Naidel A. M. dos S. Caturello

Ecossistemas, Casualidade e Evolucionismo: Ruído 1/f e Equilíbrio Pontuado

O texto anterior “Caos, Complexidade e Evolução: Mais uma Ponte entre Termodinâmica e Evolucionismo“, tratou dos princípios do caráter estocástico de ecossistemas. O Ruído 1/f é um processo aleatório não-estacionário apropriado para a modelagem de sistemas evolutivos ou de desenvolvimento (Keshner, 1982). Este ruído combina a forte influência de eventos passados no futuro, então um comportamento de certa forma previsível, com a influência de eventos aleatórios. As funções de auto-correlação não-estacionárias do ruído 1/f foram desenvolvidas de forma a provar que seu comportamento presente é igualmente afetado por eventos tanto de um passado distante quanto de um passado próximo.

 

O ruído 1/f é um processo estocástico (Papoulis, 1965) definido em termos do formato de sua intensidade de densidade espectral, representada por S(f). Esta densidade está relacionada com o quadrado de alguma variável associada a algum processo aleatório, e em grossos termos, proporcional à freqüência recíproca. Em mecanismos físicos foi desenvolvido por Bernamont, em 1937 e McWorther, em 1955 (Keshner, 1982), o ruído 1/f foi observado em flutuações em correntes de diodos, resistência de filmes metálicos finos, freqüência de osciladores de cristais de quartzo (Hooge, 1976). E também em dados econômicos, a taxa de retenção de insulina por diabéticos (Mandelbrot, et al., 1969).

 

O ruído 1/f é um processo evolutivo aleatório, cujo comportamento atual é fortemente influenciado pelo passado. Além do mais, sua memória é dinâmica (Keshner, 1982). Esta função foi testada em sistemas informacionais, que acumulam informação. Com o passar do tempo, estes sistemas apresentam aumento geral em complexidade e estrutura (como no caso de MOSFETs). A evolução biológica (tal como desenvolvimento social) é um bom exemplo de sistemas cujas flutuações são explicadas pelo ruído 1/f. O ruído 1/f também se aplica como flutuação nos altos e baixos de uma sinfonia (Voss e Clarke, 1978) em função do tempo. Obviamente, uma obra sinfônica não é aleatoriamente estruturada, porém, assim como em sistemas biológicos é influenciada por eventos do passado, e de alguma forma mostra padrões previsíveis, porém pode apresentar algumas surpresas. Em poucas palavras, o ruído 1/f é um processo estocástico com uma grande memória, isso o diferencia de outros ruídos, como, por exemplo, o ruído branco.

 

Assumindo uma interação entre dois corpos apenas, o sistema pode ser modelado como sendo linear, e existe outra propriedade especial do ruído 1/f neste aspecto: segundo Keshner (1982:216), em um sistema cuja historia passada é representada pelos valores presentes de suas variáveis de estado, a quantidade de números que devem ser utilizados para descrever a influência do passado no presente no ruído 1/f é de centenas, enquanto que no ruído branco este número é zero (o sistema não tem memória temporal), e no movimento browniano este número é um. A característica mais marcante e exuberante deste ruído é seu caráter holístico, uma vez que foi observado em numerosos sistemas.

 

A diversidade em ecossistemas é influenciada por pequenas mudanças do dia-a-dia (Halley, 1996). Eventos ditos raros, tais como grandes tempestades de areia no deserto podem ser descritos utilizando o ruído 1/f, porque têm efeito prolongado em um ecossistema. Neste ponto, já é possível perceber que a afirmação de Keshner de que “O Ruído 1/f é um processo aleatório não-estacionário apropriado para a modelagem de sistemas evolutivos ou de desenvolvimento” é muito bem acertada. O ruído 1/f diferencia-se de outros modelos estocásticos por admitir correlação temporal com eventos passados, ou seja, valores de sinais aleatórios não são independentes uns dos outros. Como na natureza, eventos atuais são motivados por uma grande variedade de eventos passados, então este modelo é o que chega mais perto de explicar como uma teoria flutuações observadas em ecossistemas.

 

Ao contrário de processos auto-regressivos, cuja correlação entre flutuações é uma queda mais rápida, o ruído 1/f tem queda de valor menos acentuada, e pode ser utilizado em séries ecológicas de tempo, extinções e modelos de evolução. Este texto tem como objetivo discutir o último assunto, focando seu interesse particularmente no modelo de equilíbrio pontuado. Para tanto, é necessário uma definição sob o ponto de vista analítico desta teoria proposta pelo paleontólogo e biólogo evolucionista americano Stephen Jay Gould (1941 – 2002) e o também americano, paleontólogo Niles Eldredge (1943 -).

