uma hipótese para a história evolutiva dos seres humanos. As barras coloridas mostram as relações filogenéticas entre as espécies, com cada cor representando uma espécie e azul representando a espécie de hominídeos ancestrais. As setas representam o fluxo de genes, ou da miscigenação, com pontos de interrogação para indicar mistura possível de hominídeos ainda não descobertos. (a) A hipótese ‘Fora da África’ (OOA), (b) a hipótese ‘Multirregional’, (c) uma modificação da hipótese OOA para incluir a mistura arcaico inferida a partir de trabalho recente. [BMC Biology 2011, 9:20 doi:10.1186/1741-7007-9-20]

Para mais detalhes sobre o cenário OOA modificado e como os diversos dados de diversidade genética de populações modernas humanas (e Paleogenéticos) levaram a esta conclusão, indicamos o vídeo de uma conferência, na Universidade do Arizona sobre o assunto, de uma palestra ministrada por Michael Hammer.



Ao empregarmos múltiplos métodos genéticos, matemático-computaconais e comparativos anatômicos lançamos um pouco mais de luz sobre a história de nossa linhagem e assim aprendemos um pouco mais sobre nós mesmos. Ainda que existam controvérsias pontuais sobre a precisa estrutura de parentesco humana, e talvez jamais tenhamos um conhecimento mais preciso sobre muitos de seus detalhes, é inegável que existe uma estrutura clara de parentesco, uma árvore filogenética, que nos liga aos outros hominines e aos demais primatas, mamíferos, animais, eucariontes e procariontes. Portanto, embora muitas vezes seja difícil sabermos com mais confiança de quem somos ‘irmãos’, ‘primos-irmãos’, primos mais distantes, ‘sobrinhos’ e ‘sobrinhos netos’ (quem dirá sabermos de quem somos ‘filhos’ e ‘netos’ e ‘bisnetos’, em sentido evolutivo) sabemos que somos todos parentes e temos uma ideia cada vez melhor de quão próximos estamos dos demais seres vivos.

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* No vídeo de Hammer isso fica bem claro, mas é importante ressaltar que tanto a Eva mitocondrial como o Adão Y não são contemporâneos (portanto não são um casal primordial), tendo vivido dezenas de milhares de anos da época um do outro, além de não serem os únicos humanos nas épocas em que viveram, sendo assim parte de populações humanas mais amplas. O que acontece e que dado a natureza do processo reprodutivo e dos fatores estocásticos (como as mutações e especialmente a deriva genética aleatória) que nele estão envolvidos, a maioria das mitocôndrias dos indivíduos e dos cromossomos Y, que são herdados respectivamente ‘matri e patrilinearmente’ (com o cromossomo Y sendo herdado exclusivamente pelos homens), são perdidas por que caso uma mulher tenha só filhos ou só netos e um homem só filhas e só netas, os genes que encontram-se nessas estruturas não serão representados na próxima geração. Estes indivíduos (a ‘Eva mitoncondrial’ e o ‘Adão do cromossomo Y’) são chamados de ancestrais comuns mais recentes ou ACMRs; e o ‘ancestral comum mais recente’ (ACMR) de qualquer conjunto de organismos (ou indivíduos dentro de uma espécie) é o indivíduo mais recente a partir do qual todos os organismos do grupo em questão são descendentes diretos. Mas é importante ressaltar que, além dos ACMR do cromossomo Y e das mitocôndrias, existem ACMRs para cada trecho dos demais cromossomos, diferindo não só em função da região como em função do tamanho do trecho, com proporções menores (em que há menos recombinação) coalescendo em um passado mais remoto. Por isso existem vários ACMRs para cada uma das diferentes porções genômicas existentes nas populações modernas.

Acima um esquema mostrando a evolução de haplogrupos do DNA mitocondrial para ACMR [Data: 8 de março de 2012; Fonte: TiGen, Autor: C. Rottensteiner; Disponível wikicommons]


**Os trabalhos de Wall e Hammer (2006) basearam-se na análise do padrão de comprimentos de haplótipos, controlando para outros fatores confundidores, como a história demográfica e variação da taxa de recombinação. Esses resultados os levaram a concluir que os comprimentos observados dessas regiões só poderiam ser explicados pela mistura arcaica da ordem de 5%, o que tem sido corroborado pelas evidências de miscigenação de populações humanas modernas ancestrais com Neandertais e Denisovanos a partir das análises do seus DNAs nucleares.

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Referências:

  • Liang M, Nielsen R. Q&A: who is H. sapiens really, and how do we know? BMC Biol. 2011 Mar 31;9:20. PubMed PMID: 21453556; PubMed Central PMCID: PMC3068989.

  • Wall J, Hammer M: Archaic admixture in the human genome. Curr Opinin Genet Dev 2006, 16:606-610.

  • Cann, RL; Stoneking, M; Wilson, AC (1987), “Mitochondrial DNA and human evolution”, Nature 325 (6099): 31–6, doi:10.1038/325031a0, PMID 3025745

  • Lewin R. The unmasking of mitochondrial Eve. Science. 1987 Oct 2;238(4823):24-6. PubMed PMID: 3116666. [Link]

  • Gibbons A. Y chromosome shows that Adam was African. Science. 1997 Oct 31;278(5339):804-5. PubMed PMID: 9381191.

  • Thomson R, Pritchard JK, Shen P, Oefner PJ, Feldman MW. Recent common ancestry of human Y chromosomes: evidence from DNA sequence data. Proc Natl Acad Sci U S A. 2000 Jun 20;97(13):7360-5. PubMed PMID: 10861004; PubMed Central PMCID: PMC16550. [Link]


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A vida bit por bit

ResearchBlogging.org

A pergunta “Estamos sós no Universo?” vem nos assombrando, pelo menos, desde que pudemos contemplar as incríveis dimensões de nossa própria galáxia e tornou-se ainda mais angustiante ao percebemos que a Via Láctea é apenas uma entre centenas de bilhões existentes no nosso universo conhecido. Mas embora quando muitos pensam em vida alienígena ou novas formas de vida tenham em mente algum tipo de civilização tecnologicamente avançada e, de alguma forma, semelhante a nossa, a maioria dos cientistas interessados que dedicam-se sua vida a questão têm objetivos bem mais modestos (excetuando os ligados ao programa SETI), como identificar microrganismos ou sistemas autorreplicantes ainda mais simples e que sejam realmente diferentes dos que conhecemos aqui na Terra. Para isso, entretanto, precisamos ter uma certa ideia do que esperar, o que demanda certo exercício de imaginação e de abstração das propriedades dos sistemas vivos com os quais estamos acostumados para que não nos fechemos em um paroquialismo exagerado, procurando apenas por sistemas biológicos muito parecidos com o que estamos acostumados. Além disso termos uma ideia de como a vida pode surgir e não apenas de como ela surgiu aqui, também nos pouparia de alguns embaraços.

Segundo Gerald F. Joyce, em um artigo ensaístico “Bit by Bit: The Darwinian Basis of Life” publicado ontem, na revista de livre acesso PloS Biol, existiriam duas rotas para origem de novas formas de vida. A primeira seria a rota da química pré-biótica, em que um sistema autorreplicante, capaz de transmitir informação hereditária e de evoluir por seleção natural originar-se-ia a partir de sistemas químicos complexos, eles próprios sem essas capacidades que, de fato, é basicamente o que acreditamos ter acontecido em nosso planeta, algo em torno de 4 bilhões de anos atrás. A segunda forma, porém, envolveria a nova forma de vida originando-se de uma outra pré-existente, mas alterando-se de modo drástico, durante esse processo, especialmente no que diz respeito ao seu sistema de hereditariedade, por exemplo, ao incorporar um novo tipo de polímero muito diferente do anterior e que seria considerada ‘nova’, apenas, em um dado ponto de sua evolução, e usando reações químicas bastante diferentes das encontradas, até então, em organismos em nosso planeta.

Como afirma Joyce:

Os sistemas biológicos são distinguíveis dos sistemas químicos, pois eles contém componentes com muitas composições alternativas potenciais, mas adotam uma composição determinada baseada na história do sistema. Neste sentido, sistemas biológicos têm uma memória molecular (genótipo), que é moldado por experiência (seleção) e mantida por autorreprodução. Podemos contar o número de bits na presente memória molecular, por exemplo, até dois bits por par de bases para um genoma de ácidos nucléicos. Os bits resultam quando potenciais composições alternativas são excluídas e composições específicas são adotadas. Mais formalmente, o número de bits é calculado como log2 do número de composições potenciais dividido pelo número de composições realizadas. Deve-se contar apenas os bits que se acumulam dentro do sistema, e não aqueles que evoluíram em outros lugares e que incorporaram-se ao sistema gratuitamente.


Suponha que tenhamos uma molécula que se autoduplica indefinidamente, orientando a montagem ordenada de blocos de construção para a produção de cópias adicionais de si mesma. Isso seria um processo químico interessante, mas a menos que haja a oportunidade de composições alternativas surgirem e reproduzirem-se de forma semelhante – isto é, que ocorre-se a evolução darwiniana – o conteúdo em bits seria zero. Suponhamos que algo possua uma cascata de reações complexas, talvez até um ciclo autocatalítico, contido dentro de um compartimento físico crescendo e dividindo. Isso também seria um processo químico interessante, mas não envolveria qualquer bits herdáveis. Suponhamos que se utilizasse a informação genética de um organismo biológico pré-existente para a construção de um fac símile que,daqui para frente, poderia evoluir composições alternativas. Novos bits poderiam acumular-se dentro de um sistema deste tipo, mas todos os bits que foram fornecidos no início seriam derivados do organismo pré-existente. Para ser considerado um nova forma de vida, a maioria dos bits devem ser autoderivados.” [PLoS Biol 10(5): e1001323. doi:10.1371/journal.pbio.1001323]


Assim, para Joyce, um critério apropriado indicaria que um ser vivo realmente seria uma nova forma de vida caso o sistema ‘novo’ cruzasse um limiar em que o sistema genético alternativo contivesse mais bits hereditários do que o número de bits necessário para iniciar o seu funcionamento. Baseado nessas considerações, usando-se a abordagem de Joyce, os diversos anúncios de grandes descobertas da comunidade científica de “novos tipos de vida” (tanto os confirmados como os ainda em suspensão) – como as supostas evidências fósseis de vida microbiana antiga e de ‘biomarcadores’ no meteorito ALH84001 de Marte; a suposta identificação de bactérias que substituíram o fosfato por arsênio em seu DNA, oriundas do lago Mono; ou mesmo a síntese de genomas bacterianos em laboratório e sua introdução em uma célula bacteriana cujo material genético havia sido destruído, conduzido pelo time liderado por J. Craig Venter – não se qualificariam, de fato, como novas formas de vida realmente diferentes, pelo menos, até que evidências mais completas pudessem ser analisadas, especialmente no caso dos indícios do meteorito ALH84001.

Na figura acima, retirada do artigo de Joyce, estão representados, em uma concepção artística, o recém-descoberto planeta “Terróide” Kepler-22b (imagem cedida pela NASA / Ames/JPL-Caltech), a química pré-biótica, que é representada pelo aparato de ignição de descarga de Miller-Urey (modificação da fotografia por Ned Shaw, da Universidade de Indiana), além de dois exemplos de hipótese de vida pré-RNA são mostrados, com base tanto ácido nucleico de treose (TNA) ou do ácido nucleico de glicol (GNA). doi: info: doi/10.1371/journal.pbio.1001323.g002

Então, por enquanto, ainda não temos como estimar as probabilidades de surgimento de algo realmente novo, pelo simples fato de ainda só conhecermos um único tipo de vida e ainda estarmos engatinhando na compreensão de como este tipo teria se originado, ainda que sua diversificação posterior seja cada vez melhor compreendida através da moderna biologia evolutiva. Porém, no caso dos sistemas que estão sendo investigados e criados pelos pesquisadores da biologia sintética, a perspectiva está aberta para que, um dia, eles cruzem o limiar informacional discutido por Joyce, assim como fica claro que os primeiros sistemas autoreplicantes protocelulares que se originaram de sistemas não-vivos, como se imagina que ocorreu em nosso planeta, em seu passado mais remoto, seriam desde o começo considerados ‘novos tipos de vida’, combinando com nossas intuições mínimas sobre a questão.

Apesar da aplicabilidade em si do critério de Joyce ser discutível já que, provavelmente, na prática se tornará muito mais complicado de especificar o limiar de informação ou mesmo obter informações sobre o mesmo para cada possível candidato, realmente precisamos pensar mais claramente no que esperamos encontrar, caso contrário talvez nem consigamos reconhecer aquilo que tanto buscamos. Exercícios como este que podem parecer distantes da realidade são necessários se quisermos responder a tão angustiante questão, “Estamos sós?” de uma forma realmente efetiva.

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Referências:

 

Credito das Figuras:

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Seleção sexual, seleção natural e evolução humana recente:

Um grande estudo colaborativo internacional (parte do “Human Life-History Project) aproveitou-se dos vastos registros documentais existentes na Finlândia, cobrindo um período de quase 100 anos e envolvendo quase 6000 pessoas, para investigar informações demográficas, culturais e tecnológicas que pudessem influenciar os parâmetros que afetaram a seleção sexual e natural em nossa espécie em tempos bem recentes.

Este estudo junta-se a outros recentes discutidos por mim e pelo Eli (“Ainda estamos evoluindo?” e ” Os humanos ainda estão evoluindo? Com certeza!“), aqui no evolucionismo, que rebatem a ideia que nossa espécie parou de evoluir, principalmente por causa dos avanços tecnológicos, médicos e sanitários [1,2].


A lógica por trás dessa ideia, entretanto, sempre esteve longe de ser sólida já que a evolução depende basicamente de variação hereditária e reprodução diferencial que continuam ocorrendo em nossa espécie; portanto, continuaria acontecendo mesmo que excluíssemos a seleção natural e sexual. Porém, a questão principal é que os avanços mencionados podem, no máximo, afrouxar certas pressões de seleção natural e, na maioria dos casos, modificá-las, especialmente no tocante a seleção sexual. Então, apesar dos avanços na medicina e tecnologia, assim como da maior prevalência da monogamia, mesmo em países desenvolvidos existem indícios que a seleção natural e sexual continuam tendo alguma importância.

Mas mais do que isso, essa ideia (de que não somos mais moldados pela evolução) baseia-se em uma visão míope das dificuldades de sobrevivência vivenciadas por boa parte da população mundial que está a ainda às margens das benesses tecnológicas e do apoio do estado, mais característicos dos países mais desenvolvidos, especialmente daqueles com estados de bem estar social bem organizados. A maioria dessas pessoas, portanto, não têm acesso a antibióticos, água tratada, alimentos, cirurgias reparadoras e condições mínimas de higiene, todos fatores que influenciam suas taxas de natalidade e óbito.

Como para realizar este tipo de estudo os pesquisadores precisam de muitas informações detalhadas, provenientes de um grande número de sujeitos – como dados de sobrevivência até a idade adulta, acesso a parceiros, sucesso no acasalamento e fertilidade por acasalamento, de modo que possam compreender com as pressões de seleção afetam o ciclo de vida dos indivíduos – o fato da genealogia ser muito popular na Finlândia foi decisivo, já que este país tem alguns dos melhores dados desta natureza acessíveis aos pesquisadores, graças aos minuciosos registros de nascimentos, óbitos, casamentos e status de riqueza que foram mantidos para fins fiscais, nas Igrejas. Além disso, o movimento no país também foi muito limitado até o século 20 o que ajuda a reduzir a influência de fatores como a migração e portanto o fluxo gênico, facilitando o isolamento das pressões seletivas e suas possíveis consequências. Como disse a Doutora Virpi Lummaa, do Departamento de Ciência Animal e Vegetal, da Universidade de Shefield, líder do projeto :

“Estudar a evolução requer grandes amostras com os dados individualizados cobrindo o tempo de vida total de cada pessoa que nasce” [2]


“Precisamos de conjuntos de dados imparciais que relatam os acontecimentos da vida de todos que nasceram. Porque a seleção natural e sexual agem de forma diferente em diferentes classes de indivíduos e através do ciclo de vida, precisamos estudar a seleção com relação a essas características, a fim de compreender como a nossa espécie evolui.” [2]

O estudo publicado no PNAS, este mês, analisa esse grande conjunto de dados, compilado a partir de registros da igreja, de populações pré-industrializadas finlandesas caracterizadas por monogamia socialmente imposta, e que contém uma distribuição completa de sobrevivência, acasalamento e sucesso reprodutivo de 5.923 indivíduos nascidos entre 1760 e 1849 [1].

De acordo com o estudo, as diferenças individuais na sobrevida precoce e fertilidade foram responsáveis pela maior variação da aptidão (sucesso reprodutivo), mesmo entre os indivíduos mais ricos, com a variância no sucesso de acasalamento explicando a maior parte da grande variância no sucesso reprodutivo em homens comparada com mulheres, mas com o sucesso no acasalamento também influenciando o sucesso reprodutivo feminino, permitindo que a seleção sexual operasse em ambos os sexos.


Apesar do estudo ser correlacional e não demonstrar de maneira mais efetiva que exista uma vinculação causal direta entre esses diversos fatores e o sucesso reprodutivo variável entre os indivíduos, ele é bem sugestivo de que é isso é que tenha ocorrido.

Assim, os autores concluem que as oportunidades detectadas para a atuação da seleção estão de acordo com medições em outras espécies, mas são maiores do que a maioria dos registros anteriores para amostras humanas. Com esta disparidade, segundo os autores, resultando das diferenças biológicas, demográficas, econômicas e sociais entre as populações, bem como de falhas da maioria dos estudos anteriores em levar em conta a variação na aptidão introduzida por indivíduos que não se reproduzem. Os resultados enfatizam que as mudanças demográficas, culturais e tecnológicas dos últimos 10.000 anos não excluem a possibilidade de seleção natural e sexual em nossa espécie [1].

Assim Lummaa, afirmou:

“Nós mostramos que os avanços não têm desafiado o fato de que nossa espécie ainda está evoluindo, assim como todas as outras espécies em “ambiente selvagem”. É um equívoco comum que a evolução ocorreu há muito tempo, e que para entender a nós mesmos, devemos olhar para trás para os dias de caçadores-coletores dos seres humanos.” [2]

E acrescenta:

“Nós mostramos que seleção significativa vem ocorrendo em populações muito recentes, e provavelmente ainda ocorre, então os humanos continuam a ser afetados tanto pela seleção natural como sexual. Embora as pressões específicas, os fatores que tornam alguns indivíduos capazes de sobreviver. melhor, ou ter mais sucesso na procura de parceiros e produzir mais crianças, mudaram ao longo do tempo e diferem em diferentes populações.” [2]

Os cientistas neste estudo também puderam observar que, assim como a maioria das espécies animais, existem diferenças em como a seleção natural e sexual afetam os homens e mulheres.

O primeiro autor do artigo Alexandre Courtiol, do Wissenschftskolleg zu Berlin, acrescentou:

“Características que aumentam o sucesso no acasalamento dos homens tendem a evoluir mais rapidamente do que aquelas que aumentam o sucesso no acasalamento das mulheres. Isso ocorre porque o acasalamento com mais parceiros, foi mostrado que, aumenta o sucesso reprodutivo mais. nos homens do que nas mulheres. Surpreendentemente, porém, a seleção afeta pessoas ricas e pobres na sociedade na mesma medida”[2]

Estudos como esse nos ajudam a perceber como somos parte da natureza, por mais que nos desenvolvamos tecnológica e socialmente, continuamos sendo seres vivos membros de populações que se modificam com o tempo.

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Referências:

[1] Courtiol, Alexandre,Pettay, Jenni E., Jokela, Markus , Rotkirch, Anna and Lummaa, Virpi . Natural and sexual selection in a monogamous historical human population. PNAS, April 30, 2012 DOI: 10.1073/pnas.1118174109.

[2] University of Sheffield (2012, April 30). Darwinian selection continues to influence human evolution. University of Sheffield Media Center News Release. Acessado em 1 de maio de 2012.


Créditos das Figuras:


Credit: ANDRZEJ DUDZINSKI/SCIENCE PHOTO LIBRARY

As demais figuras usadas ilustram a nota de imprensa da Universidade de Shefield e a página da Dra Lumma.


As vantagens da recombinação e do sexo

O sexo não é dos fenômenos mais fáceis de explicar, pelo menos, não de um ponto de vista evolutivo. Rituais de acasalamento são custosos, assim como são a exibição de belas cristas, caudas coloridas e ornamentadas e de cantos majestosos. Tudo isso exige grande esforço físico, portanto, investimento energético, além de pode tomar muito tempo e expor os animais a riscos que podem simplesmente tomar suas vidas eliminado por completo as perspectivas de reprodução, seja pela exposição a predadores, seja pelo conflito com outros conspecíficos, no caso de disputas entre indivíduos por parceiras, ou seja por estresse imunológico [1]. Além de tudo isso, o que se consegue é passar apenas metade do seu genes  às gerações futuras e não necessariamente a metade ‘boa’. Por isso, o sexo continua sendo um enigma evolutivo; e embora tenhamos muitos modelos e explicações interessantes, e com certo nível de apoio empírico, grandes incógnitas ainda permanecem e não existe uma resposta completamente convincente, ainda que existam várias boas candidatas* [Para maiores detalhes veja esta resposta a uma pergunta para nosso tumblr ‘Pergunte ao evolucionismo’]. Há pouco tempo, entretanto, cientistas descobriram mais evidências que corroboram uma das hipóteses que explicam por que ele parece realmente valer a pena.

Os dois principais tipos de cenários que explicam a manutenção da reprodução sexuada são respectivamente* a hipótese da rainha vermelha, sobre a qual já escrevi alguns artigos (Rainhas, besouros e fungos ‘degenerados’,”Por que genes imunitários que nos prejudicam persistem?) aqui no evolucionismo.org – em que a coevolução parasita-hospedeiro é o foco das vantagens recombinatórias do sexo – e o outro, reúne uma série de modelos que podem ser descritos como ‘hipóteses do acumulo mutacional’, com o modelo proposto por Alexey Kondrashov, ‘hipótese mutacional determinística’ que talvez seja um dos mais conhecidos [2]. Esta segunda classe de modelos enfatizam que o sexo se manteria por causa da capacidade que ele confere aos genomas de se livrarem de variantes genéticas deletérias de uma vez (ou em poucas vezes) , sem incorrerem em excessiva carga genética e mutacional. O sexo aumentaria, por assim dizer, a capacidade da seleção natural em eliminar mutações deletérias.