O gradualismo filético, teoria baseada no uniformitarismo, afirma o seguinte (Ridley, 2006): (i) a evolução tem uma taxa constante; (ii) novas espécies surgem da transformação gradual de espécies ancestrais; (iii) a taxa de evolução durante a origem da nova espécie é bem parecido com a de outrora. Como alternativa para esta teoria surge o Equilíbrio Pontuado (Eldregde; Gould, 1972), que é uma extensão do trabalho de 1954 de Ernst Mayr (1904 – 2005) sobre especiação: “Change of Genetic Enviroment and Evolution”. Neste trabalho, quando o autor trata da estrutura das espécies diz que existem dois tipos evidentes de variação geográfica: a variação ecotípica e a variação “tipostrófica” (termo utilizado pelo paleontólogo Schindewolf para denotar o surgimento de um novo tipo de espécie). Este trabalho também popularizou a teoria da especiação alopátrica. O erro mais comum no entendimento desta teoria é a idéia de que na teoria de Gould e Eldredge os seres vivos evoluem em um piscar de olhos, o que não é consistente com os fundamentos do equilíbrio pontuado.

 

O objetivo deste texto não é o foco no registro fóssil que motivou o surgimento da teoria do equilíbrio pontuado, e sim as bases analíticas e ferramentas matemáticas que foram desenvolvidas para o entendimento e validação dela. Existem seis teorias que tratam de sistemas que evoluem em longos períodos de estabilidade intermediados por períodos compactos e pontuados de mudanças metamórficas qualitativas (Gersick, 1991), que são: (i) indivíduos, de Levinson (1978); (ii) grupos, de Gersick (1988); (iii) organizações, de Trushman & Romanelli (1985); (iv) campos científicos, de Kuhn (1970); (v) espécies biológicas, de Gould (1980); (vi) grande teoria, de Prigogine e Stengers (1984). Seguindo do artigo de Gersick, o que se pode extrair de (v) são suas características principais e no que ela se diferencia das contrapartes tradicionais (Gersick, 1991:12 – 14).

 

O equilíbrio pontuado tem como principais características as premissas de que linhagens têm poucas mudanças durante sua historia, com eventos rápidos que pontuam estes longos tempos de estabilidade. O longo tempo de estabilidade é chamado de equilíbrio e os curtos tempos de mudança, revoluções. Também neste modelo, a evolução é o diferencial de sobrevivência e o desdobramento destas pontuações. A teoria de Gould e Eldregde diferencia-se dos contrapontos tradicionais (nominalmente o gradualismo filético) no fato que a evolução não é um desdobramento digno [no qual] espécies novas surgem da transformação lenta e constante de populações inteiras, e sim uma historia de equilíbrios homeostáticos atrapalhados apenas “raramente” por eventos rápidos de evolução.

 

De acordo com o que foi dito acima, Gould e Elredge (1977:19) “nunca disseram que o gradualismo não poderia ocorrer em teoria ou que nunca ocorrera de fato. A natureza é muito complexa e variada para este tipo de absolutismo.” Outro pensamento com esta linha de raciocínio é de que “mudanças morfológicas como maneira de compensar mudanças ambientais são permitidas pela plasticidade comportamental dos indivíduos do grupo” (Wake et al., 1983).

É interessante também analisar a viabilidade termodinâmica desta teoria, uma vez que como uma teoria física, deve necessariamente respeitar as Leis Termodinâmicas. É recorrente que os ecossistemas sejam estudados pela termodinâmica de não-equilíbrio. Os indivíduos em um ecossistema são vistos como funis energéticos, ou seja, são unidades de produção e troca de entropia em um sistema termodinâmico aberto. Os ecossistemas evoluem até um estado estacionário globalmente estável.

 

Da análise clássica de ecossistemas, feita com as equações de Lotka-Volterra, conclui-se que a probabilidade de que uma população construída de maneira estocástica ser estável decresce rapidamente com o tamanho do ecossistema, tornando-se praticamente zero em um ecossistema com apenas dez espécies que interagem fortemente (Michaelian, 2005:326). E isto leva ao paradoxo estabilidade-complexidade. Entenda-se por complexidade o número de espécies participantes e a conectância do ecossistema. Este paradoxo foi resolvido de maneira encorajadora pela termodinâmica de não-equilíbrio por K. Michaelian (2005) que utilizou o framework da teoria clássica da termodinâmica irreversível. Neste artigo também, foi argumentado que a pontuação da estase levando à sucessão pode ser uma manifestação de “transições de fase” de não-equilíbrio trazidas por uma mudança das condições externas através de um ponto termodinâmico crítico. Também neste artigo, fica proposto que a evolução da estabilidade do sistema por seleção natural é resultado de diretivas termodinâmicas de não-equilíbrio. Este artigo mostra, portanto que o equilíbrio pontuado é viável em termos termodinâmicos.