Em resumo, a ideia de Kondrashov [2] é que a imensa maioria das mutações desfavoráveis são apenas ligeiramente deletérias, tendo pouquíssimo impacto sobre a aptidão dos indivíduos por elas mesmas e, portanto, sendo muito difíceis de serem eliminadas pela seleção em virtude das flutuações aleatórias nas taxas de nascimentos e mortes, especialmente em pequenas populações nas quais a deriva genética impera. A outra pressuposição de Kondrashov é que essas mutações ajam de forma sinergística já que os loci (genes) em questão estariam  envolvidos eminterações epistáticas e não simplesmente somariam linearmente seus efeitos. Desta forma, o acumulo de mutações ligeiramente desfavoráveis aumentaria muito seu efeito composto sobre a aptidão dos seus portadores, em termos de sobrevivência e reprodução. Exatamente por isso, um processo como o sexo que combinasse e embaralha-se os genes, seria a solução, ao criar tanto indivíduos com poucas mutações desfavoráveis como outros com muitas destas mesmas mutações que seriam altamente afetados pelas mesmas morrendo muito cedo (ou quem sabe não nascendo), levando assim com eles diversos alelos defeituosos, com muito menos mortes, enquanto os remanescentes manteriam combinações bem menos negativas e prosperariam.

No entanto, a tese de Kondrashov é bastante criticada por causa de sua dependência de algumas suposições bem restritivas, como a necessidade de uma incidência de mutações desfavoráveis, talvez, um pouco alta demais e a demanda por interações epistáticas não-aditivas entre os loci envolvidos que esbarra na existências de evidências do contrário**, ou seja, de várias mutações com efeitos negativos terem efeitos não sinergísticos umas sobre as outras e , até mesmo, em alguns casos, destas mutações  terem inversos, ou seja, antagônicos. Para que houvesse maior chance do mecanismo de Kondrashov funcionar a espécie em questão precisaria exibir Gs maiores do que 1, onde ‘G’ o número de sítios sob seleção apresentando efeito sinergístico e ‘s’ é o coeficiente de seleção, o que parece ser o caso em espécies de Drosófilas e de alguns outros organismos, mas não de muitos outros.

Porém, em 1966, Hill e Robertson [3] postularam, baseados em simulações computacionais, que mesmo genes que interagirem-se pouco ou mesmo não interagissem, mas que estivessem e regiões próximas e especialmente de baixa recombinação poderiam exercer uma interferência análoga entre si, diminuindo o poder da seleção natural e  favorecendo o acumulo de mutações deletérias, ao dificultar sua eliminação.

De acordo com McVean e Charlesworth [4] a associação entre alelos cujos efeitos fenotípico estão sob seleção natural e o pano de fundo genético em que se encontram pode reduzir a eficácia de seleção através da chamada interferência Hill-Robertson (IHR), mesmo em alelos cujos efeitos estejam sob fraca seleção natural, restringindo a adaptação molecular e afetando os padrões de polimorfismo e divergência. A interferência faz com que a distribuição de freqüência de sítios segregantes passem a assemelhar ao esperado para as mutações mais fracamente selecionadas e também pode produzir padrões específicos de desequilíbrio de ligação. Por isso, mesmo que os coeficientes de seleção envolvidos sejam pequenos, as consequências na aptidão da IHR com seleção fraca através do genoma podem ser consideráveis [4].  Por causa disso, os autores em seu artigo de 2000 [4] sugeriram que a interferência HR em loci sob seleção fraca deve ser um fator importante na evolução dos genomas não recombinantes, ‘podendo explicar a constância inesperada do viés de códon entre espécies de tamanhos muito diferentes dos censos populacionais, bem como várias características incomuns de utilização de códons em Drosophila[4].

Zhen, em comentário a republicação do artigo clássico de Hill e Robertson, afirma que (como mais tarde explicara o biólogo evolutivo Joe Felsenstein, em 1974), a seleção ao agir sobre um locus iria aumentar a deriva genética em um outro locus ligado ao primeiro ao distorcer a segregação dos alelos na próxima geração [5]. Assim, aqueles alelos em um pano de fundo genético favorável – isto é, associados com alelos de outros loci que não estejam sob seleção negativa ou sobre pelo menos sob menor intensidade da mesma – tenderiam a deixar mais descendentes (mais, até mesmo, do que que o esperado pela seleção natural positiva agindo diretamente no fenótipo associado ao locus em questão) do que os que estivessem associados com um pano de fundo genético pior, que deixariam menos descendentes. Isso, por sua vez, levaria ao aumento da deriva genética aleatória no locus ao reduzir o tamanho da população efetiva (Ne) para o locus e, desta maneira, a taxa de resposta a seleção natural e a probabilidade de fixação (sua chance de chegar a 100% na população ao longo de várias gerações) do outro locus ligado ao primeiro. Então, quanto maior fosse a ligação entre os loci mais significante seria a redução no tamanho da população efetivo e na resposta à seleção. Esse efeito (IHR) é muito similar a ‘catraca de Muller’, sobre a qual já comentei em resposta do tumblr, que prevê o maior acumulo de mutações desvantajosas em populações sem recombinação, já que ambos IHR e a ‘catraca de Muller’ apontam para o fato de haver uma vantagem intrínseca na recombinação, ao quebrar o chamado desequilíbrio de ligação negativo entre genes que foi gerado pela seleção natural e deriva, aumentando assim com a taxa de adaptação [5]. Em franco contraste, mutações no DNA prejudiciais rapidamente se acumulam em regiões com pouca ou nenhuma recombinação, tornando a espécie mais suscetível aos seus efeitos. Asim, a longo prazo, a recombinação genética (possibilitada pela reprodução sexual, por exemplo) poderia facilitar a eliminação de mutações desfavoráveis de maneira mais efetiva mesmo em condições menos restritivas que as assumidas por Kondrashov.

Um estudo bem recente conduzido por pesquisadores da Universidade de Edimburgo, na Escócia, liderado por José L. Campos, publicado na revista Genome Biology and Evolution (e que tem como autor sênior o conhecido geneticista evolutivo Brian Charlesworth), obteve evidências que a recombinação (que pode ser proporcionada pela sexo) realmente parece aumentar a eficiência da seleção natural em purgar essas mutações desfavoráveis [6]***. Os cientistas alcançaram estes resultados ao analisarem os efeitos evolutivos de recombinação reduzida no genoma de Drosophila melanogaster concentrando-se em mais de 200 novos genes que não sofrem o crossing-over e empregando uma busca por ortólogos novos entre espécies do subgrupo melanogaster.

Os biólogos evolutivos utilizaram um conjunto de dados formado por cerca de 10.000 genes de D. melanogaster que foram comparados com seus respectivos ortólogos na espécie próxima D. yakuba, com o intuito de examinar os efeitos do ‘ambiente recombinacional’ nas taxas e padrões de evolução em genes que codificam proteínas e sobre várias medidas de adaptação ao nível molecular.

Os genes investigados estão localizados na heterocromatina (as porções mais condensadas da cromatina que, por sua vez, é a combinação de DNA e proteínas, como a histonas e outras, que formam os cromossomos) de diferentes cromossomos de Drosófila, que não o quarto cromossomo, onde a maioria dos estudos anteriores haviam sido realizados***. As regiões que não sofrem o crossing over do genoma apresentaram um elevado nível de divergência evolutiva em relação a D. yakuba em locais não sinônimos, baixo viés na utilização de códons, menor teor das bases GC (guanina e citosina)  em regiões codificadores e não-codificadoras, íntrons mais longos, além de ter sido constatado o aumento do comprimento dos genes, aumento do nível de polimorfismo não-sinônimo em relação ao polimorfismo sinônimo, e uma incidência reduzida de seleção positiva [Veja Marcas da adaptação: A teoria neutra e as assinaturas moleculares da seleção natural ].

Como os pesquisadores encontraram níveis de expressão genica similares entre os genes em regiões com e sem crossing-over, consideraram excluída a possibilidade de que a redução do nível de adaptação detectada fosse causada pelo relaxamento da seleção natural em função dos baixos níveis de expressão de genes em regiões de heterocromatina. De acordo, com Campos, Charlesworth e Haddrill, os padrões observados são consistentes com uma redução na eficácia da seleção em todas as regiões do genoma de D. melanogaster que não sofrem crossing-over, como um resultado dos efeitos de interferência reforçada por processos Hill-Robertson, através do qual a evolução em um determinado sítio no genoma é influenciada pela seleção atuando em regiões estreitamente ligadas ao primeiro*. Mas além disso, também foram encontradas diferenças entre os locais não recombinantes. Por exemplo, o cromossomo X parece exibir os efeitos menos intensos, enquanto o quarto cromossomo e os genes heterocromáticos nos cromossomos autossômicos localizados mais próximos aos centrômeros mostraram os maiores efeitos.

Os pesquisadores enfatizam, entretanto, que mesmo havendo fortes evidências para o efeito Hill-Robertson, de diminuição do efeito da seleção natural, ainda assim, algumas assinaturas de seleção natural, tanto mutações não-sinônimas e como no uso de códons, persistem em todas as regiões heterocromáticas. Em nota de divulgação os pesquisadores afirmaram que os resultados por eles apresentados podem também ajudar a informar o desenvolvimento de espécies cultivadas com rendimentos elevados.

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* Como enfatiza Klaus Jaffe, a reprodução assexuada parece, pelo menos em um primeiro exame teórico, fazer mais sentido e por isso ser muito mais provável de ocorrer do que a sexuada por pelo menos três razões: (a) as fêmeas partenogenéticas não precisam encontrar parceiros, (b) elas produzem o dobro de filhas e o quádruplo de netas em comparação com as médias das fêmeas que se reproduzem sexuadamente; e (c) nesses organismos a seleção natural impulsiona a adaptação e, portanto, a seleção de características genéticas relevantes muito mais rapidamente que em organismos assexuados quando comparados aos organismos que se reproduzem sexuadamente. Porém, apesar destas vantagens relativas teóricas da reprodução assexuada, a maioria dos organismos multicelulares complexos (e alguns estudos tem mostrado que talvez isso valha também para a maioria dos eucariontes unicelulares), reproduzem-se através do sexo. O modelo particular defendido por Jaffe e outros pode ser chamado de ‘modelo da seleção de parceiros’ que assume que o sexo permite a seleção de ‘bons genes’ ao orientar o processo evolutivo para a fixação de traços benéficos, mas que não discutirei aqui hoje.

**Peter D. Keightley e Adam Eyre-Walker afirmam que a reprodução sexual parece ser favorecida em relação a reprodução assexuada, quando o número de mutações deletérias por genoma diplóide por geração (U) excede um evento por geração  – ou é maior que 2 eventos caso não se assuma que populações assexuadas recentemente recém iniciadas sejam livres de mutações – e que as populações sejam finitas, mas as estimativas de Keightley e Eyre-Walker para U em vários táxons, especialmente os de curtas gerações, resultam em valores abaixo dos assumidos por Kondrashov.

  • Keightley PD, Eyre-Walker A. Deleterious mutations and the evolution of sex.Science. 2000 Oct 13;290(5490):331-3. PubMed PMID: 11030650. [Link]

***A imensa maioria dos estudos anteriores haviam sido focados no pequeno ‘cromossomo pontual’ (‘dot’), o quarto cromossomo, em que a recombinação é mínima ou mesmo completamente ausente, de onde vinha a maioria dos dados genéticos comparativos, isto é D. melanogaster e suas congêneres, já que os genes de outras regiões com baixa recombinação estão em porções de cromatina bem mais condensada (heterocromatina) que representam um desafio não só para a identificação de genes como monitoramento da transcrição, o que foi resolvido neste estudo ao utilizar-se os novos dados proveniente de 230 genes identificados pelo Drosophila Heterochromatin Genome Project (DHGP), que forneceam o material necessário à análise de novas regiões não-recombinantes que permitiram testar as previsões baseadas na IHR em regiões genômicas fora do cromossomo quatro, especialmente porque muitos destes genes heterocromáticos são conhecidos por terem ortólogos (genes homólogos por descendência direta, ou seja, o mesmo gene em espécies aparentedada diferente) em outras espécies de Drosophila e de outro dípteros. O trabalho também se beneficiou dos novos dados RNAseq sobre expressão gênica em D. melanogaster que permitiram avaliar os efeitos da expressão genica nos padrões da evolução moleculares em regiões não recombinantes.

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Referências:

[1] Mating has long-term benefits: Courtship can take effort, but now scientists know why it might be worth it. University of Edinburgh 2012, April 9.
[2] Kondrashov, A. S. (1988). Deleterious mutations and the evolution of sexual reproduction. Nature, 336, 435-440. [Link]
[3] Hill WG, Robertson A. The effect of linkage on limits to artificial selection. Genet Res. 1966;8:269-294. [Republicado como “Hill WG, Robertson A. The effect of linkage on limits to artificial selection. Genet Res. 2007 Dec;89(5-6):311-36. PubMed PMID: 18976519.” – Link]

[4] McVean GA, Charlesworth B. The effects of Hill-Robertson interference between weakly selected mutations on patterns of molecular evolution and variation.Genetics. 2000 Jun;155(2):929-44. PubMed PMID: 10835411; PubMed Central PMCID:PMC1461092. [Link]

[5] Zeng ZB. The Hill-Robertson effect is a consequence of interplay between linkage, selection and drift: a commentary on ‘The effect of linkage on limits to artificial selection’ by W. G. Hill and A. Robertson. Genet Res. 2007 Dec;89(5-6):309-10. PubMed PMID: 18976518. [Link]   
[6] Campos, J. L., Charlesworth, B., Haddrill, P. R. Molecular Evolution in Nonrecombining Regions of the Drosophila melanogaster Genome. Genome Biology and Evolution, 2012; 4 (3): 278 DOI: 10.1093/gbe/evs010 [Link]

Créditos das Figuras:
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Olhos em tubos de ensaio e auto-organização de vesículas ópticas

Uma dos mais fascinantes enigmas do processo de desenvolvimento é como as instruções lineares do genoma podem dar origem a um organismo multicelular completo em três dimensões. Este enigma tem implicações bastante amplas, algumas delas muito práticas como a descoberta da ‘receita’ para produção de órgãos in vitro para transplantes (o santo graal da medicina regenerativa), bem como outras bastante profundas e diretamente relevantes para a compreensão dos mistérios que envolvem a evolução dos seres multicelulares.

Talvez parte desse enigma em solucionar este enigma, como muitos têm apontado ao longo do último século, esteja na linguagem que adotamos para descrever as relações entre os genótipos dos organismos e seu desenvolvimento ao longo de sua ontogenia, ou seja, do seu ciclo de vida a partir de um óvulo fertilizado até a morte. Eu mesmo intencionalmente descrevi esta relação como iinstrucional, dando a entender que um simples código linear daria origem de forma direta a um complexo sistema em três dimensões. Mas sabemos, há muito tempo, que isso é uma simplificação grosseira, ainda que em muitas circunstâncias seja absolutamente útil tratar certos sistemas desta maneira, como uma abordagem inicial.

Sabemos muito sobre como os genes são ligados e desligados durante o desenvolvimento e quais os tipos de proteínas são por eles codificadas e temos razoável certa ideia de como elas interagem entre si, mas estamos ainda apenas começando a ter uma compreensão mais ampla dos princípios mais gerais que governam os resultados globais dessas interações locais e como esses resultados retroalimentam e interferem nessas mesmas interações entre as partes, produzindo efeitos de longa distância e que se alteram ao longo do tempo.

Desde o começo da ontogenia, os organismos são complexos sistemas dinâmicos adaptativos. Então, apesar de muitas de suas propriedades serem decorrentes da pré-estruturação da célula ovo (o que inclui o seu genoma, mas não somente ele) e do ambiente circundante, seja ele um útero ou um ovo, em vários outros espectos das propriedades do sistema em desenvolvimento parecem emergir, aos poucos, derivadas das  dinâmicas de interações que ocorrem neste sistema em função, não só de sua composição, mas das propriedades físicas e geométricas globais que vão ‘epigenicamente’ e progressivamente se constituindo, uma após da outra, por causa das interações que ocorreram antes ao longo do desenvolvimento.

Esta forma de encarar o processo de desenvolvimento já é implicitamente aceita desde o fim das disputas entre ‘pré-formacionista’ e ‘epigenesistas’ (defensores da epigênese), mas, na prática, acabou sendo obscurecida pela descoberta do papel do DNA na hereditariedade, especialmente no desenvolvimento ontogenético, o que abriu o caminho para o sucesso das metáforas de ‘código’, ‘programa’ e ‘planta’ – frequentemente empregadas para descrever as relações entre genótipo e fenótipo, ou seja, o mapa genótipo-fenótipo – e que reforçam o estereótipo da relação simples entre o genoma e o desenvolvimento ontogenético.

Darcy W.. Thompson foi provavelmente o primeiro (em tempos mais modernos) a ressaltar que estruturas biológicas obedecem a leis físicas e que por causa disso, portanto, muitos aspectos da forma biológica originam-se como uma simples consequência da interação entre forças mecânicas externas e internas, atuando ao nível das células, tecidos e órgãos durante o desenvolvimento ontogenético [Veja  o artigo “É a evolução genética previsível? Parte II ou Além da genética parte I“]. Thompson também mostrou através de esquemas simples que diferenças no crescimento relativo de partes diferentes de uma estrutura biológica poderiam levar à mudanças na forma da estrutura observada durante a ontogenia do organismo, fazendo com que ele se assemelhasse a outro de outra espécie, contribuindo desta maneira para nossa compreensão de como as diferenças entre espécies e linhagens específicas em sua morfologia poderiam ter surgido a partir de mudanças nos sistemas que controlam os padrões relativos de crescimento dos sistemas, tecidos, órgãos e estruturas biológicas.

 

Mais tarde o trabalho seminal de Turing abriu novas perspectivas ao mostrar como um padrão organizado e dinamicamente cambiante poderia emergir em um sistema inicialmente homogêneo a partir de pequenas perturbações aleatórias [1,2].

O sistema de ‘reação-difusão de Turing’ [Veja os artigos  “É a evolução genética previsível? Parte II ou Além da genética parte I” e “Viva Turing ou como os camundongos conseguem seu palato enrugado.“] e o modelo de ‘Informação posicional’, proposto pelo Biólogo do Desenvolvimento Lewis Wolpert, foram cruciais em uma época, antes do advento da moderna genética molecular, proporcionando algumas avenidas de pesquisa em um campo cuja busca pelas bases químicas dos mecanismos de indução embrionária mostrara-se mal sucedida. Porém, a explosão posterior da genética molecular, como as técnicas de DNA recombinante e isolamento e caracterização de genes e circuitos gênicos e de seus produtos, acabou por erodir este interesse em modelos de ‘originação da forma biológica’, deslocando o foco para o estudo das bases genéticas e bioquímica desse processo, e longe do estudo dos mecanismos formadores de padrão.

Os biólogos tornaram-se cada vez mais interessados em decifrar os padrões espaciais e temporais de expressão dos genes e compará-los entre as espécies modelos. Por isso, a questão da origem ontogenética da forma biológica ficou em segundo plano como se fosse obviamente uma decorrência simples e direta dos genes associados ao desenvolvimento. Apesar deste desvio de foco, muitos cientistas de formação física e matemática continuaram a perseguir as intuições de Thompson e Turing, investigando modelos de desenvolvimento bastante elegantes e refinados. Contudo, a maioria destes pesquisadores, mais interessados nos mais concentrados em reproduzir a dinâmica dos processos de morfo e organogênese, infelizmente, poucas vezes incorporavam detalhes moleculares e genéticos conhecidos dos sistemas de desenvolvimento que buscavam modelar. De maneira equivalente, os geneticistas moleculares continuavam com seu interesse muito focado na expressão de genes, muitas vezes ignorando o impacto das mudanças dinâmicas na geometria e nas propriedades e forças físicas dos tecidos nos padrões espaciais e temporais de expressão dos genes e das alterações




Essa cisão entre os dos campos foi ainda acentuada por que muitos dos modelos matemáticos iniciais simplesmente não anteciparam a característica ‘falta de elegância’ dos sistemas reais que destinavam-se a representar, muito mais contingentes e complicados do que as simples e belas propostas dos teóricos. Mais uma vez víamos belos e elegantes modelos serem dilacerados pelos ‘horríveis’ fatos biológicos [2,3].

Ainda assim, as contribuições conjuntas de Thompson, Turing, Wolpert, e de seus sucessores, oferecem um ponto de vista  que não pode ser menosprezado. Esta perspectiva encara a forma biológica não como algo especificado por um programa genético detalhado, uma planta, ou mesmo uma receita, mas como resultado de propriedades emergentes envolvendo processos relativamente simples que ocorrem em contextos físicos e químicos particulares. Portanto, é neste contexto que as descobertas sobre os detalhes moleculares e genéticos devem compreendidas, sendo a divisão entre as duas abordagens ao estudo da forma biológica contraproducentes, devendo ser complementares e integradas. A admissão por parte dos teóricos que os genes desempenham um papel crucial no processo, e que desta maneira devem ser incorporados explicitamente nos modelos teóricos de formação de padrões, é um passo importante, uma  vez que, apesar das similaridades, existem diferenças nos padrões formados em contextos biológicos dos envolvendo apenas a química e a física. Os padrões biológicos possuem tanto uma história ontogenética como evolutiva, além de serem eles próprios diversificados, algo que precisa também ser explicado pois a variação é uma parte essencial dos ciclos de vida individuais e da evolução [3]. 

Os modelos mais modernos são muito mais biologicamente embasados, incorporando o máximo de informação molecular possível sem que os tornem matematicamente ou computacionalmente intratáveis, dependendo de um constante diálogo com experimentadores. Isso nos tem permitido aproximarmos melhor dos sistemas biológicos reais e da complicada mistura de regras dinâmicas, leis físicas e contingência histórica e flutuações ao acaso que caracterizam estes sistemas. Outro fator que impulsionou o interesse em modelagem mais abstrata de sistemas biológicos resultou provavelmente da incrível quantidade de dados oriundos dos programas de sequênciamento de genomas de vários organismos, dando origem a febres das “ômicas”, como projetos subsequentes de análise em massa de transcritos e dos produtos protéicos (transcriptômica e proteômica) e seus padrões de expressão diferencial (genômica, transcriptômica e proteômica funcionais) que, por sua, dependem enormente da área de bioinformática que passou a se beneficiar muito dos estudos sobre redes, permitindo a incorporação da descrição e estudos das redes de genes,  proteínas e metabólitosm, suas propriedades e seus padrões de interação, através de inciativas apelidadas de i’interatômica’ e ‘metabolômica’ [4].

A organogênese e a morfogênese são alguns desses processos que devem ser investigados de maneira mais ampla, uma vez que depende da orquestração de muitas interações celulares, as quais fazem emergir os comportamentos coletivos das células e tecidos necessários para formar tecidos em desenvolvimento. É ainda pouco claro como partes localizadas do indivíduo em desenvolvimento são capazes de coordenar umas com as outras de modo darem origem aos órgãos inteiros. Porém, estudar tais processos não é uma tarefa fácil. Um dos pontos cruciais é que os genes agem de maneira indireta e , portanto, contexto dependente, fazendo seu trabalho ao alterar parâmetros que influenciam os comportamentos celulares (divisão simétrica ou assimétrica, taxa de proliferação e apoptose, expressão de receptores para fatores difusíveis e moléculas de adesão que interagem com as de outras células e migração, mudanças no cito-esqueleto etc) e as propriedades dos tecidos em que elas estão deformados em alguns pontos e os enrijecendo em outros, por exemplo, e os fazendo responder de maneira distinta a diferentes estímulos [Veja também É a evolução genética previsível? Parte II ou Além da genética parte I].

Contudo, mais recentemente, a combinação de técnicas de imageamento ao vivo, protocolos de interdição e dissecação molecular, análise biofísica e modelagem computacional estão nos oferecendo novos vislumbres desse processo e, assim, uma melhor compreensão dos principais processos biomecânicos subjacentes que mostram com as células produzem as forças e como essas forças locais são integradas em grandes folhas de células, nos permitindo compreender melhor como a morfogênese depende do contexto geométrico e biomecânico [4,5].

No entanto, pode se ir mais longe, uma vez que existem abordagens que parecem capturar de maneira mais completa os princípios de organização em que eles se assentam, principalmente o que alguns chamam de ‘formadores de padrão’, como os baseados nos modelos de reação-difusão de Turing e, os mais difundidos, de informação posicional que dependem da interação de gradientes químicos e de limares de ativação. Esses processos geralmente funcionam por causa de interações não-lineares entre os componentes especialmente a partir de laços de alimentação positiva ou negativa e de outros tipos de interações não-lineares que permitem a auto-organização de sistemas químicos, físicos e biológicos. [Ver Njhout]. O que chamamos de auto-organização é a formação espontânea de estruturas espaciais, temporais, ou espaço-temporais ou de funções em sistemas compostos de poucos ou muitos componentes. Este tipo de fenômeno de auto-organização na física, química e biologia ocorre em sistemas abertos que se mantém afastados do equilíbrio térmico [1] e como coloca Cosma Shalizi tal fenômeno pode ser altamente contra-intuitivo:

Algo está se auto-organizando caso, deixado por si só, tende a se tornar mais organizado. Esta é uma propriedade incomum, na verdade bastante contra-intuitiva: esperamos que, deixados por si mesmos, as coisas fiquem confusas, e então quando nos deparamos com um grau muito elevado de ordem, ou um aumento na ordem, algo, alguém, ou pelo menos alguma coisa peculiar, é a responsável. (Este é o coração do Argumento do Design.) Mas agora sabemos de muitos casos em que essa expectativa é simplesmente errada, em que coisas podem começar em um estado altamente aleatório e, sem serem moldadas a partir do exterior, tornarem-se cada vez mais organizadas .”


Entre os processos de auto-organização envolvem mecanismos de ‘formação de padrões’ pelos quais estruturas ordenadas surgem dentro de um sistema inicialmente homogêneo ou, pelo menos, não-estruturado, sendo a compreensão desses mecanismos e processos absolutamente fundamentais para a compreensão de como funciona o desenvolvimento ontogenético e como ele é mudado durante a evolução. Como H. F. Nijhout enfatiza:

Na prática, a formação de padrões refere-se a coisas como os processos em embriões que determinam onde a gastrulação irá ocorrer, ou os processos que definem onde os ossos vão condensar no mesênquima de um membro em desenvolvimento, quantos haverão, sua forma e a suas posições em relação aos outros. Ou em plantas,, onde as folhas irão formar-se na haste de uma planta, e que forma as folhas terão.” [3]


Porém, uma das dificuldades para investigar essa complexa dinâmica de interação é achar um meio termo entre a simplificação exagerada do sistema modelo (por exemplo, que vem de estudá-lo em partes muito pequenas e simples, perdendo boa parte do contexto) e o excesso de informação e de variáveis que complicam qualquer tratamento que pode vir de estudar o sistema completo. Alguns desses processos, entretanto, parecem ser altamente ubíquos e realizáveis por muitos sistemas moleculares diferentes podendo ser considerados ‘genéricos’ (como já discutido em artigo anterior) aparecendo em vários organismos diferentes e na formação de vários tecidos de um mesmo organismo.

Esses processos apresentam-se como oportunidades para os  pesquisadores já que podem tanto revelar características gerais como detalhes específicos de cada sistema. Como afirmam os pesquisadores Ray Keller e David Shook [4], do Depto de Biologia da Universidade da Virginia, em uma comentário no BMC Biology, o dobramento de camadas laminares de célula é um destes processos ativos tremendamente importantes durante a morfogênese normal ocorrendo durante a embriogênese de organismos multicelulares, o que inclui a formação dos folhetos germinativos durante gastrulação, a formação do intestino, os divertículos do intestino, o próprio tubo neural, além da geração do sistema ótico de maneira geral, especialmente dos olhos. Nas últimas décadas de pesquisa vários mecanismos têm sido propostos e avaliados para explicar este processo de dobramento, cada um deles com vários níveis de suporte empírico. Entre eles podemos citar, a pressão de crescimento, alterações na forma das células impulsionadas por interações entre moléculas de adesão célula-célula ou célula-matriz, além de mudanças no cito-esqueleto.

O cientista Yoshiki Sasai, Yoshiki Sasai do Centro Riken de Biologia do Desenvolvimento, no Japão, é um desses pesquisadores que, há mais de duas décadas, tem buscado aperfeiçoar uma receita para um meio de cultura em que células-tronco embrionárias possam formar órgãos, sem ingredientes adicionais. Sasai e seus colegas foram capazes de desenvolver um sistema tridimensional de cultura de células em que aglomerados flutuantes de células tronco embrionárias de camundongos podem organizar-se com sucesso em uma estrutura em camadas em uma estrutura de embalagem em forma de bolsa, conhecida como “taça óptica”, muito semelhante a que se desenvolve nas camadas interior e exterior da retina durante a embriogênese [2].

Sasai e seus colegas puderam observar que, como esperado para a maioria das células embrionárias, os agregados de células-tronco formaram inicialmente esferas ocas, mas após um período de sete perceberam pequenas estruturas ‘brotando’ para fora dos limites exteriores das esferas, e o mais interessante essas ‘bolsas’ estavam tinham a coloração verde brilhante oriunda de marcador que indica a diferenciação retiniana [3]. Com a continuação das observações dos agregados em cultura, os biólogos, notaram que cada uma dessas pequenos brotos dobraram-se sobre si mesmos, organizando-se na forma de uma taça com duas camadas de células. Assim, as células tronco embrionárias, derivadas do epitélio retinal, espontaneamente formaram vesículas hemisféricas epiteliais que se exibiam padrões ao longo de seu eixo proximal-distal, em que a porção proximal diferenciou-se em epitélio pigmentar mecanicamente rígido, enquanto a porção distal flexível progressivamente dobrou-se para dentro [2]. Ao lado, podemos ver vesículas ópticas, formadas por células tronco embrionárias cultivadas ao longo de nove dias em um meio de cultura especial livre de soro especial para agregados similares a corpos embrióides – originalmente desenvolvido para cultura de camadas de células corticais, mas modificado para o cultivo das taças óticas – que passaram por invaginação, com a cor verde fluorescente indica expressão retina específica dos produtos do gene Rax nas taças óticas.



As semelhanças eram inegáveis, essas estruturas eram taças ópticas embrionárias, a estrutura precursora de uma retina totalmente diferenciada, e estavam formando, sem qualquer intervenção direta no meio de cultura desenvolvido pelo time de cientistas japoneses. Além disso essas células também exibiram migração nuclear intercinetica e a foram capazes de produzir tecido neural estratificado da retina, como ocorre com o animal inteiro [2].

Como afirmou o biólogo Bruce Conklin do Instituto Gladstone de Doenças Cardiovasculares em San Francisco:

“Eles capturaram vários tipos de células se auto-organizando e realmente originando uma forma que era reconhecível a qualquer um como um taça óptica” [3]

E que completou:

“Agora, se você pode capturar isso, você pode começar a desmontá-lo e ver o que faz acontecer.” [3]


Este estudo nos traz também alguns insights sobre a evolução destes complexos sistemas genético desenvolvimentais, apontando para a natureza modular de alguns deles. Por exemplo, o fato de células-tronco embrionárias derivadas de vesículas neuroepiteliais poderem dar origem a taça ópticas, mimetizando o que ocorre nos embriões de camundongos, de uma maneira auto-organizada, em cultura celular, sem precisar interagir com outros tecidos deixa isso claro [5].

A figura acima mostram diagramas seccionais ilustrando o dobramento do epitélio retinal neural em uma vesícula óptica em cultura de células-tronco derivadas de mamíferos, onde RPE = epitélio pigmentar da retina; NR = retina neural; p-MLC = cadeia leve miosina fosforilada.


Os pesquisadores empregando imagens a vivo multifotônicas revelaram quatro fases nesse processo:

  1. Uma protuberância hemisférico de colunar, de células epiteliais formando uma monocamada, se estende a partir da vesícula neuroepitelial. Esta protuberância contendo níveis elevados de da proteína miosina de cadeia leve fosforilada (pMLC), apresenta-se enrijecida quando comparada a outras partes do tecido, o que é mostrado através da técnica de microscopia de força atômica (AFM) que é capaz de medir a força nos tecidos.

  2. A parte distal da protuberância, equivalente a retina neural em diferenciação, apresenta-se com seus níveis de pMLC diminuídos e a flexibilidade aumentada, tornando-se desta maneira achatada.

  3. A margem da região achatada da epitélio retinal mostra níveis apicais de pMLC elevados, elevada rigidez, constrição apical e “encunhamento” das células, que dobram o epitélio interna menos rígido da retina.

  4. Por fim, pode ser observado o crescimento do epitélio flexível da retina, e sua expansão tangencial contra a porção rígida, que restringe o epitélio retinal pigmentado, acaba resultando em seu dobramento para dentro, sendo tudo muito parecido a formação de cálice óptico.


As três primeiras fases requerem a expressão das proteínas Rho quinase e actomiosina do cito-esqueleto; que não são necessárias na fase quatro, porém, sendo ainda assim, sensível a afidicolina, que inibe a síntese de DNA, e, com isso, a divisão e crescimento celular. Estas experiências novamente realçam o papel da actomiosina na regulação da rigidez do tecido e em sua contração, além do papel do encunhamento celular local enviesando os resultados subsequentes, em grande escala, das interações mecânicas entre as regiões rígidas e flexíveis, bem como o papel de crescimento em folhas célula no processo de dobramento [2, 5].

Este sistema abre, portanto, uma nova janela de investigação tanto ao possibilitar a dissecação dos circuitos gênicos e dos padrões de expressão e corregulação dos produtos desses genes, e das vias bioquímicas a qual eles fazem parte, como ao permitir o destrinchamento das forças mecânicas, da dinâmica viscoelásticas e das propriedades coletivas genéricas desses sistemas. Esta abordagem permite-nos desvendar os detalhes moleculares mais finos e ao mesmo tempo nos oferece pistas do contexto biofísico mais amplo do processo de formação de padrão.

“A lição principal em tudo isso é primeiro observarmos ver o que a natureza pode fazer por ela mesma quando são dadas instruções, essencialmente, mínimas e o meio ambiente adequado”, disse Conklin [3] e completou. “E, dado o ambiente certo, as células vão entrar em ação.”

Esses belos resultados, e o sistema de cultura que permitiu produzi-los, somam-se aos avanços recentes de experimentadores e teórico que estão levando a uma compreensão mais profunda de como as características geométricas e as propriedades biofísicas dos tecidos produzem as forças mecânicas que acarretam nos movimentos e deformações das células são, nos mostrando como elas reguladas e integradas em um contexto mais amplo. Como já mencionado, o fato de parte destes processos serem modulares, bem como são seus sistemas de controle genético e epigenético, ajudam a esclarecer várias características dos processos de evolução da forma biológica, especialmente nos organismos multicelulares que passam por um complexo processo de desenvolvimento, modificado ao longo das gerações por vários mecanismos evolutivos que interferem com a dinâmica dos sistemas em desenvolvimento.

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Referências:

  1. Nijhout, H. F. (1997). Pattern and Process. In Nijhout, L. Nadel, and D. L. Stein (1997). Pattern formation in the physical and biological sciences. Addison-Wesley.

  2. Nijhout, H. F. (1997). Pattern formation in biological systems. In Nijhout, L. Nadel, and D. L. Stein (1997). Pattern formation in the physical and biological sciences. Addison-Wesley.

  3. Salazar-Ciudad, Isaac, Jukka Jernvall, and Stuart A Newman. 2003. Mechanisms of pattern formation in development and evolution. Development Cambridge England 130, no. 10: 2027-2037.

  4. Keller R, Shook D. The bending of cell sheets–from folding to rolling. BMCBiol. 2011 Dec 29;9:90. PubMed PMID: 22206439; PubMed Central PMCID: PMC3248374.

  5. Myers, PZ Algorithmic Inelegance SEEDMAGAZINE.COM January 7, 2008.

  6. Monk, N.A.M. Elegant hypothesis and inelegant fact in developmental biology, Endeavour, Volume 24, Issue 4, 1 December 2000, Pages 170-173, ISSN 0160-9327, 10.1016/S0160-9327(00)01328-4.

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  9. Waters, Hannah How to Make Eyeball Stew The Scientist March 1, 2012

  10. Ali, RR, Sowden JC. Regenerative medicine: DIY eye. Nature. 2011 Apr 7;472(7341):42-3. PubMed PMID: 21475187.

Crédito das Figuras:

Evolução paralela em peixes esgana-gatas revelada por novo estudo genômico

Os peixes esgana-gatas são um dos mais poderosos modelos para o estudo da evolução morfológica e adaptativa já que em poucos milhares de anos várias populações de esgana-gatas de três espinhos (desde a última glaciação, 10000 anos atrás) recolonizaram, repetidas vezes, ambientes de água doce. A forma ancestral do esgana-gatas de três espinhos (Gasterosteus aculeatus) de aguá-doce, portanto, era um peixe marinho coberto por uma “armadura” óssea protetora, mas cujos descendentes, em seus novos habitats de água doce, por diversas vezes e de maneira independente, evoluíram novas adaptações morfológicas e fisiológicas, como a perda do revestimento ósseo e dos espinhos, além de mudanças na tolerância à salinidade (1, 2, 3)*.

O estudo dos genomas desses animais têm revelado algumas mutações que parecem ter permitido a várias populações dessas populações uma rápida evolução adaptativa que foi necessária na mudança do ambiente marinho para o de água doce.

A velocidade da evolução desses peixes é impressionante, já que em cerca de 10 gerações os esgana-gatas marinhos podem perder suas armaduras e espinhos defensivos, substituindo-os por uma estrutura corporal mais leve e mais adequada a vida em água doce (1).

Muitos dos trabalhos feitos usando os esgana-gatas vem sendo conduzidos pelo biólogo evolutivo David Kingsley e seu grupo. Eles têm identificado as diferenças genômicas entre as variedades marinhas e de água doce, muitas das quais parecem ser as mesmas, ou pelo menos muito semelhantes umas as outras, tendo ocorrido de maneira independente muitas vezes nos diversos eventos de colonização.

Kingsley e seu grupo recentemente seqüenciaram os genomas completos de 21 esgana-gatas oceânicos e de água doce provenientes de três continentes diferentes, publicando-os em um abrangente artigo na revista Nature.

O estudo de autoria de Jones e colaboradores (2) envolveu o sequenciamento total de alta qualidade de todo o genoma de um esgana-gata do Alasca – em que cada nucleotídeo de DNA,  presente nas sequências de leituras utilizadas para montar a sequência do genoma, foi sequenciado, em média, nove vezes (cobertura de 9x do genoma). Adicionalmente, o time de pesquisadores também produziu seqüências completas, com cobertura de 2,3 vezes, de outros 20 peixes esgana-gata de populações adicionais espalhadas pelo mundo: 10 em água doce e 10 em ambientes marinhos, o que, sem dúvida, permitiu uma análise bastante completa de como adaptações genéticas semelhantes podem ter surgido repetidamente em populações isoladas (2,3).

Por meio do detalhado genoma de referência obtido a partir do espécimen do Alasca, os biólogos evolutivos identificaram um conjunto de loci (genes) em todo o genoma, cujas diferenças estavam, consistentemente, associadas a divergência entre populações marinhas e de água doce. Esse estudo revelou que, em grande parte de seus genomas, os esgana-gatas de água doce eram bem mais similares as variedades  oceânicas de esgana-gatas vizinhas mais próximas do que a outros esgana-gatas de água doce, vivendo em ambientes semelhantes, o que é consistente com a origem comum. Porém, em alguns trechos específicos dos seus genomas, cerca de 150 sequências de DNA (exatamente as associadas ao crescimento da ‘armadura’ e ao processamento de sal pelos rins), os esgana-gatas das populações de água doce e de salgada eram mais parecidas com as de suas contrapartidas em ambientes similares ao redor do mundo. Isto é, nesses trechos os esgana-gatas de água doce eram mais parecidos com outros esgana-gatas de água, enquanto esses mesmos trechos em esgana-gatos de água salgada eram mais parecidas com as de outros esgana-gatas de água-salgada, mesmo eles sendo menos aparentados.

Greg Wray, pesquisador na Universidade Duke em Durham, Carolina do Norte, não envolvido na pesquisa, afirmou:

“São uma série de adaptações que afetam muitos aspectos do organismo: a forma do peixe, seu comportamento, dieta e preferências de acasalamento” (1)

Isso acaba por confirmar um princípio muito geral da evolução biológica, já que baseado nessas semelhanças específicas entre os peixes de água-doce derivados de populações independentes, parece claro que os esgana-gatas não evoluíram novas funções a partir do zero cada vez que seus ancestrais entravam em novos ambientes, mas, ao invés disso, alguns poucos peixes oceânicos mantinham antigas adaptações genéticas a água doce que lhes permitem colonizar novos sítios, com as primeiras gerações, após a incursão em novo ambiente, exibindo características mistas ou intermediárias, mas, que eventualmente, acabam sendo superadas pelas características que favorecem a adaptação a água doce. Em conjunto esses resultados indicam, portanto, que os esgana-gatas reutilizam a variação genética compartilhada globalmente já existente – o que inclui até inversões cromossômicas – e estas, de modo geral, parecem ser muito importantes para a manutenção de ecótipos divergentes durante as fases iniciais de isolamento reprodutivo.

Estudos anteriores, muitos deles conduzidos pelo próprio Kingsley, já haviam mapeado algumas dessas mutações em alguns genes, mas uma polêmica ainda dividia (e divide) a comunidade científica em relação ao tipo de mutações que predominariam neste tipo de evolução adaptativa. Porém, este novo estudo traz evidências que esclarecem a situação – pelo menos, em relação aos esgana-gatas  e aponta formas de decidi-la em relação a outros modelos de evolução adaptativa. A polêmica, já discutida aqui de maneira superficial no nosso post “É a evolução genética previsível? Parte II ou Além da genética parte I”, diz respeito a contribuição de mutações ocorridas nas regiões regulatórias dos genes (como elementos promotores, sequências amplificadoras/reforçadores e outros elementos cis-regulatórios) em contraste com a contribuição de mutações em regiões codificadoras que codificam proteínas envolvidas no controle da expressão gênica, como os fatores de transcrição, elementos trans-ativos, que se ligam a sequências regulatórias de outros genes, ligando ou desligando-os em tecidos e momentos específicos e controlando os níveis dos  seus produtos.

 

A figura abaixo esquematiza um gene eucariótico típico cujas sequências codificadoras dos aminoácidos, os exons, estão inter-espaçadas por sequencias não codificadoras, os introns, que precisam ser removidos após a transcrição para formar os RNAs mensageiros (mRNA) maduros cujos codons serão ‘lidos’ pelos ribossomos e traduzidos em uma sequência polipeptídica. São também mostradas as regiões regulatórias proximais e distais, como promotores e reforçadores/amplificadores, em que se ligam fatores de transcrição e outras proteínas regulatórias e repressoras e associadas ao complexo de transcrição.

O novo estudo publicado feito pelo grupo de Kingsley mostrou que cerca de 80%  das alterações genéticas associadas as adaptações a água doce são provavelmente situados em regiões regulatórias, com apenas, cerca de 20%, afetando diretamente as regiões codificadoras dos genes, potencialmente alterando as proteínas por eles codificadas. A abordagem utilizada foi bastante simples, como explica a bióloga evolutiva Hopi E. Hoekstra, da Universidade de Harvard, em um artigo comentários sobre o trabalho de Jone et al (2,3), caso não houvessem regiões codificadoras nas porções variantes analisadas, então as mutações causais ali eram consideradas ‘regulatórias’, com o grupo de Kingsley encontrando mutações desse tipo em 41% dos casos. Por outro lado, caso a região analisada e detectada como variante contribuinte para a divergência oceano-água doce contivesse tanto regiões codificadoras como não-codificadoras, mas se ainda assim não existisse nenhuma diferença na composição de amino-ácidos do polipeptídeo codificado consistente entre populações marinhas e de água doce, estas eram consideradas, como “susceptíveis de serem regulatórias“, o que constituía 43% dos casos. E, por fim, caso as mutações fossem nessas mesmas porções, mas  consistentes com diferenças nos amino-ácidos codificados, os autores classificavam-nas como “codificadoras” (17% dos casos) (3).

Este tipo de mutação em regiões regulatórias teria uma vantagem ao não interferir na proteína codificada, mas apenas no seus padrões de expressão tecido e tempo específicos, sendo portanto mais suportáveis de um ponto de vista adaptativo e potencialmente mais circunscritas a uma fase do desenvolvimento ou tecido em particular, especialmente, se envolvesse, como muitas envolvem, a extinção da expressão em uma região ou momento particular. Essas mudanças regulatórias poderiam, portanto, acelerar a adaptação dos esgana-gatas, com cada mutação controlando a expressão do gene nos múltiplos tecidos associados ao elemento regulatório afetado Veja mais informações sobre as consequências de mutações em “Como distorcer a genética e a biologia evolutiva: Muita ignorância e pouca humildade“.

O estudo também mostra que a evolução dos esgana-gatas ocorre mais pela existência de variação genética prévia, do que por novas mutações aleatórias surgidas de novo, como enfatiza o biólogo Greg Wray. Portanto, a variabilidade genética de uma população mesmo que a afaste de um ótimo adaptativo local pode ser fundamental para a evolução futura, equilibrando assim fatores seletivos com a pressão de mutação e processos estocásticos e contingentes que não permitem a total substituição de variantes menos vantajosas por mais vantajosas, o que contribui para tornar as populações mais variáveis mais adaptáveis e exemplificando a complexa interação de fatores  qe acontece durante a evolução adaptativa.

Hopi E. Hoekstra – que defende a importância de mutações codificadoras e que trabalha com a evolução adaptativa de pelagem de roedores – reconhece a pertinência dos novos dados (1):

“Acho que o artigo é muito bom, e estou convencido pelos dados”

Porém, acrescenta:

“Poderia ser muito diferente – em termos da fração de mutações que são codificadoras ou regulatórias – em um organismo que tenha um genoma muito mais simples, ou que tenha se adaptado muito mais lentamente.”

O ponto principal, entretanto, é que o mesmo método pode ser aplicado a outros organismos que evoluíram várias vezes em resposta a alterações ambientais semelhantes, como afirma Wray. Este estudo abre novas questões e ajuda a construir uma agenda para pesquisas futuras sobre esta questão que vão desde descobrir se este padrão se repete em outros organismos vivos em situações semelhantes até determinar, nos casos que isso ocorra, por que elas ocorrem em determinadas regiões mais do que em outras, de forma paralela e repetitiva.