 

Antes de prosseguir com o assunto, é necessário para ligar o equilíbrio pontuado e o ruído 1/f que seja apresentado o conceito introduzido em 1987 por Bak, Tang e Wiesenfeld de “criticalidade auto-organizada”, (cuja sigla em inglês é SOC, de “self-organized criticality”). Sistemas estendidos em não-equilíbrio podem se organizar em um estado crítico de escala invariante de maneira espontânea. Este estado crítico é caracterizado pela distribuição de lei de potências de tamanhos de avalanches, que é tida como a “assinatura” do SOC (Lin; Chen, 2005), o que significa, em outras palavras, que o ruído 1/f é tido como a assinatura do SOC. De maneira simples, o SOC é uma propriedade sistemas dinâmicos que têm um ponto crítico como um atrator, ou seja, cada estado possível está sendo representado como um ponto do espaço fásico de Gibbs, e neste caso, o que se representa são os tamanhos de populações sem que o tempo seja explicitamente representado, indicando que esta propriedade aplica-se a sistemas fortemente não-lineares. Esta definição implica no entendimento de sistemas deste tipo como operantes no limite entre ordem e caos, desta forma, existem longos períodos de estabilidade auto-organizados permeados por momentos diminutos de caos.

A ligação conceitual entre ruído 1/f e equilíbrios pontuados faz-se através do SOC. Isto acontece porque sistemas com características de auto-organização crítica são suscetíveis a qualquer fator externo, tais como ruídos. É importante ressaltar, porém que o SOC não é a única maneira de pontuar mudanças evolutivas, a saber, tal coisa pode ser feita utilizando-se para tal o modelo de Wright padrão combinando corrente aleatória e seleção natural (Halley, 1996).

 

 

A emergência da ordem a partir do caos já foi discutida, e este é um interessante exemplo de como interações estocásticas podem levar um sistema ao equilíbrio de estase, e que este estado pode ser quebrado para mudanças necessárias ao sabor de mudanças de condições do sistema, constituindo-se assim em um poderoso mecanismo de sobrevivência descrito qualitativamente por Darwin, que pode ser entendida como uma base sólida vista como [[teoria e fato]]. Em um modelo onde a microevolução aparece desacoplada da macroevolução todos os tamanhos de extinção, incluindo extinções em massa, podem ocorrer como conseqüência da dinâmica biológica interna, não precisando explicitamente de mecanismos de iniciação (Bak et al., 1995). A explicação de usar um modelo assim se faz para que micro e macroevolução sejam tratadas de forma mais independente, dividindo o problema, tornando-o assim mais fácil de ser trabalhado.

De maneira mais explícita, no trabalho de Bak, Tang e Wiesenfeld de 1987 existe a demonstração de que sistemas dinâmicos com graus de liberdade espaciais evoluem naturalmente a um ponto crítico auto-organizado, e o ruído 1/f pode ser identificado com a dinâmica do estado crítico. Este quadro também traz um vislumbre sobre a origem de objetos fractais. Sem dúvida, o caráter complexo com o qual a teoria lida se desdobra em muitos campos como, por exemplo: biológico, econômico, da física de materiais, cinética química…

Seria inadmissível que alguma teoria fosse proposta sem evidências. Para suportar a teoria, podemos citar o padrão intermitente observado na morfologia da espécie Pseudocubus vema (Per Bak et al., 1985); a evolução observada Globorotalia pliozea (Wei; Kennett, 1988), dentre outros. A maior conquista da teoria do equilíbrio pontuado foi conciliar o registro fóssil disponível e a teoria da evolução, desta forma servindo como uma robusta ponte entre estes conceitos, de forma a mais uma vez validar as célebres idéias de Charles Darwin. Obviamente, como já dito no texto não é possível que a evolução se processe por apenas um mecanismo, porém a evolução biológica como um todo não pode ser invalidada em nenhum nível, a complexão do evolucionismo mostra que ele é uma das mais perfeitas teorias descobertas pelo Homem, pois nela observa-se o mais perfeito respeito às leis físicas gerais do Universo. É muito interessante também a quantidade de nível teórico que esta teoria suporta o que pode levar em um panorama distante à teoria unificada entre física e biologia, fato já discutido por Richard Dawkins e Steven Weinberg.

 

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Referências

 

 

 

 

 

Halley, J. (1996). Ecology, evolution and ?-noise Trends in Ecology & Evolution, 11 (1), 33-37 DOI: 10.1016/0169-5347(96