Algumas dessas perguntas já possuem algumas respostas  provisórias como as oferecidas por  pesquisadores como David SternVirginie Orgogozo . A partir de seus estudos em Drosófilas [veja por exemplo “É a evolução genética previsível? Parte I“]  e outros feitos em  nematodes, alguns cientistas defendem que evolução paralela deve ocorrer por causa do menor impacto de mutações em certos sítios que teriam papeis mais circunscritos e menos pleiotrópicos, portanto com menos risco de interferirem com vários sistemas ao mesmo tempo (o que chamei de “caminhos mutacionais de menor resistência”), como é o caso dos quimiorreceptores srg-36 e 37 em nematóides [Veja por exemplo, “O verme que veio do espaço ou É a evolução genética previsível? Parte III“]. Além disso, genes que ocupassem um nível hierárquico intermediário e integrador, em termos da arquitetura das redes gênicas e bioquímicas a que pertencem, o que Stern e Orgogozo chamam de  ‘genes de input-output‘ (como o gene ‘shavenbaby’ em D. melanogaster e D. simulans) também seriam outros fortes candidatos a serem mais bem sucedidos caso mutados, já que também teriam menos efeitos colaterais negativos e contribuiriam para mudanças consonantes em mais de um lugar ao mesmo tempo por serem uma espécie de circuito mestre integrador de múltiplas vias ‘acima ‘e com múltiplos alvos ‘abaixo’ mas cuja atuação se dá em uma característica particular, modular.

Estudos como esse, apoiados na novas, rápidas e mais baratas plataformas de sequenciamento e re-sequenciamento – associadas a outras engenhosas metodologias como a síntese funcional‘ que permitem ‘ressuscitar proteínas ancestrais’, de  Joe Thornton – prometem responder  a essas, e a outras questões, nos dando um panorama cada vez mais completo do processo de evolução.

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  1. Shen, Helen Stickleback genomes reveal path of evolution Nature | News 04 April 2012 doi:10.1038/nature.2012.10392.
  2. Jones FC, Grabherr MG, Chan YF, Russell P, Mauceli E, Johnson J, Swofford R, Pirun M, Zody MC, White S, Birney E, Searle S, Schmutz J, Grimwood J, Dickson MC, Myers RM, Miller CT, Summers BR, Knecht AK, Brady SD, Zhang H, Pollen AA, Howes T, Amemiya C; Broad Institute Genome Sequencing Platform & Whole Genome Assembly Team, Baldwin J, Bloom T, Jaffe DB, Nicol R, Wilkinson J, Lander ES, Di Palma F, Lindblad-Toh K, Kingsley DM. The genomic basis of adaptive evolution in threespine sticklebacks. Nature. 2012 Apr 4;484(7392):55-61. doi: 10.1038/nature10944. PubMed PMID: 22481358.
  3. Hoekstra, Hopi E. Genomics: Stickleback is the catch of the day Nature 484, 46–47 05 April 2012 doi:10.1038/484046a Published online: 04 April 2012 http://www.nature.com/nature/journal/v484/n7392/full/484046a.html.

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*Outro estudo com esgana-gatas, mas desta vez usando pares de populações aparentadas próximas, ambas descendentes de populações marinas, investigou os padrões de adaptação específico a ambientes de água-doce lacustres e de corredeiras. Os pesquisadores Marius Roesti, Walter Salzburger, Daniel Berner, todos da Universidade Basel (em Vesalgasse, na Suíça) e Andrew P. Hendry (da universidade McGill, no Canadá) publicaram também recentemente no periódico Molecular Ecology um artigo em que identificaram diferenças em múltiplas regiões, bem separadas ao longo dos genomas, correlacionadas com o nível de divergência morfológica em múltiplos pares dessas populações descendentes de ancestrais comuns de esgana-gatas que haviam sofrido seleção divergente e adaptado-se a ambientes lacustres e de corredeiras.

Dentro dos pares, a divergência genômica total estava associada com a magnitude da divergência entre os fenótipos que já sabia-se estarem sob seleção divergente. Esse padrão de diversificação genômica crescente, torna-se cada vez mais enviesado em direção ao centro de cromossomos em oposição às regiões mais periféricas. Os autores do artigo atribuíram este padrão cromossômico a variação na extensão do ‘efeito carona’ – em que variantes neutras próximas aos genes realmente vantajosos e que sofrem um processo de varredura seletiva (‘selective sweep’) e que, por isso, aumentam rapidamente de frequência na população, arrastando as variantes – principalmente nas regiões onde há menos recombinação como é o caso dos centros dos cromossomos. Ao corrigir para este efeito, entretanto, tornou-se mais claro que um grande número de genes, amplamente distribuídos por todo o genoma, estão envolvidos na divergência entre populações que habitam lagos vs as que habitam corredeiras. Além desse resultados, os cientistas analisando pares extras de populações alopátricas e conseguiram mostrar que a forte divergência em algumas regiões genômicas tem sido impulsionada, também, por seleção não-relacionada as diferenças entre ambientes de corredeira e lagos. Esse estudo destaca a importante contribuição da grande variação na taxa de recombinação que gera padrões de divergência genômica heterogêneos, indicando que a base genética de divergência adaptativa pode ser mais complicada do que atualmente reconhecido. [Adaptado do texto já publicado em nosso Facebook]

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  • Roesti M, Hendry AP, Salzburger W, Berner D. Genome divergence during evolutionary diversification as revealed in replicate lake-stream stickleback population pairs. Mol Ecol. 2012 Mar 2. doi: 10.1111 j.1365-294X.2012.05509.x. [Epub ahead of print] PubMed PMID: 22384978.

 

Créditos das figuras:

SIMON BOOTH/SCIENCE PHOTO LIBRARY

A outra rainha: A hipótese da rainha negra

ResearchBlogging.org

Não é incomum que muitas pessoas assumam, simplesmente, que a evolução é uma marcha constante em direção ao progresso e ao aumento da complexidade, seja lá o que isso signifique, mas dado o que sabemos sobre evolução, especialmente sobre como ela ocorre, nada disso é necessário. Os mecanismos evolutivos e os demais fatores relevantes operam de maneira local e de uma forma muito dependente do contexto, não havendo objetivos a serem alcançados e muito menos de longo prazo. Um exemplo disso pode ser observado nos tamanhos dos genomas dos eucariontes cuja evolução está sujeita a diversas forças evolutivas, mas que nem os aumentos ou diminuições observadas estão necessariamente associadas a complexidade genética ou fenotípica.

Como já discutimos em alguns artigos anteriores, parte dessa complexidade e mesmo o aumento bruto do tamanho dos genomas podem ser simplesmente explicados por uma combinação de fatores não-adaptativos – como o aumento do poder da deriva genética associada a perda de eficiência de seleção natural em populações pequenas, como advogam Lynch e Kooning [1], – e adaptativos indiretos como os associados aos simbiontes, comensais e parasitas genômicos que proliferam-se nos genomas dos seus hospedeiros muitas vezes a despeito de qualquer vantagens e até em detrimento dos mesmos [Para saber mais sobre este tema veja Sobre sucata, lixo, DNAs egoístas, comensais e simbiontes:].

A histórica em muitos procariontes, como as bactérias, entretanto, pode ser um pouco diferente, mesmo por que elas vivem geralmente em grande populações nas quais a seleção natural opera de maneira muito mais eficiente, e a evolução da redução dos genomas muitas vezes envolve a perda de certas funções, a princípio de importância estratégica.

Estudos que utilizam análises das razões entre mutações não-sinônimas e sinônimas (dN/dS) [2], em genes que codifica proteínas, sugerem que as perdas de DNA em bactérias parasitas e simbióticas podem ser motivadas por processos estocásticos com a deriva genética aleatória, associada com os gargalos de transmissão, isolamento de transferência horizontal de genes (HGT), e o relaxamento da seleção em determinadas funções. Porém, a redução genômica em microrganismos de vida livre não parece exibir o mesmo padrão,não sendo explicada facilmente apenas por fatores não-adaptativos.

Com o intuito de explicar estas diferenças, J. Jeffrey Morris, Richard Lenski e E.R. Zinser publicaram no periódico mBio um artigo intitulado “The Black Queen Hypothesis: Evolution of Dependencies through Adaptive Gene Loss”  propondo uma nova hipótese chamada de “Hipótese da Rainha Negra” ou BQH (‘Black Queen Hypothesis’) [3]. A BQH se propõem a explicar a evolução redutora que acontece em microrganismos de vida livre habitantes de comunidades mais complexas que, muitas vezes, perdem genes considerados essenciais. Como já enfatizado, diferentemente do que ocorre em microrganismos simbiontes em que esta perda pode simplesmente dever-se a deriva genética associada a dispensabilidade dessas funções[Veja por exemplo: “Sobre a dispensabilidade de certos genes humanos.“], que passam a ser supridas pelo simbionte hospedeiro, a perda na evolução redutora de espécies de vida livre parece envolver seleção natural, ou seja, parecem haver vantagens reprodutivas nesta perda. Essas vantagens acabariam levando a uma codependência entre os diversos microrganismos que, ao perderem certos genes, tornar-se-iam dependentes do metabolismo de outras espécies, seja para a produção de certos compostos essenciais, seja para a destoxificação de outros. A hipótese foi batizada em função da ‘Rainha de Espadas’ no jogo “Copas[3], onde a estratégia habitual é de evitar ficar com esta carta.

 

De acordo com a hipótese, a perda de genes proporcionaria uma vantagem seletiva ao permitir a conservação, por parte de um organismo, de recursos limitados, dado que houvesse outra forma de manter-se funcionando. Isso poderia ocorrer por que muitas das funções vitais genéticas acabam ‘vazando’, isto é, certos nutrientes processados, inevitavelmente, acabam tornando-se produção de bens públicos, difundindo-se para além dos limites do microrganismos e passando a estarem disponíveis para toda a comunidade. De maneira semelhante subprodutos metabólicos tóxicos também podem, ao serem excretados, não se acumularem nos ambientes por serem degradados por outros microrganismos que não os que os excretaram. A BQH prevê, então, que a perda de uma função metabolicamente custosa, mas que seja ‘vazante’ seria seletivamente favorecida ao nível individual, pois estes organismos poderiam contar com a produção de ‘bens comuns’, pelo menos, enquanto estes ‘bens’ forem suficientes para sustentar a comunidade microbiótica como um todo; nesse ponto, o benefício de qualquer perda seria compensada pelo custo em não levar a cabo um a função essencial. Este tipo de evolução, de acordo com os autores do artigo, produziria “beneficiários” que adquiririam sua vantagem do seu conteúdo genômico reduzido e “ajudantes” dos quais dependeriam os primeiros tipos de microrganismos que seriam dependentes da produção/degradação ‘vazante’ de certas moléculas realizada por outros.

Para ilustrar a hipótese em um sistema microbiano particular que tem sido um enigma em alguns aspectos, os autores aplicaram a BQH a uma das espécies mais comuns de plâncton que habita o mar aberto, Prochlorococcus, um tipo de cianobactéria que tem um genoma muito pequeno, muito menor do que muitos poderiam supor, mas que ao mesmo tempo é responsável por mais de 30% da produção primária em oceanos oligotróficos, portanto, tendo um enorme impacto ecológico.

Este pequeno e muito bem sucedido microrganismo prospera mesmo tendo perdido vários genes importantes, inclusive o gene da catalase-peroxidase que permite aos seus detentores neutralizar o peróxido de hidrogênio, um composto reativo, derivado na respiração celular, que pode danificar biomoléculas e até mesmo destruir as células. Aparentemente, Prochlorococcus depende dos outros microrganismos a sua volta que removem o peróxido de hidrogênio do ambiente, dizem os autores, permitindo-lhe fugir de “suas responsabilidades deixando a limpeza de sua sujeira para os infelizes jogadores que mantém a rainha de copas em suas mãos”.

A figura acima mostra uma comparação entre as filogenias dos genes da peroxidase catalase e  das subunidades pequenas do rRNA em cianobactérias com genomas sequenciados. Embora existam algumas diferenças na ordem de ramificação entre as duas árvores, os proteínas katG do microrganismo marinho Synechococcus (uma outra cianobactéria) formam um clado monofilético bem apoiado pelos dadps, o que implica que estas proteínas estava presentes no ancestral comum do clado, tendo sido, posteriormente, perdidas em várias linhagens que são indicadas por pontos vermelhos na árvore de rRNA. Entre essas linhagens está a linhagem de Prochlorococcus. Em verde podem ser observados os representantes do clado Prochlorococcus; em laranja, os representantes do clado marinho Synechococcus; em ciano, as outras Cianobacteria. [Os valores de bootstrap, um procedimento de reamostragem que quantifica a confiança na topologia dos ramos,  inferiores a 75% foram omitidos, além disso estas árvores só mostram o padrão de ramificação, isto é topologia da árvores, portanto os comprimentos ramo são irrelevantes já que não representam distâncias genéticas [Maiores detalhes aqui].

Essa relação entre “beneficiários” e “ajudantes” apesar de, em muitos aspectos semelhantes as existentes em populações ‘cooperadores’ e ‘desertores’ e que aparecem em modelos mais tradicionais de evolução da cooperação, divergem de duas maneiras importantes: A primeira é que, enquanto estas últimas envolvem geralmente indivíduos da mesma espécie interagindo em uma mesma população, o fenômeno que a BQH procura explicar ocorre entre espécies de organismos diferentes que vivem em um ambiente comum formando uma comunidade. A segunda forma em que divergem é que a relação entre ‘cooperadores’ e ‘desertores’ é necessariamente antagonística já que os ‘desertores’ prejudicam os ‘cooperadores’, impactando diretamente no sucesso reprodutivo deles, já que, por regra, as interações cooperativas envolvem custos aos cooperadores, o que não precisa acontecer com os ‘ajudantes’ no modelo da rainha negra que sustentam os ‘beneficiários’ basicamente com suas sobras [4]. Além disso, nessas comunidades a perda de genes pode ocorrer em várias espécies diferentes e a menos que elas não percam todas os mesmos genes essenciais ou que se isolem metabolicamente das demais, estas comunidades podem formar vastas redes codependentes em que uma espécie precisa da outra pois lhe falta um gene essencial que está presente em pelo menos um outro organismos da comunidade e que por sua vez não possui outro gene. Não há portanto uma competição direta entre as diversas linhagens, sendo a relação mais comensal do que qualquer outra coisa.

Os autores do artigo concluem ressaltando o papel da BQH em oferecer um novo referencial teórico para encararmos vários problemas clássicos da ecologia microbiana. Entre essas questões, eles citam: “Como organizam-se as comunidades microbianas?”; “Por que muitos organismos não conseguem crescer em culturas puras?”; “Existem nichos desconhecidos, mesmo em ambientes relativamente homogêneos, que permitem a persistência de muitas espécies competindo por alguns recursos limitantes (ou seja, o paradoxo do Plâncton)?”; e “E quais os fatores levam à dependência das comunidades sobre os organismos cruciais raros, cuja extinção pode levar à instabilidade e potencial catástrofe?”

O tempo (e muito trabalho empírico) nos mostrará se essa nova hipótese ocupará um espaço tão importante, como o da sua irmã vermelha, ao conseguir guiar novos estudos experimentais e observacionais que nos ajudem a compreender melhor a evolução das comunidades microbianas e, quem sabem, até as de outros organismos.

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Nota 1: Em artigos anteriores discuti o papel da chamada hipótese de Lynch em que este explica a complexidade dos genomas, dos genes eucarióticos, dos circuitos de interação genética e das redes de interações entre proteínas com base nesses princípios. Algo semelhante vem sendo defendido por Eugene Kooning que enfatiza a importância de processos estocásticos na evolução genômica.

Nota 2: Discutimos em várias ocasiões [Veja por exemplo: “Marcas da adaptação: A teoria neutra e as assinaturas moleculares da seleção natural“;  e “A evolução do receptor TAS2R38 em primatas: O amargor da seleção natural” ] como estas razões entre as mutações não -sinônimas e sinônimas podem ser utilizadas para detectar as chamadas assinaturas moleculares da seleção natural ao avaliar os desvios em relação a expectativa de evolução neutra ou seja quando dN/dS seria próximo de 1.

Nota 3: Os autores atribuem o nome a famosa hipótese da rainha vermelha, originalmente, postulada por Leigh Van Valen sobre a qual já discutimos:

Uma bem conhecida teoria de co-evolução, a Hipótese da Rainha Vermelha, usa uma metáfora derivada de Lewis Carroll, Através do Espelho- “leva toda a corrida que você pode fazer, para manter-se no mesmo lugar”, falada pela Rainha de Copas (Vermelho) para descrever a corrida evolutiva entre os antagonistas ecológicos, tais como parasitas e seus hospedeiros. Esta hipótese procura explicar a prevalência surpreendente da extinção no registro fóssil, e postula que todas as espécies experimentam um ambiente em constante deterioração como consequência da co-evolução com outras espécies.” [Veja aqui]

O problema é que a Rainha Vermelha, em questão, não é a ‘Rainha de Copas‘ de “Alíce no País das Maravilhas“, mas a ‘Rainha Vermelha’ do tabuleiro de Xadrez que aparece, como os autores lembram, em “Através do espelho” – mas que em adaptações para o cinema e TV foi fundida com a de Copas –  já que em alguns dos conjuntos de peças de xadrez as peças rivais das brancas são as vermelhas e não as pretas. Abordamos esse assunto em outros dois posts aqui no evolucionismo.org, Rainhas, besouros e fungos ‘degenerados’ ,” e “Por que genes imunitários que nos prejudicam persistem?

Nota 4: A evolução da cooperação e altruísmo foi abordada no artigo As cinco regras básicas para a evolução da cooperação descrevendo o trabalho de Martin Novak e Karl Sigmund que vem expandindo as abordagens desenvolvidas por teóricos evolutivos como John Maynard Smith, que iniciou a Teoria dos Jogos Evolutiva, além dos modelos de seleção de parentesco de  William Hamilton e de altruísmo recíproco de Robert Trivers.

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Referências:

  • Morris, J., Lenski, R., & Zinser, E. (2012). The Black Queen Hypothesis: Evolution of Dependencies through Adaptive Gene Loss mBio, 3 (2) DOI: 10.1128/mBio.00036-12

  • Sliwa, Jim The Black Queen Hypothesis: A new evolutionary theory America Society of Microbiology March 27, 2012 [ Last Updated on Monday, 26 March 2012 14:29]

Como distorcer a genética e a biologia evolutiva: Muita ignorância e pouca humildade

Este artigo surgiu de um dos meus encontros com propaganda criacionista na internet e é o segundo do tipo, sendo que o primeiro foi postado em nossa página no tumblr e é intitulado Receita criacionista: Presunção e ignorância e que, como esse, também havia sido motivado por outro desses encontros, no mesmo site de perguntas e respostas.

Existe um certo padrão nestas propagandas. Geralmente começam por perguntas supostamente destinadas às pessoas de bom senso, que aceitam a realidade da evolução biológica e da assim chamada “Teoria Evolutiva“. Porém, na realidade, tem como alvo os que não conhecem o mínimo de biologia evolutiva e que já tendem a simpatizar com os criacionistas. Uma pergunta em particular valia-se de um vídeo [“As Moscas-das-frutas e as Mutações Genéticas“] como fonte que, em tese, serviria de suporte para uma série de outras perguntas que deveriam deixar os ‘evolucionistas’ sem respostas e embaraçados, mas que na realidade só deveriam embaraçar ao autor da pergunta e o do vídeo criacionista.

Meu alvo aqui, entretanto, não são diretamente os criacionistas, mas sim os leigos que podem se impressionar com este tipo de retórica e que, portanto, precisam ser alertados sobre o vídeo que não passa de uma simples coletânea de informações distorcidas retiradas de seu contexto e conclusões absurdas baseadas em argumentação por asserção que insistem em dois pontos básicos: (i) o suposto fato da genética provar que uma espécie não pode dar origem a outra espécie; e (ii) a asserção que mesma genética já teria provado que mutações são quase sempre ruins e, portanto, impediriam a evolução em grande escala. Essas duas afirmações, de cara, já mostram o nível de equivocação e confusão dos autores e podem ser facilmente refutadas.

De maneira muito simplificada, a genética não prova que espécies ‘só dão origem à mesma espécie’. A especiação, que é o surgimento de uma linhagem a partir de outra, é um fenômeno muito bem documentado, ocorrendo geralmente pela separação e isolamento de duas populações de uma mesma espécie que passam a acumular diferenças na medida que evoluem de maneira independente. A especiação é estudada tanto em laboratório em espécies com gerações curtas – como microorganismos, insetos e outros invertebrados, além de vertebrados de pequeno porte como peixes, anfíbios e lagartos – quanto no campo, através da investigação de conjuntos de espécies próximas distribuídas em clinas ou em anel e a análise das suas zonas de contato e hibridização. Existem vários estudos que mostram populações em processo de diferenciação genética em curso, evidências de especiação recente corroborados por dados fósseis, geológicos, biogeográficos e de fontes históricas, evidências diretas de especiação completa e rápida por poliploidia e experimental em populações de laboratório, especialmente de insetos. E, na realidade, boa parte dos principais estudos sobre inviabilidade de híbridos, esterilidade e genes associados a especiação que levam ao isolamento reprodutivo – a base do processo de especiação de acordo com o chamado conceito biológico de espécie – foram e são conduzidos em moscas de fruta (ou moscas do vinagre), isto é, nas famosas drosófilas. Um dos experimentos clássicos demonstrando especiação alopátrica em moscas drosófilas , mas especificamente Drosophila pseudoobscura foi realizado em 1989 por Diane Dodd. O experimento consistiu na divisão de uma única população inicial de moscas, com uma das populações sendo alimentada com alimentos à base de amido e o outra com alimentos à base de maltose. Depois que as populações haviam divergido por muitas gerações, os grupos foram novamente misturados e foi possível observar que as moscas continuaram a preferir acasalarem-se com outras moscas da subpopulação da qual faziam parte e não com as moscas da outra, lembrando que todas eram descendentes de moscas da mesma população original e que portanto não possuíam qualquer preferência anteriormente [1].

  • Dodd, Diane M. B.. Reproductive Isolation as a Consequence of Adaptive Divergence in Drosophila pseudoobscura Evolution. 1989;43:1308-1311.
  • Mallet, J. What does Drosophila genetics tell us about speciation? Trends Ecol Evol. 2006 Jul;21(7):386-93. Epub 2006 Jun 9. Review. PubMed PMID: 16765478.

A outra questão é que as mutações induzidas em laboratório, as quais o vídeo faz menção, são muito mais drásticas do que as normalmente encontradas em populações naturais, sendo resultado da exposição deliberada a agentes mutagênicos, como radiação ionizante e vários produtos químicos. Além do mais, essas mutações são escolhidas a dedo em função de seus efeitos mais drásticos e estabilidade de herança sem a qual estes estudos, especialmente os feitos no começo do século XX, jamais teriam sido possíveis. Segundo o geneticista evolutivo Richard Lewontin podemos classificar em, pelo menos, quatro tipos as mutações em termos de sua penetrância e o grau de expressividade [2], com as mutações mais clássicas, estudadas pelos geneticistas que trabalham com Drosófilas e outros organismos-modelo, sendo do nível 4, as mais herdáveis, estáveis e qualitativamente óbvias. Na natureza, contudo, o efeito das mutações é muito mais variável, dependendo do pano de fundo genético dos organismos que são acometidos por elas, isto é dos genomas e epigenomas desses seres, além do próprio contexto ecológico-funcional que, por sua vez, depende dos estados bioquímicos, fisiológicos, morfológicos e comportamentais dos organismos e da sua relação com o meio abiótico e biótico, especialmente com os outros indivíduos da mesma população que compartilham com eles o mesmo ambiente, o mesmo pano de fundo genético mas mutações (ou melhor estados alélicos distintos) diferente.

É importante ressaltar que aquilo que normalmente chamamos ‘mutações’ são,  falando de maneira muito simplificada, alterações do material genético herdáveis por linhagens celulares descendentes, que, no caso da grande maioria dos sistemas biológicos, esse material é o DNA. Do ponto de vista evolutivo, entretanto, os principais tipos de alteração genéticas herdáveis são aquelas que ocorrem nas células germinativas, os gametas, por que estas podem ser passadas às futuras gerações.


Contudo, este termo pode ser muito enganador, pois existem vários tipos de mutações, podendo ir das simples substituições de um nucleotídeo por outro, passando pelas deleções e inserções de um ou mais nucleotídeos e pelas inversões, translocações duplicações que podem ser de poucos nucleotídeos ou estenderem-se por grandes segmentos sequência, chegando mesmo a segmentos cromossomos inteiros. As duplicações, em particular, podem também envolverem cromossomos inteiros e até genomas inteiros como no caso da poliploidia, comum em plantas sendo um fator promotor de rápida especiação nestes organismos. Além de terem efeitos diferentes, essas mutações ocorrem com probabilidades diferentes em organismos e em regiões diferentes dos organismos.


O vídeo passa longe do fato de serem reconhecidos três tipos básicos de mutações em relação ao seus efeitos sobre as características que definem a aptidão dos indivíduos: a) as vantajosas; b)  as desvantajosas (ou deletérias); e c) as neutras. Com estes termos, na verdade, indicando mais pontos em um contínuo do que propriamente classes estanques. Além disso, com exceção de mutações que afetam grande porções dos genomas especialmente em áreas cheias de genes codificadores e elementos regulatórios, os efeitos da maioria das mutações naturais é pequeno e altamente dependo do contexto genômico e ecológico-funcional e demográfico como já havia comentado [2, 3, 4] [Veja também o artigo “Mutações: A aleatoriedade em sua essência” do evolucionismo.org.]

Isso ocorre por que mutações que, por ventura, ocorram em regiões intergênicas, longe de sequências regulatórias distais e elementos estruturalmente importantes, não deverão ter qualquer efeito sobre o organismo, na imensa maioria das vezes, sendo assim, completamente neutras. Portanto, possuí-las ou não será indiferente, sendo que sua manutenção ou perda dependerá de processos estocásticos como a deriva genética aleatória ou o ‘arrasto genético‘ (genetic draft) que opera através do “efeito carona” (hitchhiking effect) em que várias loci neutros, e até ligeiramente deletérios, são fixados ou perdidos em função de estarem, respectivamente, mais perto ou mais longe de um alelo em um locus que confira uma vantagem substancial aos seus portadores e que por isso sofre uma “varredura seletiva” (selective sweep).

De forma similar, mutações que aconteçam em sequências codificadoras, mas que envolvam a terceira posição de um códon – a unidade do código genético que especifica um determinado resíduo de aminoácido durante processo de tradução de sequências de RNAs mensageiros (mRNAs) pelos ribossomos – muitas vezes não terão efeitos (ou os que por ventura ocorrerem serão muito pequenos), pois não incorrerá na troca de um aminoácido por outro da sequência polipeptídica codificada pelo gene em questão [3]. Também serão menores as chances de efeitos drásticos, mesmo se as mutações acometerem as posições importantes dos códons e alterarem os aminoácidos codificados, caso os mesmos sejam trocados por um aminoácido físico-quimicamentes similares, por exemplo em termos de carga/polaridade e impedimento estereoquímico [5].

A figura acima mostra as consequências funcionais de algumas das mutações que ocorrem nos genes eucariontes, ilustrando a importância das mutações que acometem regiões regulatórias – isto é, que controlam se o gene será expresso ou não e em que quantidade -, nas regiões codificadoras diretamente associadas ao sítios ativos de enzimas (mas em geral apenas as mutações não-silenciosas, especialmente, as que envolvem a substituição por resíduos bem diferentes dos anteriores) e nas junções entre éxons e introns que são importantes para o reconhecimento de onde o RNA pré-mensageiro deverá ser processado para dar origem ao transcrito maduro.

Importante também é o fato que mutações mais amplas em genes que possuam múltiplas cópias terão, geralmente, pouco impacto fenotípico imediato [2]. De fato, estudos com camundongos cujos genes foram interrompidos (“nocauteados”, como se usa no jargão da genética e biologia molecular) mostram que a grande maioria deles não apresentam alterações fenotípicas apreciáveis, o que sugere que deve haver certa redundância e robustez nos sistemas genético-desenvolvimentais [4] [6]. Mas vendo o vídeo você não vai ouvir falar de nada disso.

O interessante é que em um certo ponto do próprio vídeo podemos ouvir a admissão implícita que mutações benéficas ocorrem, quando é dito que a “grande maioria das mutações são prejudiciais” já que isso quer dizer que outras (mesmo que uma pequena parte delas) seriam benéficas ou, pelo menos neutras. Esta admissão pode parecer sutil e inconsequente, mas é exatamente aí que entra a seleção natural (SN) que ao contrário do que é apregoado por criacionistas não é aleatória em um sentido muito importante, já que ela é capaz tanto de livrar-se das mutações desvantajosas como filtrar e amplificar a frequência de mutações vantajosas em uma população ao longo das gerações. Sendo exatamente esse caráter não-aleatório que torna possível transformar as raras e incomuns mutações benéficas mais comuns em uma população já que seus portadores deixaram mais descendentes e, assim, mais cópias dos genes mutados que causalmente contribuem com o sucesso reprodutivo dos indivíduos que os carregam [6].

Este aspecto do processo evolutivo fica mais fácil de compreender se pensarmos nos efeitos das diferentes mutações na aptidão relativa dos seus portadores, o que nos permite dividir a SN agindo sobre elas em dois tipos:

a) Seleção Negativa ou Purificadora

b) Seleção Positiva

Com o primeiro tipo delas sendo o tipo  de SN mais disseminado e bem documentado, suprimindo a variação desvantajosa já que os portadores dessas mutações ou morrem cedo (às vezes nem nascem) ou deixam muito menos descendentes que os tipos selvagens ou a média da população. Portanto, caso esses alelos não sejam recessivos e não haja uma frequência muito grande de novas mutações, surgindo constantemente na população, a tendência é sua rápida eliminação e retenção apenas das variantes não-deletérias. Já o segundo tipo de SN é a que age sobre as variantes que trazem vantagens aos seus portadores, ou seja, não só permitindo que os indivíduos que as possuam desempenhem bem suas funções, como desempenhem melhor que os tipos com os alelos selvagens ou mutantes deletérios, neste caso com o primeiros tendo a tendência de deixar mais descendentes do que os demais tipos, e mesmo do que a média, da população [7]. Na realidade estes dois tipos de seleção podem ser inferidos a partir da comparação as variações de sequência intra e inter-específicas analisando sua discrepância da expectativa de neutralidade, isto é, caso as variantes fossem mais ou menos equivalentes em termos do sucesso reprodutivo diferencial conferido [8]. Claro, tendo como base algumas suposições demográficas e de preferência alguma evidência ao nível mecanicístico e ecológico-funcional do papel das diferentes mutações.

O fato de muitos desses efeitos fenotípicos e do seu impacto sobre a aptidão dos indivíduos dependerem do contexto faz com que este processo não seja engessado, mas bastante fluido já que mudanças no ambiente, uma segunda mutação em outra posição do gene ou mesmo em outro locus podem tornar um gene ou alelo mais vantajoso, menos vantajoso neutro e até inútil. Além de existirem situações em que a eficiência da SN, sobretudo em sua forma purificadora, pode ser diminuída ou aumentada, o que pode ocorrer em função do aumento ou diminuição da população efetiva, intensificação do poder da deriva genética que pode levar a perda ou fixação de alelos e genes por simples flutuações ao acaso. Mais uma vez, ouvido e assistindo o vídeo você não aprenderá nada disso.

Estas informações são de amplo conhecimento dos biólogos evolutivos e estão disponíveis em artigos científicos, sites, blogs e livros-textos, mas infelizmente a maioria das pessoas que espalham as asneiras contidas no vídeo e fazem propaganda contra a teoria da evolução nem se dão ao trabalho de estudar o assunto por meio de fontes adequadas ou tentar compreender um pouco melhor a moderna genética de populações, os modelos de evolução molecular, os estudos em filogenia e genômica comparativa, sem mencionar os princípios básicos de ecologia de populações e comunidades, biogeografia e paleontologia e paleobiologia.

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A pergunta que servia de desculpa para várias perguntas e comentários que usavam o vídeo como fonte era a seguinte:

Você ainda é um crente da teoria da evolução, que não passou pelo método científico?”

A teoria da evolução parece simples de entender, mas não é. Se trata de um ensino equivocado que se tornou de certa forma um dogma, um amuleto para certos cientistas e ateus. A teoria por si só não deve ser considerada como algo ainda comprovado. Nem deve ser aceita sem questionamento como faz a maioria. Mas ainda tem cientistas que invocam o tempo, o acaso e a natureza, como causas que dão origem e formas aos seres vivos, causas “burras” e incapazes na verdade. Seria uma tentativa de colocar Deus de fora. Veja as limitações da teoria da evolução:”

Como pode ser percebido, desde o começo, já encontramos falácias e os famigerados argumentos por asserção em que o autor simplesmente faz afirmações e não as corrobora com evidências e nem indica fontes, a não ser o patético vídeo já comentado. A confusão entre teoria científica e especulação é clara, o que facilita a negação da evolução biológica ser um fato como a gravidade, já que não observamos a gravidade, apenas as maçãs caindo e os planetas mudando de posição no céu noturno, fenômenos, a partir dos quais, inferimos o fato da gravidade. A gravidade é considerada um fato científico que surge como uma conclusão consensual advinda de muitas linhas de evidência que a tornam a melhor explicação abdutiva para uma série de observações diversas que sem ela seriam arbitrárias e sem sentido.

O mesmo vale para a descendência com modificação e ancestralidade comum que constituem-se na essência do processo de evolução biológica. Ainda que possamos observar diretamente algumas das instâncias evolutivas, e até experimentar com elas, uma parte substancial do processo evolutivo, especialmente o envolvendo grandes períodos de tempo e grupos mais distantemente aparentados, é inferida por múltiplas linhas de evidência indiretas, como as que vêm da biogeografia, morfologia, fisiologia, bioquímica e embriologia comparativa e sistemática, bem como da genética molecular, genômica e proteômica, além da boa e velha paleontologia. Mas esta corroboração indireta não a torna menos factual, já que mesmo observações diretas podem estar equivocadas e, de maneira geral, a evolução é tão bem corroborada que pode ser considerada mais factual do que muitas observações diretas feitas em situações ambíguas. Já o termo “Teoria” se refere ao arcabouço teórico-matemático e conceitual sobre o qual está calcada a moderna biologia evolutiva que diz respeito aos modelos, hipóteses, princípios, métodos de investigação, cadeias de argumentos etc que visam explicar os processos e padrões evolutivos.

O comentário sobre a evolução, na realidade sobre a ciência de modo geral, só apelar para causas ‘burras’, mostra a confusão conceitual do autor e sua ignorância do chamado naturalismo metodológico que aceita sim causação inteligente, mas de origem natural, baseada em modus operandi plausíveis e engendrada por seres espaço-temporalmente delimitados, imperfeitos e com os quais temos experiência direta ou, pelo menos, com os quais possamos usar os seres com que temos experiência direta como base para a formulação de modelos, hipóteses e delineamento dos testes sobre os que não temos. A arqueologia, as ciências forenses, a psicologia comparativa, a etologia etc, além das demais disciplinas das ciências humanas e sociais em que os agentes inteligentes são diretamente conhecidos, são exemplos desse tipo de estratégia. Para saber mais sobre os equívocos do autor e dos movimentos criacionistas sobre o tema, sugiro o artigo aqui do evolucionismo, “A vacuidade do Design Inteligente” que concentra-se na pobreza do Criacionismo do Design Inteligente e a total inefetividade da analogia com o Design. também recomendo os artigos aqui do evolucionismo”Conceitos problemáticos em evolução parte II: Causa e Acaso e Conceitos problemáticos e evolução Parte I: Propósito e “Design” ” que entram um pouco mais nas dificuldades que os leigos, especialmente com um certo viés religioso mais tradicional, têm ao tentar compreender certos conceitos da biologia evolutiva.

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Respondendo as afirmações e perguntas que se seguem:

1. Não há nenhum respaldo científico que verificasse a ocorrência da evolução da espécie (sem experimentação)”


Errado! Existe grande consenso entre os especialistas sobre a factualidade da evolução, calcado em uma gama enorme de evidências observacionais e experimentais sendo documentadas nos últimos 150 anos [veja Talk OriginUnderstanding Evolution e Phylotintelligence].

2. Os fósseis não tem nenhuma evidência de dupla espécie.”


Dupla espécie? Não sei o que ele pode querer dizer com essa expressão já que ele nem cita uma fonte específica, mas pode ter sido apenas um erro ao copiar e colar ou ao copiar, traduzir e colar. De qualquer maneira já discutimos sobre especiação e traduzi dois artigos sobre fósseis de transição e as confusões que os criacionistas  cometem ao falar do assunto que podem ser encontradas aqui e aqui:


3. Foi confirmado em testes as leis de conservação genética por Mendel, que mostram que os descendentes são sempre da MESMA espécie dos antecedentes e que variam no MESMO genoma da espécie.”


Afinal que confirmação é essa? Como já disso, no começo do texto, existem várias evidências de especiação, isto é, de populações que separadas evoluem isolamento reprodutivo em vários níveis e não há nada nisso que vá contra a genética moderna. Não existe ‘lei da conservação genética’ e o que mais se aproxima disso é o famoso teorema de Hardy e Weinberg um dos alicerces da genética de populações que na realidade demonstra que os sistemas de herança mendeliano podem suportar a evolução por seleção natural, como mostraria mais tarde Fisher [11]. A confusão pode vir do fato que o teorema (às vezes chamado de “Lei de Hardy-Weniberg”) estipula que em certas condições bem específicas – isto é, na presença de cruzamentos panmíticos (aleatórios), população infinita (ou pelo menos muito grande) e na ausência de mutações, deriva, migração e seleção – a constituição genética da população é preservada ao longo das gerações, o que tem como principal consequência o fato que – diferentemente dos sistemas de herança por mistura que eram o modelo padrão para a hereditariedade nos tempos de Darwin (e que lhe deram grande dores de cabeça na época) – a variação poderia surgir e ser mantida, não se diluindo por mistura. Isso mostra que a ideias de evolução e SN eram, em principio possíveis, e que as críticas advindas dos argumentos sobre hereditariedade por mistura, como os de Fleeming Jenkings, não eram relevantes. Apesar das pressuposições por trás do modelo de Hardy-Weinberg serem um tanto irrealísticas, estudos mostram que ele é suficientemente robusto para que possamos utilizá-lo para estimar as frequências gênicas/alélicas e genotípicas de maneira simples uma a partir da outra, mesmo em populações naturais que são finitas, sujeitas a mutação, recombinação, deriva, seleção natural, seleção sexual etc; o que faz com que haja mudança transgeracional e abra a possibilidade para a divergência de linhagens, isto é, evolução. Claro, quanto mais elas se desviarem dos pressupostos, menos o teorema será efetivo, mas ao mesmo tempo estes desvios podem ser usados exatamente para saber se está ocorrendo ou não evolução em dada uma população.


  • Griffhs, Antony J. F. et al. Introdução à genética. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009, 740 pg

  • Hartl, D. Princípios de Genética de Populações 3ª Edição Ribeirão Preto:Funpec, 2008. 217 pg

4. Foi provado que mutações artificiais ou cegas não acrescentam informações ao genoma, apenas variam ou perdem caracteres, se tornando, portanto predominantemente prejudiciais.(vídeo):”


Quem provou isso, afinal? Quando? E onde esta suposta prova foi publicada? O vídeo só traz afirmações sem fontes. Além disso, o autor não diz o que ele entende por informação genética, um conceito bastante esquivo e dado a absusos.

Já comentei no Tumblr (traduzi o artigo do site da New Scientist “Mitos sobre a evolução: Mutações só podem destruir informação” e, principalmente aqui) e no formspring sobre o assunto, explicando como o trabalho de pesquisadores como o do biólogo computacional Tom Schneider, do físico teórico Christoph Adami e do geneticista Jack Szostak aplicam, de forma bem sucedida, a Teoria da Informação (tanto de Shannon como a versão algorítmica de Kolmogorov/Chaitin) em biologia evolutiva mostrando que as medidas derivadas da teoria da informação crescem sim durante a evolução por seleção natural. Além disso, em uma perspectiva mais coloquial é mais do que bem estabelecido que vários processos e mecanismos dão conta do aumento do número, tipo e das funções de genes, tais como duplicação gênica, cotação funcional, embaralhamento de éxons, retrotransposição de genes, fusão e fissão de genes, origem de novo, transferência horizontal etc. Processos explicados em maiores detalhes nos artigos da série A origem de Nova informação genética Parte I Parte II.


5. Seleção natural é apenas sobrevivência de uma dada espécie, não prova a evolução. O tempo e a “necessidade” dos seres vivos (adaptação) não são suficientes para explicar a mudança em uma nova espécie.


Como já mencionado a SN não é “apenas sobrevivência de uma dada espécie”, mas é sim o principal mecanismo pelo qual a evolução adaptativa se dá e envolve a reprodução diferencial de indivíduos em função da posse de certas características herdáveis que trazem vantagens ecológico-funcionais em um dado ambiente, provocando assim a variação das características hereditárias das populações ao longo das gerações, isto é, EVOLUÇÃO. Portanto, este processo não PROVA a evolução, mas a possibilita. Além do mais, nenhum cientista afirma que só a SN é suficiente para produzir novas espécies. A especiação é um fenômeno complicado e depende de vários processos, entre os quais as mutações, a recombinação, a deriva genética aleatória e os vários processos de isolamento reprodutivo sejam eles geográficos ou ecológicos. Nestes últimos casos a SN divergente para especialização ecológica ou a a seleção sexual para sistemas de reconhecimento entre parceiros podem ter um papel crucial na especiação.

Outro ponto importante é a questão do tempo. De fato, o biólogo evolutivo Sean B.  Carroll dedica um capítulo inteiro de seu livro “The Making of the Fittest: DNA and the Ultimate Forensic Record of Evolution” à matemática da teoria evolutiva, mostrando como as estimativas das taxas de mutação, dos tamanhos das populações, das intensidades das pressões de seleção – associadas as análises do registro fóssil e o conhecimento das idades dos diversos estratos – permitem descobrir quando determinados grupos aparecem e como eram suas características originais e, em conjunto, mostram que o tempo não é problema para a evolução. Ao invés de simples asserções, como fazem os criacionistas ou cálculos baseados em caricaturas do processo evolutivo, que não levam em conta seus mecanismos e as estimativas da frequência das mutações, Carroll fornece uma série de exemplos da aplicação dessa matemática.


  • Carroll, S.B The Making of the Fittest: DNA and the Ultimate Forensic Record of Evolution  New York: W. W. Norton & Compan, 2006. 288 pgs.

No ano de 2010, um artigo publicado do Proceeding of National Academy of Science, escrito pelo geneticista teórico Warren J Ewens e pelo matemático, falecido em janeiro deste ano, Herbert Wilf, mostrou por que existe tempo suficiente para a evolução. Os autores usaram um modelo simples de evolução adaptativa (levando em conta mutação e seleção) que captura o caráter essencialmente paralelo desse processo. Bem diferente das caricaturas criacionistas que supõem que o processo de evolução por SN envolvendo múltiplos loci só pode ocorrer com todos os loci tendo que evoluir de uma só vez – caso contrário começar-se-ia do zero cada vez que uma mutação não fosse tão vantajosa – os resultados mostram que não só os criacionistas entenderam tudo errado, ao encararem a evolução como um jogo aleatório de tudo ou nada, como, além disso, estão ordens e ordens de magnitude distantes das estimativas sérias dos tempos necessários para a evolução por SN baseadas em um modelo que captura minimamente os principais mecanismos de evolução por SN e em valores biologicamente plausíveis para os parâmetros usados nele.

Como o que importa são os diferenciais reprodutivos relativos, a evolução de vários alelos e loci se dá mais ou menos ao mesmo tempo com os organismos mais bem sucedidos a cada geração contribuindo mais para a próxima geração em termos de prole a partir do impacto liquido dos diversos loci na adapação e é está característica que torna a evolução mais semelhante a um processo em que cada letra de uma posição em uma sequência qualquer pode ser ‘adivinhada’ de maneira independente e uma vez selecionada, tende a ser mantida, enquanto as demais letras podem continuar a variar até que tragam uma vantagem. Este resultado é, em linhas gerais, análogo ao ‘supersimplicado’ programa Weasel de Dawkins que também mostra como os criacionistas equivocam-se ao lidar com a evolução por seleção natural, esquecendo seu caráter de retenção e amplificação de raridades.

  • Wilf HS, Ewens WJ. There’s plenty of time for evolution. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010 Dec 28;107(52):22454-6. Epub 2010 Dec 13. PubMed PMID: 21149677; PubMed Central PMCID: PMC3012492.


6.A improbabilidade de mutações aleatórias fazerem surgir uma nova aptidão e um novo genoma perfeito e funcional, sem nenhuma ordem ou design.


Essa é uma das afirmações típicas dos criacionistas e que, como disse e repito, não passa de argumentação por asserção, baseada na incredulidade pessoal. A afirmação sem estimativas e sem qualquer indicação do modelo que teria sido usado é vazia e, como já vimos, destoa das estimativas feitas a partir de modelos mais adequados e publicadas na literatura científica. Se não bastasse essa ignorância, ainda existe a demanda, por parte do criacionista, que os novos genomas sejam perfeitos, quando, para começo de conversa, nenhum genoma é perfeito, já que estão em contínuo fluxo de mudanças, existindo ampla variação populacional e inter-específica, com boa parte dela sendo neutra ou ligeiramente deletéria, além de muitas delas estarem associadas a sequências parasíticas genômicas. Além do mais, os genomas originais só precisam ser ‘bons o bastante’, e dependendo do tamanho da população, apenas ligeiramente melhores, em termos das vantagens reprodutivas conferidas por ele ao organismo, do que os dos outros indivíduos na população. Isso sem mencionar que, na realidade, processos estocásticos como a deriva genética associada a perda de eficiência da SN em pequenas populações pode ser crucial para a evolução da complexidade biológica como tem mostrado o grupo de Michael Lynch. Sobre este interessante tema, aconselho os artigos sobre estes trabalhosAlém da seleção natural ou a importância da evolução neutra.“ e “O preço da complexidade” que foram postado aqui no evolucionismo.org.



7. A teoria da evolução natural não sabe explicar o surgimento de várias espécies no período Cambriano.

Mesmo que isso fosse verdade, ainda assim, seria de pouca relevância, pois qualquer campo científico não explica cada detalhe de seus objetos de estudo, caso contrário seria obsoleto. É exatamente o fato de existirem questões em aberto e que estão sendo investigadas é que faz um campo ser cientificamente ativo. Esta afirmação é ainda mais irrelevante por ser totalmente equivocada já que a SN não é o único fator postulado e investigado como explicação para a “explosão cambriana“. Afinal, um evento de tão grandes proporções certamente envolveu um conjunto de fatores interligados entre os quais alterações das relações ecológicas e demográficas entre as linhagens ancestrais de organismos com simetria bilateral que alteraram as pressões de seleção, mas certamente não foi só isso.


Os biólogos evolutivos e paleontólogos têm sim proposto, e testado através de dados comparativos, várias hipóteses e modelos para explicar a origem de várias linhagens de animais bilaterais  ‘esqueletizados’ durante o começo do período Cambriano, com muitos desses cenários, inclusive, baseados na SN agindo em um contexto de uma ‘corrida armamentista coevolutiva’ decorrente de intensificação de predação ativa e concomitante evolução de esqueletos rígidos, dentes e sistemas visuais, com tudo isso associado a processos intrínsecos aos organismos, como o surgimento de inovações genômicas e desenvolvimentais cruciais (como o “kit de ferramentas” genético-desenvolvimental dos animais bilaterais) e fatores externos aos organismos, como a vicariância por causa da fragmentação de habitats em função de alterações geológicas e climáticas, a liberação das restrições metabólicas e fisiológicas por causa do maior aporte de O2 e de outros nutrientes que teriam aliviado a seleção negativa etc. [Veja sobre isso: “É a evolução geneticamente previsível”, Partes I, II].


O que não existe ainda é um consenso sobre quais seriam as explicações mais corretas, nem sobre muitos dos detalhes de como isso exatamente teria ocorrido, além de restarem controvérsias em relação as estimativas de quando exatamente os primeiros eventos teriam se dado, e quanto a famosa explosão durou (de 5.000.000 a 50.000.000 de anos). Todas perguntas tratáveis, apesar de serem de difícil investigação, especialmente na paleobiologia por que o registro fóssil é escasso e muita informação está para sempre perdida.


  • Conway Morris S. The Cambrian “explosion”: slow-fuse or megatonnage? Proc Natl Acad Sci U S A. 2000 Apr 25;97(9):4426-9. PubMed PMID: 10781036; PubMed Central PMCID: PMC34314.

  • Marshall, Charles R. Explaining the cambrian “explosion” of animals Annual Review of Earth and Planetary Sciences Vol. 34: 355-384, may 2006 DOI: 10.1146/annurev.earth.33.031504.103001.

  • Marshall CR, Valentine JW. The importance of preadapted genomes in the origin of the animal bodyplans and the Cambrian explosion. Evolution. 2010May;64(5):1189-201. Epub 2009 Nov 20. PubMed PMID: 19930449.

  • Nielsen C, Parker A. Morphological novelties detonated the Ediacaran-Cambrian “explosion”. Evol Dev. 2010 Jul-Aug;12(4):345-6. PubMed PMID: 20618429.

  • Peterson KJ, Cotton JA, Gehling JG, Pisani D. The Ediacaran emergence ofbilaterians: congruence between the genetic and the geological fossil records.Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2008 Apr 27;363(1496):1435-43. PubMed PMID: 18192191; PubMed Central PMCID: PMC2614224.


8. A teoria da evolução não sabe explicar como surgiram as aptidões.


Como assim? A teoria de evolução por SN de variantes fenotípicas geradas por mutações ao acaso é a explicação padrão para a adaptação ao ambiente em contínua mudança. A SN agindo cumulativamente ao longo de várias gerações consegue dar conta de várias das principais adaptações, mas além da SN existem outros fatores, processos, mecanismos e determinantes que explicam de maneira ainda mais completa esse bom ajuste entre os organismos e seu meio. Por exemplo, a cooptação funcional de estruturas preexistentes – sejam elas produtos diretos ou indiretos de adaptações anteriores ou de restrições desenvolvimentais, processos de auto-organização e/ou flexibilidade fenotípica – é um exemplo destes outros fatores. Estes processos conjuntamente com a SN e fatores estocásticos que aumentam a tolerância às mutações ligeiramente deletérias também, contribuem para explicar este processo de “produção do apto” [10].


O próprio livro que mencionei “The Making of the Fittest” discute essa questão em termos mais simples. Além do mais, já são mapeadas várias mutações que desempenham um papel crucial neste processo, como as envolvendo duplicações, embaralhamento, translocações e inserções de segmentos gênicos associados ao controle do desenvolvimento, especialmente elementos cis- e trans- regulatórios, além da própria modularidade dos organismos e dos sistemas em desenvolvimento. Os artigos do evlucionismo sobre Evo-Devo da série “É a evolução geneticamente previsível” (partes I, II e III, além do mais recente sobre resultados experimentais que confirmam as intuições de mais de 60 anos de Alan Turing, “Viva Turing ou como os camundongos conseguem seu palato enrugado.”) são uma ótima dica, por exemplo.

  • Carroll,S.B., Prud’homme, B., and Gompel, N. Regulating Evolution. Scientific American 2008 May: 32-39.


9. A teoria da evolução não sabe explicar a origem e divisão dos sexos, nem a evolução sexuada simultânea.

Aqui, mais uma vez, o autor confunde as coisas e parece completamente ignorante sobre os modelos para a origem e manutenção do sexo, associados a predação, controle de parasitas genômicos, coevolução parasita-hospedeiro, quebra de ligação entre mutações desvantajosas, atenuação de competição intragenômica etc. Essas hipóteses são todas testáveis e têm vários níveis de evidência e argumentos em seu favor, permitindo a continuação das investigações que é fundamental para uma disciplina científica [Vejam nossos artigos sobre o tema, como Rainhas, besouros e fungos ‘degenerados e “Por que genes imunitários que nos prejudicam persistem? e esta resposta do Tumblr]. Sugiro também os seguintes artigos e lins, “The Advantages of Sex” de Matt Ridley, os artigos da Nature Reviews cujo foco é a Evolução do Sexo, a video-aula de Stephen C. Stearns, biólogo evolutivo da Universidade de yale e e a introdução a edição especial da revista Science, “The Evolution of Sex” escrita por  Elizabeth Culotta e Pamela Hines e este interessante vídeo do youtube.


  1. A morfologia comparada dos seres vivos é uma tentativa primitiva de explicar a evolução gradual, já que nenhum dos itens anteriores mostraram evidência.

Isso nem faz sentido, pois a morfologia comparada é umas das linhas de evidência que corroboram a realidade da ancestralidade comum e da descendência comum e quando os itens anteriores (tirando os que nem fazem sentido) estão em acordo com a gigantesca montanha de evidências científicas.

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Detalhes Adicionais

Darwin depois de elaborar sua teoria, foi honesto em dizer que ela poderia ser questionada. Ele afirma na seguinte frase” se pudesse ser demonstrado um órgão complexo…. minha teoria estaria destruída”. Mas ainda tem cientistas que invocam o tempo, o acaso e a natureza, como causas que dão origem e formas aos seres vivos, causas “burras” e incapazes na verdade. Seria uma tentativa de colocar Deus de fora.


O que ele chama de causas ‘burras’ é o feijão com arroz das ciências naturais, o campo mais bem sucedido das ciências modernas que dá suporte aos demais campos do conhecimento principalmente em termos de tecnologia. Não há qualquer demonstração da relevância e fertilidade de ser levar em conta supostas causas “inteligentes” não-naturais sem primeiro ter evidências diretas para os agentes que estariam por trás delas ou, pelo menos, sem que propostas claras de diagnóstico e teste das mesmas fossem oferecidas, que não fossem a simples negação das evidências da biologia evolutiva e da ciência moderna como um todo. Veja por exemplo o artigo a “A vacuidade do Design Inteligente!” e o excelente artigo de Emile Zuckerkandl.


  • Zuckerkandl E. Intelligent design and biological complexity. Gene. 2006 Dec 30;385:2-18. Epub 2006 Aug 5. Review. PubMed PMID: 17011142.

A biologia evolutiva é um dos campos mais prolíficos das ciências modernas e a evolução é aceira como fato pela imensa maioria da comunidade científica, com a oposição restante tendo um viés ideológico e sendo em sua maioria vinda de pesquisadores fora das áreas de ciências da vida e geociências que lidam não diretamente com a evolução e suas consequências. Também é absurdo negar que a moderna biologia evolutiva tem uma enorme relevância prática seja nos estudos sobre resistência a agentes quimioterápicos por parte de vírus, bactérias e protistas e células tumorais, além da evolução da resistência a pesticidas por parte de ervas daninhas e insetos, como na investigação da dinâmica ecológica e populacional de espécies de vetores de doenças, espécies invasoras, agentes polinizadores e dispersores de semente etc, portanto, sendo um campo de conhecimento fundamental no controle de doenças emergentes e seus vetores e na biologia da conservação, como por exemplo, ao estudar o impacto da pesca nas populações de peixes e mudanças de suas características biológicas por conta disso. A biologia evolutiva também inspira novos campos da pesquisa aplicada como a computação evolutiva e a evolução dirigida de biopolímeros in vitro, apenas para citar dois exemplos. Por isso tudo, negar a realidade da evolução e a importância da biologia evolutiva não é só um triste ato de ignorância, mas uma atitude inconsequente e perigosa, pois não podemos prescindir desse tipo de conhecimento.

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Referências:

  • Freeman, S; Herron, J. C. 2009. Análise Evolutiva. 4a. ed. Porto Alegre: ArtMed Editora,  831 pg

  • Futuyma, D.J.  Biologia Evolutiva. 3ª Edição. Ribeirão Preto: Funpec, 2009. 830 pg

  • Hartl, D. Princípios de Genética de Populações 3ª Edição Ribeirão Preto:Funpec, 2008. 217 pg

  • Lewin, R. Evolução humana. São Paulo: Atheneu, 1999, 526 pg.

  • Mayr, E. 2009 O Que é a Evolução Rio de Janeiro: Rocco Editora, 342 pg.

  • Ridley, M. 2006. Evolução. 3a. ed Porto Alegre: ArtMed Editora. 806 pg

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Nota 1: Recomendamos as páginas do site Talk Origins Archive sobre especiação, “Observed Instances of Speciation” e “Some More Observed Speciation Events“, além da página da universidade de Berkeley sobre o assunto “Evidence for speciation” no site Understanding Evoluton. Segue uma ilustração do trabalho de Dodd publicado na revista Evolution em 1989 com o experimentos mencionado:

:

Nota 2: Esta informação está na ótima palestra de Lewontin disponível em vídeo sobre o uso de metáforas em genética e evolução “” e a ideia de geral de penetrância e expressividade podem ser econtradas na maioria dos manuais de genética, como por exemplo em Grifths et al. (2000), livro texto clássico disponível online em sua versão em inglês no site do NCBI. A discussão é uma continuação da discussão sobre ‘normas de reação’ outro conceito não-mencionado no vídeo criacionista e que é de grande importância:

“No exemplo anterior, a base genética da dependência de um gene de outro é deduzida a partir claras razões (ratios) genéticos. No entanto, apenas uma pequena proporção dos genes no genoma prestam-se a tal análise. Uma propriedade importante é que a mutação não exiba uma redução da viabilidade ou a fertilidade em relação ao tipo selvagem de modo que a frequência de recuperação de classes de mutantes e de tipo selvagem não são assimétricos

Outra propriedade é que a diferença na norma de reação (ver Capítulo 1) entre o tipo selvagem e os mutantes deve ser tão dramática que não haja sobreposição das curvas de reação para o tipos mutante e o selvagem, e, portanto, possamos utilizar com segurança o fenótipo para distinguir genótipos mutantes dos do tipo selvagem com certeza de 100%. Nesses casos, dizemos que esta mutação é 100% penetrante. No entanto, muitas mutações mostram penetrância incompleta. Assim penetrância é definida como a percentagem de indivíduos com um dado genótipo que apresentam o fenótipo associado com que o genótipo. Por exemplo, um organismo pode ter um genótipo particular, mas não pode expressar o fenótipo correspondente, por causa de modificadores, genes epistáticos, ou supressores no resto do genoma ou por causa de um efeito de modificação do ambiente. Alternativamente, a ausência de uma função de um gene pode ter efeitos intrinsecamente muito sutis, que são difíceis de medir em uma situação de laboratório.

Outra medida para descrever a gama de expressão fenotípica é chamado expressividade. Expressividade mede o grau ao qual um dado genótipo é expresso ao nível fenotípico. Diferentes graus de expressão em diferentes indivíduos pode ser devido a variação na constituição alélica do resto do genoma ou a fatores ambientais.”


  • Griffiths AJF, Miller JH, Suzuki DT, et al. An Introduction to Genetic Analysis. 7th edition. New York: W. H. Freeman; 2000. Penetrance and expressivity. (Trecho online disponível aqui).

 

“Sempre que possível, os geneticistas evitam estudar os genes que têm penetrância apenas parcial e expressividade incompleta (ver Capítulo 4) por causa da dificuldade de fazer inferências genéticas a partir de tais características. Imagine o quão difícil (se não impossível) teria sido para Benzer estudar a estrutura fina do gene em fagos, se o único efeito dos mutantes rII fosse uma redução de 5 por cento na sua capacidade para crescer em E. coli K em relação ao tipo selvagem. Em sua maior parte, então, os estudos da genética apresentados nos capítulos anteriores tem sido os estudos de substituições alélicas que causam diferenças qualitativas no fenótipo.”

 

  • Griffiths AJF, Miller JH, Suzuki DT, et al. An Introduction to Genetic Analysis. 7th edition. New York: W. H. Freeman; 2000. Introduction. (Trecho online disponível está aqui)

Nota 3: O termo mutação pontual originou-se antes do advento das técnicas de sequenciamento do DNA e portanto antes de ser possível descobrir as bases moleculares de um evento de mutação. Atualmente, mutações pontuais tipicamente referem-se a alterações envolvendo um único par de bases do DNA ou um pequeno número de pares adjacentes. Essas mutações em geral são caracterizadas em relação ao seu impacto ao nível da expressão de proteínas. Ao nível do DNA existem dois tipos principais de mutações pontuais substituições de bases em que um nucleotídeo é trocado por outro e adições e deleções de bases, em que nucleotídeos são acrescentados ou subtraídos do DNA. O primeiro tipo pode ser subdividido em outros dois tipos, as transições e transversões que dizem respeito a substituições de purinas por outras purinas (A → G ou G → A) ou de pirimidinas por outras pirimidinas ( C → T or T → C) e entre purinas e pirimidinas e vice-versa (pirimidina por uma purina: C → A, C → G, T → A, T → G; purina por uma pirimidina: A → C, A→ T, G → C, G→ T), sendo as primeiras mais frequentes que as últimas.

As consequências funcionais dessas mutações como já aludido dependerão de onde no genoma essas alterações tiverem lugar. Por exemplo, quando essas mutações recaem nas regiões codificadoras de um gene podemos subdividi-las em três categorias que são consequências diretas de dois aspectos do código genético: a) sua degeneração e b) a existência de códons que especificam a parada do processo de tradução:

  1. Substituições silenciosas: A mutação modifica um códon transformando-o em outros, mas que especifica o mesmo resíduo de aminoácido do códon anterior. Essas mutações são também chamadas de mutações sinônimas.

  1. Mutações senso errado (“Missense mutations”): O códon é modificado em outro que codifica um resíduo de aminoácido diferente do especificado pelo códon anterior, portanto, modificando a sequencia primária do polipeptídeo codificado pelo gene.

  2. Mutações sem sentido (“Nonsense mutations”): O códon é trocado por um códon que marca o termino da tradução, ou seja, um chamado códon de parada, o que durante a tradução dará origem a uma proteína truncada, incompleta.


As substituições silenciosas não alteram o aminoácido codificado, deixando a sequência intacta sendo seu impacto praticamente nulo, talvez apenas relevante em situações onde a escassez do RNA transportador específico para do novo códon para o novo aminoácido, podendo, com isso, lenificar a tradução e trazer consequências sutis nos níveis da proteína ou em seu padrão de enovelamento.  No entanto, não há quase informações sobre quais seriam estes impactos e mesmo quão relevantes eles seriam para a aptidão dos indivíduos. Já a severidade dos efeitos de mutações ‘missense’ e ‘nonsense’ ido dependerão do polipeptídeo em questão e diferirão caso a caso. Mutações do tipo senso errado em que causam a troca de um resíduo por outro quimicamente semelhante terão em geral impacto muito pequeno e mesmo que troquem por um resíduo diferente seu impacto dependerá de qual porção do polipeptídeo a mutação ocorreu já que regiões nos sítios ativos e sítios alostéricos por exemplo terão muito maior impacto podendo inativando completamente a função da proteína (mutações nulas) do que as que ocorrerem em outras porções, por exemplo, mais externas do polipeptídeo enovelado que provavelmente terão efeitos menores resultando em mutantes apenas parcialmente inativos ou “com vazamentos”. As consequências de mutações sem sentido que resultam em um polipeptídeo truncado são em geral mais severas, como mostra a figura.

Mutações ‘nonsense’ que levam a terminação precoce da tradução resultando em proteínas truncadas seguramente levarão a fortes alterações na função proteica, produzindo proteínas completamente inativas, a menos que a mutações ocorra muito próxima a final 3′ do marco aberto de leitura (ORF) que é a região que especifica os aminoácidos mais no final da proteína , da região carboxil terminal.

As deleções e inserções de um único nucleotídeo tem um efeito similar aos das mutações sem sentido que se estendem para bem longe do sítio onde ocorreu a mutação. O que acontece é que esse tipo de substituição (assim como as deleções e inserções envolvem números de pares de base que não são múltiplos de três) alteram o marco de leitura para a tradução, o que faz com que o RNA mensageiro seja lido pelo aparato de tradução do ribossomos de maneira completamente a partir só local onde houve a adição ou deleção dos nucleotídeos, com as alterações estendendo-se até a região carboxil terminal da proteína. Isso mudará completamente os aminoácidos codificados nesta região, a partir de onde ocorreu a inserção ou deleção. Por isso essas mutações geralmente inativam completamente a função da proteína, a menos que ocorram muito no final da sequência. Claro, casos as deleções ou inserções removam ou acrescentem quantidades de nucleotídeos múltiplos de três apenas removerão ou acrescentarão aminoácidos não interferindo com o resto da sequencia, portanto, aqui de novo as consequências dependerão de onde essas mutações ocorrerem e do número de códons acrescentados ou removidos e dos tipos de aminoácidos por eles especificados.

Fenótipos mutantes que destoam do fenótipo selvagem também podem ser provenientes de alterações em regiões regulatórias de um alelo ou em outros genes que interagem e regulam a expressão de outro gene. Essas regiões regulatórias são segmentos de nucleotídeos de RNA e DNA sobre os quais ancoram-se proteínas chamadas de fatores de transcrição ou repressores (ou que servem de alvo para RNAs regulatório ou enzimas que modificam quimicamente os nucleotídeos ali presentes, como as DNA metilases, alterando sua acessibilidade por fatores de transcrição, repressores e pelo complexo de transcrição, inciadores elongadores etc.) e que são separados uns dos outros e das regiões codificantes por sequências não essenciais, o que torna a previsão dos efeitos de mutações nestes tipos de sequências muito complicados de predizer.

As consequências funcionais de qualquer mutação pontual (substituição, inserção ou deleção) normalmente, nessas porções regulatórias do genoma dependerão da localização específica dos eventos mutacionais e do fato de interferirem ou não com sítio alvo específico para a proteína ou RNA ligarem-se. Entre os exemplos mais comuns podem ser citados os tipos de sítios-alvo para a ligação às proteínas ou RNA são os sítios aceptores e doadores para o processamento (splice) nos introns nos RNAs pré-mensageiros dos eucariontes, sítios de ligação de promotores para RNA polimerase e sítios de ligação para a subunidade 16S RNA ribossômico (sequências Shine-Delgarno) a montante dos sítios de iniciação da tradução em RNAs mensageiros (mRNAs) de procariontes. Este tipo de mutações que perturbem os sítios alvo têm o potencial para alterar o padrão de expressão de um gene em relação a a quantidade de produto expresso, a célula ou tipo de tecido em que é expresso e as pistas ambientais que induzem essa expressão e ao período de tempo em que seus produtos são expressos. Esse tipo de mutação não altera a sequência polipeptídica, portanto, seu efeito é na quantidade do produto proteico do gene, desat forma, não alterando a estrutura da proteína.

  • Griffiths AJF, Miller JH, Suzuki DT, et al. An Introduction to Genetic Analysis. 7th edition. New York: W. H. Freeman; 2000. How DNA changes affect phenotype.

Nota 4: Existe uma história sobre dois monges caminhando, na Índia, em uma floresta quando os dois avistam um tigre que começa a correr em sua direção fazendo os dois monges saírem em disparada. Em um acerta altura da perseguição, com a cada vez maior aproximação do tigre, um dos monges olha para o outro e resfolegado diz: “Não adianta. Nenhum de nós dois é mais rápido do que o Tigre!” Para o que o outro monge responde, acelerando o passo: “Verdade! Mas eu só preciso correr mais rápido do que você”. Como na evolução por SN, vantagens e desvantagens são relativas e não há necessidade de que mutações benéficas sejam perfeitas ou tragam vantagens absolutas, apenas vantagens relativas que criem diferenciais reprodutivos em favor de seus portadores e que resistam a ação de fatores estocásticos que podem interferir antes que elas possam agir.

Nota 5: Na realidade existem evidências que várias sequências diferentes de uma mesma proteína podem exercer a mesma função, o que pode ser observado pela variação de sequências de DNA e proteínas dentro de uma população que são neutras ou quase neutras e também ao observar a enorme diversidade de sequências entre a mesma proteínas em espécies diferentes, isto é, ortólogos, (e entre proteínas da mesma família que exercem funções as vezes diferentes, os parólogos). De fato poucos aminoácidos em muitos casos são realmente funcionalmente relevantes, muitos conferem estabilidade estrutural e termodinâmica e funcionam mais como um arcabouço mais tolerante a mudanças. Em alguns casos, como no caso de hemoglobinas, existe variação substancial do tamanho das sequências entre as diversas formas de espécies diferentes. Isso pode ser considerado como um exemplo da propriedade “robustez”, como coloca o biólogo evolutivo suíço Andreas Wagner e que não se limita a proteínas com sequência diferentes, mas que mantém o padrão de enovelamento e as relações entre os aminoácidos dos sítios ativos, mas também de proteínas com estruturas diferentes, mas que conseguem dar conta da mesma função (pense nas hemocianinas em comparação com as hemoglobinas) e até biopolímeros diferentes, como as ribozimas.

  • Bork P, Sander C, Valencia A. Convergent evolution of similar enzymatic function on different protein folds: the hexokinase, ribokinase, and galactokinase families of sugar kinases. Protein Sci. 1993 Jan;2(1):31-40. PubMed PMID: 8382990; PubMed Central PMCID: PMC2142297.
  • Galperin MY, Koonin EV. Divergence and convergence in enzyme evolution. J Biol hem. 2012 Jan 2;287(1):21-8. Epub 2011 Nov 8. PubMed PMID: 22069324; PubMed Central PMCID: PMC3249071.


Nota 6: Estudos recentes, na realidade, mostram até um perfil de dispensabilidade de certos genes (ou cópias de genes) detectados em estudos até em seres humanos, o que mostra que certa redundância molecular ou sistêmica (às vezes chamada de “degenerecência”) acaba servindo muitas vezes como tampão da variação ambiental e introduzida por mutações, conferindo certo grau de robustez aos sistemas biológicos, no que alguns chamam de “canalização”. Estas propriedades agindo conjuntamente com a modularidade, isto é, a semi-autonomia de certos genes, vias bioquímicas e circuitos genético-desenvolvimentais de outros sistemas com que interagem o que acaba por facilitar a evolução. Recentemente escrevi sobre alguns trabalhos que discutem exatamente a dispensabilidade de certos genes presentes em múltiplas cópias (“Sobre a dispensabilidade de certos genes humanos.”) que tem ajudado a montar um quadro melhor dos efeitos fenotípicos das mutações o que pode nos permitir destrinchar melhor os estudos genômicos e separar as perdas de genes realmente relevantes a nossa saúde daqueles que são de pouco ou nenhum efeito.

Nota 7: A evolução por SN é uma das principais contribuições de Charles Darwin e Alfred Russel Wallace em relação a questão da adaptação, consistindo na dependência da reprodução diferencial da posse, por parte de determinados indivíduos, de certas características fenotípicas herdáveis em um certo contexto ecológico-demográfico. Isto é a maior aptidão desses indivíduos é causalmente correlacionada a certas características bioquímicas, fisiológicas, morfológicas ou comportamentais e aos seus genótipos subjacentes. Portanto, a seleção natural não é tautológica e não equivale a reprodução diferencial, pois caso não haja esta vinculação não há seleção e sim deriva genética aleatória, já que as chances de nascimento e óbito flutuam ao acaso de acordo com uma infinidade de circunstâncias e processos independentes, portanto, nestes casos a reprodução diferencial não seria resultado de seleção.

Como coloca o geneticista Gabriel Dover:

A seleção natural é uma conseqüência das diferenças no sucesso reprodutivo entre fenótipos individuais distintamente únicos que vivem em uma determinada geração, resultando em uma representação enviesada de genes na próxima geração

Outra confusão comum é atribuir a seleção natural algum tipo de intencionalidade, equiparando-a a algum agente consciente, mas ela é um simples produto de interações ecológicas entre os diversos indivíduos entre si e deles com o resto de seu meio-ambiente que funcionam como os fatores seletivos per se que, como podem variar muito, tornam o processo muito dependente do contexto, variando em relação a intensidade e direção em função de uma série de parâmetros associados a estas interações e dos detalhes dos sistemas de reprodução, acasalamento e estruturação da população, bem como da oferta de variabilidade e das restrições impostas pela física e  química, pelo histórico evolutivo pregresso e da forma como organizam-se os organismos de modo geral.

Nota 8: Além da classificação em relação ao efeito sobre as mutações (positiva e purificadora), a seleção natural também pode ser dividida de acordo com o seu efeito sobre a distribuição de caracteres quantitativos em uma população ao longo de várias gerações, o que nos permite dividi-la em seleção estabilizadora (em que os valores extremos de uma distribuição são desfavorecidos); a seleção direcional (em que um dos valores extremos é favorecido e o extremo oposto desfavorecido) e a seleção disruptiva (em que os valores intermediários são desfavorecidos enquanto os extremos são favorecidos) que pode levar há divergência em uma população favorecendo sua divisão.

Nota 9: As duas formas de seleção natural, purificadora e positiva deixam assinaturas moleculares distintas que podem ser identificadas pela analise das taxas relativas de substituições não-sinônimas, isto é, as que envolvem a mudança do aminoácido codificado, em relação as substituições sinônimas, ou seja, que não envolvem a mudança do aminoácido codificado, ω (= dN/dS). Essa razão reflete as pressões seletivas de longo prazo pelas quais passaram os organismos por causa dos fenótipos a eles conferidos por seus genes que acabam que, por sua vez, deixam alteram os seus padrões de abundância relativa de certos tipos de substituições. A maioria dos métodos de detectar essas assinaturas deriva do fato que sob neutralidade, ou seja, caso as substituições estivessem ocorrendo sem impactar funcionalmente significativamente as biomoléculas codificadas e, por isso, não interferindo de maneira apreciável nas diferenças no sucesso reprodutivo dos portadores de uma ou de outra variante – seria esperado que as taxas de variação sinônima e não-sinônima fossem bem semelhantes, aproximadamente iguais, de tal modo que ω = 1[Para saber mais sobre o assunto veja o artigo“Marcas da adaptação: A teoria neutra e as assinaturas moleculares da seleção natural”].

Por outro lado, caso estivesse mudanças que alterassem os resíduos de aminoácidos codificados estivessem causando alterações na função e estrutura das proteínas de modo que seus portadores estivessem em desvantagem em termos de sobrevivência e reprodução, esperaríamos que as variantes não-sinônimas fossem purgadas das populações, diminuindo assim ω (<1), isto é, seleção purificadora. Em contraste, caso estivesse ocorrendo seleção positiva, seriam as variantes não-sinônimas as favorecidas, uma vez que as alterações em resíduos de aminoácidos estariam tendo um impacto positivo na sobrevivência e sucesso reprodutivo dos indivíduos que as portassem, ao alterar a estrutura e função das proteínas codificadas pelo gene em questão, aumentando, assim, ω (>1). Para maiores detalhes sobre os testes de identificação de marcas moleculares da seleção usando modelos de evolução neutros, indico o artigo do evolucionismo, “Marcas da adaptação: A teoria neutra e as assinaturas moleculares d…” em que mais detalhes são dados sobre este tipo de estratégia de análise evolutiva.

Nora 10: Na realidade existem outros fatores evolutivos que juntam-se aos que foram reconhecidos durante a síntese moderna da biologia evolutiva nos anos 40 que têm sido incorporados a biologia evolutiva e garantido sua ampliação. O reconhecimento da deriva genética e da neutralidade a partir dos anos 60 e 70 é um dessas novas aquisições e que mudou os estudos de evolução molecular e genética evolutiva de populações quem vem alimentando vários trabalhos que mostram como fatores estocásticos não-adaptativos podem contribuir com o aumento da biocomplexidade e agir em cooperação com fatores como a seleção natural e sexual. Porém, nos últimos anos alguns pesquisadores tem chamado a atenção para o próprio papel das mutações e para a certa tendenciosidade dos processos mutacionais que produzem mais certos tipos de mutações do que outros e como a organização e composição do genoma faz com que certas partes do genoma mutem mais do que outras, respectivamente, sendo chamados de ‘viés de mutação’ e ‘hotspots’.

O viés mais conhecido é a chamada relação entre as transversões e transiçôes que relacionam-se ao fato de mudanças de uma purina para outra ou de uma pirimidina para outra são mais frequentes do que a de uma purina em uma pirimidina e vice versa. Outro processo que também envolve a forma como os genomas estão estruturados e em como se dão suas dinâmicas é aquilo que o geneticista Gabriel Dover chamou de “Impulso Molecular” (‘Molecular Drive”) que é usado para designar as consequências de uma série de processos que homogenizam e mantém a coesão dos genomas dos organismos vivos, como a conversão gênica e conversão gênica enviesada, que surgem como forma de reparo de certos erros de pareamento e recombinação entre cromossomos homólogos e que podem levar ao fenômeno de “evolução em concerto” que faz com que cópias duplicadas de um gene, mas que podem até ter adquirido funções ligeiramente diferentes, mantenham-se mais semelhantes entre si, do que com genes ortólogos em espécies próximas que desempenham funções muito mais equivalentes. Esses mecanismos causam, portanto, flutuações no número de cópias das variantes dos genes em um indivíduo, conduzindo a uma substituição gradual de uma família original de n genes (A) em um número de N indivíduos por um gene variante (a). É esse processo de propagação de um gene variante através de uma família e através de uma população que é chamadoimpulso molecular“. Parece que foi exatamente o que ocorreu com a família de genes Hox responsáveis pelo padrão anteroposterior (cabeça-cauda) em animais com simetria bilateral. Esses fatores ou forças seriam até certo nível independentes dos demais fatores evolutivos podendo se opor, reforçar ou simplesmente serem indiferentes a seleção natural, ou a seleção sexual ou ainda a deriva genética.

  • Stoltzfus, Arlin, and Lev Y Yampolsky. Climbing mount probable: mutation as a cause of nonrandomness in evolution.” The Journal of heredity 100.5,  2009 : 637-647.
  • Ohta T, Dover GA. The cohesive population genetics of molecular drive. Genetics. 1984 Oct;108(2):501-21. PubMed PMID: 6500260; PubMed Central PMCID: PMC1202420.

 

Nota 11:Uma complicação adicional e que só foi resolvida nos anos 20 – mais de uma década depois que o teorema foi proposto e, portanto, a genética de populações foi fundada – foi a questão da polêmica que dividia evolucionistas mendelianos/mutacionistas dos biometristas/Neo-Darwinistas, com os primeiros focando em características discretas codificadas por fatores mendelianos, também discretos, e o outros, na herança de características quantitativas que, aparentemente, não eram herdadas de forma mendeliana, mas cuja herança era estimada por medidas de covariância e correlação entre progenitores e ninhadas e entre irmãos, na tradição fundada por Francis Galton. Apenas na década de 1920 foi que Ronald A. Fisher demonstrou que os caracteres quantitativos poderiam ser herdados de maneira mendeliana caso estivessem associados a múltiplos fatores discretos, o que chamados hoje de herança poligênica, e que, atualmente, é a base da genética quantitativa moderna. Este trabalho é considerado o marco inicial da teoria sintética da evolução que logo depois contaria com os trabalhos seminais de Sewall Wrigth e J.B.S. Haldane e um batalhão de outros brilhantes cientistas [Veja por exemplo esta resposta para o formspring].

  • RANDOM Mutations and Evolutionary Change: Ronald Fisher, JBS Haldane, & Sewall Wright Understanding Evolution. Disponíve Acesso em: 20 de março de 2012.

  • Ridley, M. 2006. Evolução. 3a. ed Porto Alegre: ArtMed Editora. 806 pg

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Créditos das figuras:

DR JEREMY BURGESS/SCIENCE PHOTO LIBRARY

NATURAL HISTORY MUSEUM, LONDON/SCIENCE PHOTO LIBRARY
NATURAL HISTORY MUSEUM, LONDON/SCIENCE PHOTO LIBRARY
BILL SANDERSON/SCIENCE PHOTO LIBRARY
MIKKEL JUUL JENSEN / SCIENCE PHOTO LIBRARY
PASIEKA/SCIENCE PHOTO LIBRARY
CNRI/SCIENCE PHOTO LIBRARY
wikicommons:

Structure_of_Evolutionary_Biology.png: [Autor: Azcolvin429]

Darwins_first_tree.jpg [Autor:    Charles Darwin]

A vacuidade do Design Inteligente!

Aproveitando uma pergunta que respondi no Tumblr bioevolutiva no Pergunte ao Evolucionismo, posto aqui a resposta, com notas e comentários adicionais, a uma pergunta que de tempos em tempos aparece e que precisa ser respondida de modo direto e claro.

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Pergunta:

“Existem evidências do Design inteligente?”

Resposta:

A resposta curta é: Não!! Mas isso não é mais do que esperado devido a maneira com que se estrutura o movimento do Design Inteligente (DI) e o criacionismo de maneira mais geral, pois são movimentos de lobby social e político, de caráter puramente ideológico e que representam a perspectiva de certo segmentos religiosos mais conservadores. Sendo que seus adeptos não parecem possuir qualquer intenção de levar adiante o conhecimento científico ou mesmo empregar seus procedimentos e seu rigor às questões sobre origem do universo, da vida etc.

O movimento do Design Inteligente é, simplesmente, uma forma de criacionismo disfarçada que tenta afirmar-se como ciência e afastar-se (nem sempre de forma muito cuidadosa) das formas de criacionismo mais tradicionais como o da ‘terra-antiga’ e, especialmente, da ‘terra-jovem’, de modo a conseguir mais legitimidade frente as cortes dos EUA e comitês escolares. Por isso prefiro me referir a ele como Criacionismo do Design Inteligente (CDI). Este tipo de criacionismo funciona como um projeto guarda-chuva em que os argumentos criacionistas tradicionais (às vezes ipsis litteris) são requentados e colocados de uma forma em que não pareçam tão vinculados aos dogmas bíblicos dos seus proponentes que, de fato, são a real motivação por trás do movimento [1]. Isso é muito claro ao percebermos a continua tentativa de caracterizar a evolução como fruto do puro acaso, continuamente afirmando que existem somente duas possibilidades, que seriam: ‘Acaso’ e ‘Design’, o que, para dizer o mínimo, é uma ridícula simplificação das modernas teorias da biologia evolutiva, das ciências geológicas e da moderna cosmologia.

Esta visão, por exemplo, deixa completamente de lado o papel de processos como a seleção natural e auto-organização que são, em certo sentido, a antítese do acaso, bem como o fato do processo evolutivo ser contingente, ocorrer em múltiplas tentativas (e não necessariamente com uma ‘tentativa’ depois da outra) e não possuir alvos pré-especificados [veja por exemplo o artigo John Wilkins e o de Ian Musgrave sobre o papel do acaso na evolução e nos estudos sobre origem da vida.]

O DI não é uma teoria científica não só por que não é empiricamente testável, mas por que não têm qualquer conteúdo substantivo próprio que possa ser usado para criar um programa de pesquisa científico autônomo bem definido e empiricamente sustentável que nos dê respostas realmente úteis intelectualmente [2, 3, 4]. Basicamente, o CDI existe como uma série de [maus]argumentos que só fazem por negar (nisso aproximam-se muito de outras formas de negacionismo) a capacidade da moderna biologia evolutiva em explicar a origem de certos sistemas, órgãos e estruturas biológicos, sem, entrtanto,  apresentar qualquer alternativa mecanicística coerente ou, pelo menos, uma maneira direta de testar o papel do suposto Designer, tentando forçar uma dicotomia tola e falaciosa do tipo: “Se a Biologia Evolutiva não explica então só pode ser produto de um Designer”. Mas além desta linha de argumentação ser um non sequitur, os argumentos dos CDIstas não são nem minimamente efetivos em estabelecer que as lacunas em nosso conhecimento sejam de fato relevantes a questão, pois para construir estes pseudoargumentos os defensores do CDI dependem da distorção de informações científicas através da apresentação incorreta de fatos, modelos e teorias que é empregada a estratégica e dissimulada retirada do contexto original de citações de cientistas respeitados (a famosa ‘mineração de citações’ ou ‘quote mine‘), de maneira que pareçam que as lacunas em nosso conhecimento são muito maiores do que realmente são e que as polêmicas internas à biologia evolutiva dizem respeito a sua factualidade, quando isso não é nem de longe verdade.

Isso quando os defensores do CDI não simplesmente inventam problemas e lacunas em nosso conhecimento científico, o que fica patente quando afirmam que não se conhecem mecanismos capazes de aumentar a informação genética nos seres vivos, quando tal afirmação é completamente falsa [5, Sobre isso veja também “A origem de Nova informação genéticaparte I e parte II]. Assim como o hábito correlacionado de afirmar e reafirmar que mutações só destroem informação [para exemplos do contrário veja aqui, aqui e aqui], o que basicamente ignora o simples fato que, em geral (com exceção de mutações muito extensas ou que interferem com alguns sistemas biológicos fundamentais de modo drástico), é o contexto bioquímico, genômico, fisiológico e ecológico-demográfico, especialmente a aptidão dos demais indivíduos, que define se uma mutação é benéfica, maléfica, ou, como em muitos casos, neutra ou efetivamente neutra [I].

O CDI, como as outras formas de criacionismo, é completamente parasitária da literatura científica. Vivendo de criar conceitos pseudoprofundos (‘complexidade irredutível’ ou ‘complexidade especificada’) e termos e supostas métricas pseudomatemáticas (“profundidade ontogenética” e “lei da conservação da informação”), usando e abusando do jargão da Teoria da Informação, mas sem, entretanto, definir sua utilização dos termos dessa teoria a contento, além de tentar usá-los para refutar caricaturas pálidas das ideias propostas pelos cientistas que trabalham com evolução biológica e não os reais modelos, hipóteses e princípios propostos por eles defendido e que fazem parte da biologia evolutiva [Também vale a pena ser conferida a série de ensaios sobre o mesmo tema presentes no sites Talk Origin, de Musgave e Baldwin, e Phylointelligence.com]. E é bom sempre lembrar que os [pseudo]argumentos dos adeptos do CDI já foram sistematicamente refutados em várias ocasiões [2, 3, 4] [Veja também os artigos dos sites Talk Origin, Talk Reason, Talk Design e Phylointelligence].

Porém, aquela que talvez seja a maior falácia dos proponentes do CDI, em minha opinião, é o abuso da nossa familiaridade com artefatos realmente planejados, isto é que exibem um design proposital em sentido estrito, como forma retórica de tornar mais palatável a ideia de Design nos organismos vivos que, na realidade, como as pesquisas em biologia evolutiva revelam, são produtos de processos históricos naturais cegos (não pessoais e, portanto, não conscientes) – mas também não puramente aleatórios como querem os criacionistas – de evolução biológica.

A aparência de design (que a partir dela os criacionistas esperam poder inferir ‘um Designer’) [II], de acordo com a moderna biologia evolutiva, resulta da interação do acaso (mutação, deriva genética, recombinação etc), das leis físicas e químicas (e alguns poderiam acrescentar princípios epigenéticos e desenvolvimentais) com as diversas formas de seleção natural que são, apenas, o resultado das interações ecológico-demográficas entre os organismos que definem de maneira causal e sistemática suas taxas de nascimento e morte sua relação com os genótipo e fenótipos dos mesmos [III]. Este processo é o que mantém o ajuste fino obrigatório (pois, sem o qual ocorre morte os extinção) entre os organismos e seu meio-ambiente – que, aliás, é muito mais do que um pano de fundo passivo já que também é produto da atividade dos organismos vivos que coevoluem com ele – e que agindo cumulativamente pode produzir estruturas, sistemas e órgãos complexos e funcionais [IV].

Mas a simples verdade é que, enquanto, o design inteligente (com minúsculas) que estamos acostumados (especialmente o humano, mas também o de certos animais não-humanos) é completamente natural, e o que nos faz reconhecê-lo como ‘design’ é nossa experiência com os designers (animais humanos e não-humanos), seus métodos, suas necessidades, suas intenções, limitações e até motivações extras. Por isso, campos como a arqueologia e as ciências forenses, e até mesmo empreitadas como a SETI (veja este artigo de Seth Shostak, por exemplo) que usam pressupostos similares, bem como a etologia e a psicologia comparativa fazem todo o sentido como disciplinas sérias. Essas disciplinas não se baseiam em uma abstrata intuição de que o ‘design inteligente’ tem como marca um certo nível de complexidade – e que possa, desta maneira, ser calculado em termos probabilísticos – e que seu reconhecimento, assim, prescinda da familiaridade com os (e da investigação dos) métodos, intenções e limitações dos seus perpetradores [V].

Por isso tudo, de fato, não fazemos a menor ideia de como seria um Design Inteligente, no sentido de um projeto de origem ‘superhumana’, caso esta superioridade fosse muito grande, e muito menos como seria um Design de origem sobrenatural (como pretendem os adeptos do CDI ser o seu Designer de escolha por trás do Design), vindo, portanto, da mente não-física de um SER com recursos, conhecimentos e poderes ilimitados e motivações, métodos e intenções completamente fora de nossa capacidade de escrutínio. Isso é que torna o CDI uma simples forma de argumentar pela ignorância baseada na incredulidade pessoal de seus defensores, e não uma teoria científica que valha a pena ser levada a sério. O biólogo molecular Emile Zuckerkandl discute de maneira soberba algumas dessas questões e explica em maiores detalhes a futilidade do movimento do DI e sua total vacuidade intelectual.

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Literatura Recomendada:

  • Zuckerkandl E. Intelligent design and biological complexity. Gene. 2006 Dec 30;385:2-18. Epub 2006 Aug 5. Review. PubMed PMID: 17011142.

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Referências:

  1. Forrest, Barbara, and Paul R. Gross. Creationism’s Trojan Horse: The Wedge of Intelligent Design. Oxford: Oxford University Press, 2004.

  2. Pennock, RT Tower of Babel: The Evidence Against the New Creationism Cambridge, MA: The MIT Press – Bradford Books. 1999

  3. Pennock, R.T. God of the Gaps: The Argument from Ignorance and the Limits of Methodological Naturalism In Andrew Petto & Laurie Godfrey (editors) Scientists Confront Creationism: Intelligent Design and Beyond. W.W. Norton & Co. 2007, pp. 309-338.

  4. Sober, E. What Is Wrong with Intelligent Design? Quarterly Review of Biology, 2007, 82: 3-8.

  5. Chandrasekaran , C. & Betrán , E. (2008) Origins of new genes and pseudogenes. Nature Education 1(1)

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Nota I:Uma simples maneira de gerar nova informação genética é a duplicação gênica seguida de ‘subfuncionalização’ por mutações das duas cópias, que passam ambas a codependerem uma da outra na função que o gene original desempenhava sozinho aumentando a  complexidade da via em que o gene estava envolvido, ou da ‘neofuncionalização’ de uma das cópias que passa a divergir por efeito de mutações sendo então cooptada para outra função.Como já mencionei outras vezes processos como o crossing over desigual, as tentaivas de reparar erros de alinhamento cromossômicos e de recombinação e o deslise da enzima DNA polimerase, podem interagir com processos como o processamento alternativo incorreto, a retrotransposição de genes recém transcritos  gerando a duplicação e o embaralhamento de exons que são os dois processos principais pelos quais novos genes e proteínas emergiram durante a evolução.

Além do mais, existem exemplos mais simples e diretos do aumento ou ganho de informação ancorados na lógica, como é o caso de uma mutação reversa que se segue a mutação qualquer e que recupera a funcionalidade de um gene, por exemplo, pedida por causa da mutação original; ou com apoio experimental, como as chamadas mutações compensatórias que ocorrem em outras regiões da sequência do gene (ou mesmo em outros genes) que não a da primeira mutação e compensam a desvantagem original. Este problema como já aludido é muito ligado ao mito que as mutações são sempre danosas, quando de fato isso irá depender de onde essas mutações ocorrem, em quem ocorrem as mutações e em que circunstâncias elas ocorrem. É bem conhecido que mutações que ocorrem em regiões não-codificadoras e não regulatórias terão, muito provavelmente, pouquíssimo (ou mesmo nenhum) efeito sobre seus portadores e mesmo aquelas que recaiam em regiões dos genes que codificam proteínas, caso ocometam a terceira posição dos códons, provavelmente não terão impactos relevantes por não alterarem o resíduo codificado por aquela posição. E mesmo que mude o resíduo ainda assim é possível que o resíduo não tenha muita importância estrutural e funcional na proteína codificada pelo gene em questão ou o aminoácido substituído pode ser físico-quimicamente tão semelhante ao anterior em termos de carga/polaridade e volume que também não vá interferir com a função e estrutura proteica de maneira apreciável. Por fim, as próprias mutações compensatórias podem corrigir eventuais defeitos causados por mutações mais drásticas o que é mostrado pelo fato que muitas mutações que causam diminuição da aptidão em organismos de uma dada espécie são fixadas, ou seja, são o padrão em uma espécie próxima, mostrando a dependência do contexto das alterações no DNA.

Nota II: Dawkins usa o termo designóide para se referir as estruturas biológicas complexas com funções específicas que surgem ao longo da evolução pela operação da seleção natural cumulativa e que passam a impressão de terem sido planejadas, ou seja, frutos de design. Essa abordagem e o termo é bastante útil, principalmente, por que chama a atenção o processo de geração dessas estruturas, além de acentuar as marcas históricas e contingentes que são características do processo de origem dos designóides que destoam do que seria esperado de um criador divino que agisse diretamente sobre sua criação, mesmo tendo em vista a complexidade das estruturas em questão e o ajuste fino entre estas estruturas e suas funções.

Nota III:A seleção natural é muitas vezes apresentada como um agente volitivo, mas isso é apenas resultado de abuso e limitação de linguagem. O processo de seleção natural envolve apenas três princípios gerais que são elegantemente colocados por Richard Lewontin: 1) O princípio da variação: entre indivíduos de uma população que vem da constatação de que há variação na forma, fisiologia e comportamento dos mesmos; 2) O princípio da hereditariedade: filhos se parecem com seus pais mais do que se assemelham a indivíduos não aparentados; e 3) O princípio da reprodução diferencial que estipula que, em um determinado ambiente, algumas formas são mais propensas a sobreviver e produzir mais descendentes do que outras formas. Este último princípio talvez fosse melhor chamado de “princípio da seleção” que envolve a dependência da reprodução diferencial da posse, por parte de determinados indivíduos, de certas características herdáveis em um certo contexto ecológico-demográfico, ou seja, a aptidão desses indivíduos e causalmente correlacionada a certos fenótipos e aos seus genótipos subjacentes. Caso não haja essa vinculação não há seleção e sim deriva aleatória já que as chances de nascimento e óbito flutuam ao acaso de acordo com uma infinidade de circunstância e processos independentes, portanto, a reprodução dferencial não seria resultado de seleção. Por isso são as interações ecológicas que constituem-se no fator seletivo per se e por isso existe uma grande dependência do contexto, já que a seleção pode variar em função de uma série de parâmetros associados a estas interações e dos detalhes dos sistemas de reprodução, acasalamento e estruturação da população, bem como da oferta de variabilidade e das restrições impostas pela física e  química, pelo histórico evolutivo pregresso e da forma como organizam-se os organismos de modo geral. Aqui, é importante ressaltar que muitos biólogos definem a selecção natural como a reprodução diferencial de variantes hereditárias associadas a posse de determinadas características fenotípicas causadas pelas variações em questão, como eu mesmo em geral prefiro fazer, mas em algumas situações, como fazem muitos outros biólogos, pode ser útil seguir a tradição da genética quantitativa e distinguir nitidamente entre o processo ecológico de seleção e a resposta evolutiva à seleção, mas isso é apenas uma forma de particionar os diversos ingredientes do processo de evolução por seleção natural.

  • Griffiths AJF, Miller JH, Suzuki DT, et al. An Introduction to Genetic Analysis. 7th edition. New York: W. H. Freeman; 2000.

Neste segundo caso, a seleção natural pode ser defina, de acordo com Robert Brandon, como “reprodução diferencial devida à aptidão diferencial (ou adaptabilidade diferencial) dentro de um ambiente comum seletivo”, onde, entretanto, é necessário distinguir entre a aptidão esperada (a adaptabilidade diferencial, resultante da posse de uma característica fenotípica em particular) da aptidão de fato que pode ser medida por alguma estimativa quantitativa do sucesso reprodutivo dos indivíduos com cada característica na população. Caso a reprodução diferencial, entretanto, não possua esta vinculação causal com a posse de uma característica em particular responsável pela adaptabilidade diferencial, então, ela não foi devida a seleção natural e, provavelmente, se deu pelo efeito do acaso, como no caso da deriva genética, ou por outro processo como os cruzamentos não-aleatórios ou algo assim que também não é a seleção natural. Nesta caso a variabilidade hereditária entraria apenas quando se considerasse as próximas gerações e o efeito dos eventos de seleção na composição genética da população. De toda a forma, não há qualquer agente intelectual que se encarrega da seleção natural, sendo ela um fenômeno completamente natural cego mai sque condiciona o sucesso reprodutivo a posse de certas características fenotípicas particulares em certos ambientes.

  • Brandon, Robert, “Natural Selection“, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2010 Edition), Edward N. Zalta (ed.)

Nota IV: De fato, não deveríamos estranhar tanto esse ajuste fino entre os seres vivos e seu meio já que tanto uns quando o outros são produtos de um processo de coevolução. Richard Lewontin, por exemplo, tem defendido que “construção”seria uma melhor metáfora do que ‘seleção’ para os processos de evolução adaptativa em que fica evidente o caráter coevolutivo e dependência de mecanismos como a seleção dependente de frequência, restrições biológicas e filéticas, além do acaso e da contingência histórica. Outros autores, na realidade, vão mais além e chamam a atenção para que a aparência de Design nos seres vivos ser algo muito mais presumido do que realmente demonstrado, e na realidade existem incríveis exemplos de que os organismos vivos parecem mais gambiarras que funcionam só suficientemente bem do que belos projetos de engenharia [Isso nos leva a nota V]. Este ajuste fino portanto não seria a regra e além disso existiriam várias maneiras de se fazer algo e portanto vários modos de vida alternativos e os atualmente existentes seriam apenas os que sobraram ou calharam de aparecer de muitos outros possíveis.

Nota V: A analogia do Design é muito mais insatisfatória, pois, de fato, o design humano é muito mais contingente e limitado do que os adeptos do DI querem fazer perecer dependendo da experiência pregressa da tentativa e erro e do conhecimento teórico compartilhado e da disponibilidade de materiais e tempo, o que o torna completamente inadequado para modelar-se um Designer super-ultra-mega-avançado e muito menos um de origem sobrenatural. No que diz respeito da nossa experiência de senso comum e científica com os designer e seus designer, o CDI também não faz muito sentido. Atualmente métodos como a computação evolutiva e a evolução dirigida capitalizam em cima da seleção natural como forma de acelerar o desenvolvimento de softwares e proteínas aplicáveis em biotecnologia, mostrando mais uma vez como é sem sentido a estratégia de argumentação dos proponentes do CDI.

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Mais referências:

  • Pennock, Robert T. (2010) The Postmodern Sin of Intelligent Design Creationism. Science & Education. 2010, Vol. 19, No. 6-8, pp. 757-778.
  • Pennock, Robert T. (2003) Creationism and Intelligent Design Annual Review of Genomics and Human Genetics. Sept. 2003 Vol. 4: 143-163

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Rainhas, besouros e fungos ‘degenerados’

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Ainda no século XIX, ao escrever seu “Alice no país das maravilhas” (1871) e o menos conhecido “Através do espelho” (1872), Lewis Carroll nem poderia fazer ideia que um de seus personagens emprestaria seu nome a uma hipótese bem conhecida na biologia evolutiva moderna, disciplina que ainda encontrava-se em sua mais tenra infância quando o lógico Charles Lutwidge Dodgson (nome verdadeiro de Carroll) escreveu suas obras.


A Rainha Vermelha (que não é a Rainha de Copas de “Alice no país das maravilhas”, por sinal), de “Através do espelho”, empresta seu nome a dois modelos diferentes, mas relacionados, envolvendo a coevolução, inicialmente propostos pelo biólogo evolutivo Leigh Van Valen. O primeiro deles, veio da observação de que as taxas de extinção de vários grupos de invertebrados eram mais ou menos constantes ao longo do tempo, ou seja, não importava a idade da linhagem, já que parecia que sempre ela tinha a mesma possibilidade de se extinguir como se estivesse se originado há muito pouco tempo. Para Van Valen interações que ocorressem entre duas linhagens em coevolução poderiam criar uma situação instável em que, por exemplo, a adaptação de um dos membros do par poderia causar a extinção da outra espécie em interação, desta maneira tornando as probabilidades de tais alterações, razoavelmente independentes da idade das espécies, como ilustrado na figura 2. Seria, mais ou menos, como mirar em um alvo em constante movimento e que atirasse de volta em você.

Além deste modelo, entretanto, existe outro fenômeno coevolutivo mais local que também recebe o mesmo nome, mas, desta vez, este envolve relações entre sistemas em coevolução como parasita-hospedeiro e sua relação com a evolução da reprodução sexuada, produzindo uma dinâmica oscilante antagonistica que também é capturada pelo dito da Rainha Vermelha, como veremos a seguir e como é ilustrado pela simulação abaixo, da figura 1, mas que não têm relação direta com a problemática da da probabilidade de extinção.

Por incrível que pareça ainda não temos uma explicação robusta para a reprodução sexuada, sendo esta ainda uma questão em aberto na biologia evolutiva. Entender a evolução e a manutenção, ao longo do tempo, da reprodução sexuada e da recombinação meiótica é uma tarefa complicada, pois estes processos decompõe genótipos bem sucedidos, o que trás custos reprodutivos óbvios já que apenas metade do material genético de cada individuo estará presente em cada prole, mas mesmo assim a recombinação é muito comum e filogeneticamente generalizada, deve ter evoluído em condições muito específicas em um determinado regime de seleção.

Atualmente, a ideia com maior aceitação entre os biólogos evolutivos para explicar, pelo menos, a manutenção da reprodução sexuada, é a Hipótese da Rainha Vermelha que prediz uma vantagem para os hospedeiros capazes de recombinação que estão coevoluindo com seus parasitas. Além de evidências angariadas em populações naturais que são consistentes com este modelo, mas recentemente estudos com coevolução experimental vêm também reforçando esta hipótese. Desta vez pesquisadores da escócia, Alemanha e Suíça testaram algumas previsões da hipótese da Rainha vermelha por meio da coevolução experimental de besouros vermelhos da farinha, Tribolium castaneum, e seu parasita microsporídio, Nosema whitei. O time multinacional de cientistas relataram seus achados no periódico BMC Evolutionary Biology mês passado.

A Hipótese da Rainha Vermelha assume que hospedeiros e parasitas estão em um contínuo e oscilante processo coevolutivo antagônico, durante o qual a população de parasitas adapta-se continuamente aos genótipos mais comuns da população hospedeira, o que cria automaticamente uma vantagem aos genótipos raros do hospedeiro que passam a desfrutar de um favorecimento seletivo, aumentando, assim, em frequência e, por fim, tornando-se mais comuns. Mas como a população de parasitas continua adaptando-se aos genótipos mais comuns, mas que eram anteriormente raros, o ciclo se repete dando origem a esta dinâmica oscilatória que é capturado pelo conselho da personagem da Rainha Vermelha de Lewis Carroll à Alice: “É preciso correr tudo o que vc puder, para manter-se no mesmo lugar.”. O mesmo conselho básico como já aludido vale também para outras formas de interações coevolutivas como as corridas armamentistas coevolutivas entre predadores e presas e pode ser genericamente colocado da seguinte forma:


“Para um sistema evolutivo, é necessário o desenvolvimento contínuo apenas para manter sua aptidão em relação aos sistemas, com os quais co-evolui.”. [veja aqui].

Como discutido em outro elegante estudo, descrito aqui no evolucionismo envolvendo alelos do sistema MHC no artigo “Por que genes imunitários que nos prejudicam persistem?“, de acordo com a hipótese da rainha vermelha, os genótipos de resistência mais raros devem ter sempre uma vantagem seletiva, quando sob seleção negativa dependente da frequência, o que fará com que os genótipos da população de hospedeiros oscilem ao longo do tempo, fazendo também como que a população mantenha sua diversidade genética. Em organismos sexuados, genótipos raros são continuamente criados por recombinação meiótica, quer através de cruzamentos ou da segregação cromossômica. Como explicam os autores do estudo do BMC Evo Biol, “por que os tipos recombinantes raros possuem uma vantagem seletiva, a recombinação deve conduzir a um aumento na aptidão média da descendência dos hospedeiros”, assim, acabando por “favorecer a propagação de um modificador (ligado) da recombinação na população”. Na realidade, as coisas parecem ser um pouco mais complicadas, como mostram as análises teóricas. Todavia, a expectativa essencial da Hipótese da Rainha Vermelha de que a recombinação deva ser seletivamente favorecida durante a coevolução antagonística entre hospedeiro e parasita não é alterada, mesmo por estas complicações adicionais.

Além dos resultados de modelos matemático apoiarem, de maneira geral, esta hipótese (apesar de duvidas sobre as condições em que ela deveria ocorrer persistirem), vários estudos empíricos têm testado alguns dos principais pressupostos e previsões da Rainha Vermelha tanto por experimentação como por observações de populações naturais para avaliar se estas são compatíveis com a hipótese. Contudo, a evolução e a manutenção da taxa de recombinação é raramente investigada de maneira direta, com os testes voltados para determinar, por exemplo, em que circunstâncias reprodução sexual é favorecida sobre a reprodução assexuada, sem que se avalie como o parasitismo pode alterar a taxa de recombinação em uma população de hospedeiros que se reproduz sexuadamente, ainda que vários estudos indiquem uma associação do parasitismo com variação genotípica dentro de uma população de organismos hospedeiros.

Apenas um estudo que traz evidências experimentais diretas em favor de uma mudança na taxa de recombinação compatível com a Hipótese da Rainha Vermelha em espécies de com cruzamento não-consanguíneos (exogâmicos) obrigatórios. Esse trabalho foi conduzido por um dos autores do atual artigo, usando também a espécie de besouro castanho Tribolium castaneum (um Tenebrionideo) como hospedeiro e Nosema whitei como parasita, mas, infelizmente, não foi confirmado por um estudo posterior de acompanhamento, ainda que verificações post-hoc sugerirem que a variação genética existente nos hospedeiros provavelmente era demasiado pequena para sustentar uma resposta adaptativa.

Os experimentos foram executados a partir de oito linhagens de besouros, cada uma resultante da combinação única de duas populações estoque distintas, em um total sete populações estoque usadas ao todo. Isso foi feito a partir do cruzamento de cinquenta fêmeas virgens de uma das linhagens estoque com cinquenta machos virgens de outra linhagem estoque, com os cruzamentos recíprocos, sendo feitos com números iguais.

A prole resultante foi reunida para servir como a geração inicial da linhagem experimental, sendo que cada linhagem de besouros foi dividida em dois grupos, correspondentes aos que seriam infectados, portanto que coevoluiriam com o parasita, e os que não seriam infectados, utilizados como grupo controle, com todas as oito linhagem sendo representadas em ambos grupos. As análises foram feitas de forma pareada a partir de comparações entre os grupos controle e que coevoluíam, sempre oriundos da mesma linhagem original, consequentemente, cada dado par tinha o mesmo background genético. Os indivíduos dos grupos em coevolução foram submetidos à seleção pelo parasita N. Whitei, um microsporídio [1] transmitido de forma direta e, até onde, sabemos, que se reproduz assexuadamente, enquanto as mesmas linhagens correspondentes aos grupos controle foram sempre tratadas de maneira idêntica, exceto ao fato de serem mantidas em um meio livre de parasitas.

Para a infecção inicial foi utilizada uma mistura de oito diferentes isolados N. Whitei, de modo a assegurar variação suficiente genética na população parasita, cujos esporos foram misturada no meio padrão, em uma concentração de 2 x 10 4 esporos por grama de meio, da primeira geração de besouros dos grupos que seriam submetidos a coevolução. Então, a cada geração 500 besouros não-sexados da geração anterior eram utilizados como reprodutores para iniciar a geração seguinte de hospedeiros, assim como, a cada geração, as larvas mortas abrigando os esporos de N. whitei eram coletadas e utilizadas na criação de um pó de N. Whitei – através da sua moagem e peneiração, feito para cada linhagem experimental separadamente – que rra utilizado para infectar a próxima geração de cada linhagem de besouro nos grupos em coevolução. Isso permitia que cada linhagem fosse infectada com a sua própria combinação única de esporos de N. whitei derivados de larvas de besouros mortos da geração anterior. Assim, ao selecionar parasitas que foram capazes de infectar e matar seus hospedeiros, e hospedeiros que foram capazes de sobreviver à geração anterior, certificava-se que ambos os parceiros que estavam em coevolução estavam exercendo pressões seletivas antagônicas uns sobre os outros.

A frequência de recombinação dos besouros foi da seguinte maneira: Dez machos de cada linhagem de ambos os grupos foram coletados ainda na fase de pupa e, após emergirem dessas pupas e se tornarem reprodutivamente maduros, foram cruzados com fêmeas virgens provenientes de uma estirpe marcadora independente (cepa LG1). Seis (das oito) linhagens experimentais foram escolhidas com base no sucesso desses cruzamentos, e oito machos por linhagem – dos dez que foram cruzados com as fêmeas LG1 – foram selecionados tanto dos grupos controle como dos em coevolução. Estes besouros, por sua vez, foram avaliados para heterozigosidade de 11 microsatélites [2] usados como marcadores moleculares, distribuídos ao longo de quatro grupos de ligação, como pode ser observado na tabela I.

Com base na medida direta da recombinação nos indivíduos sob seleção por parasitas e em insights obtidos da análise das alterações genotípicas e fenotípicas que ocorreram durante o experimento de coevolução, os pesquisadores puderam reconstruir a dinâmica coevolutiva associada a esse aumento na frequência de recombinação após 11 gerações. Estes resultados, portanto, fornece evidência  experimental direta para um aumento na frequência de recombinação sob coevolução hospedeiro-parasita em uma espécie de cruzamento exogâmicos obrigatórios. Embora explicações alternativas possam ser elencadas, em função de experimentos anteriores desenvolvidos pelos próprios pesquisadores, dos cuidados tomados neste estudo – e dos resultados de experimentos e estudos de outros grupos -, estas outras hipóteses, na realidade, não parecem explicar tão bem os dados, tornando a hipótese de coevolução por seleção antagonística entre parasita e hospedeiro a mais bem amparada pelas evidências, ainda que outros fatores possam também contribuir com o processo de aumento da frequência de recombinação.

Entre os pontos fundamentais que apoiam esta conclusão estão o fato das linhagens que coevoluiriam terem mantdo maior diversidade genética do que as linhagens utilizadas como controles, além de não ter sido detectada qualquer evidência de alguma vantagem dos heterozigotos ou de uma resposta plástica da recombinação à infecção. Esses resultados somam-se a resultados de estudos anteriores reforçando a hipótese da Rainha Vermelha como a melhor explicação para estas e outras observações.

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Nota [1] Os Microsporídios são eucariontes microbianos que não possuem mitocôndrias formados exclusivamente por de parasitas intracelulares obrigatórios de outros eucariontes, com uma de suas principais carcaterísticas o modo único de infecção, em que entra no seu hospedeiro através de um tubo projéctil que é expelido em alta velocidade. Sendo conhecidos por infectarem uma diversa coelção de organismos que vão de protistas aos vertebrados, incluindo seres humanos, passando por vários invertebrados. A simplicidade aparente desses eucariontes tanto em termos de organelas como em termos genômicos, os fizeram serem colocados durante muito tempo entre os protistas, considerados por tanto uma forma primitiva de eucariontes unicellares. Contudo, agora sabemos, que este não é o caso. Ao invés disso, análises filogenéticas moleculares fizeram os sistematas reconhecerem que estes organismos não são “primitivos”, mas sim um grupo de fungos altamente derivados que sofreram redução seletiva substancial em todos os níveis de sua biologia. Porém, a natureza deste processo de derivação ainda é debatidas já que é muito difícil de se determinar se este grupo é derivado de uma linhagem específica de fungos ou se o termo microsporidia na verdade abrigaria vários fungos diferentes que teriam perdido, mas de forma independente, várias de suas características ancestrais ao adotarem o modo de vida parasitário intracelular obrigatório, sendo produtos de convergência. Estudos mais modernos apotam, contudo, para a possibilidade que os microsporídios sejam sim são fungos descendentes de um ancestral zygomycete sexuado.

Literatura Recomendada:

  • Mathis A. Microsporidia: emerging advances in understanding the basic biology of these unique organisms. Int J Parasitol. 2000 Jun;30(7):795-804. Review. PubMed PMID: 10899524.
  • Bigliardi E, Sacchi L. Cell biology and invasion of the microsporidia. Microbes Infect. 2001 Apr;3(5):373-9. Review. PubMed PMID: 11369274.
  • Corradi N, Slamovits CH. The intriguing nature of microsporidian genomes. Brief Funct Genomics. 2011 May;10(3):115-24. doi: 10.1093/bfgp/elq032. Epub 2010 Dec 21. Review. PubMed PMID: 21177329.
  • Lee SC, Corradi N, Byrnes EJ 3rd, Torres-Martinez S, Dietrich FS, Keeling PJ, Heitman J. Microsporidia evolved from ancestral sexual fungi. Curr Biol. 2008 Nov 11;18(21):1675-9. Epub 2008 Oct 30. PubMed PMID: 18976912; PubMed Central PMCID: PMC2654606.

Nota[2] Microsatélites são sequências curtas polimórficas, isto é que podem variar entre indivíduos e linhagens de uma dada espécie – que se repetem em tandem, com cada núcleo de repetição sendo formado por poucas bases, cerca de 2 a 9 – e que, por isso, podem ser utilizadas como marcadores genéticos para diferenciar sublinhagens e indivíduos diferentes. São utilizados de maneira análoga aos marcadores genéticos tradicionais que eram geralmente alelos de um dado locus ou padrões de marcação (bandas) cromossômica herdáveis empregados como sondas no rastreamento de indivíduos e seus genótipos, com a vantagem que como a maioria dos marcadores moleculares atuais não são alelos/genes podem ter sua dinâmica de segregação e evolução melhor modelada por abordagens estocásticas, especialmente quando seu impacto sobre a aptidão é neutro.

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Referências:

  • Kerstes, N., Bérénos, C., Schmid-Hempel, P., & Wegner, K. (2012). Antagonistic experimental coevolution with a parasite increases host recombination frequency BMC Evolutionary Biology, 12 (1) DOI: 10.1186/1471-2148-12-18 [link]

Literatura Recomendada:

Créditos das figuras: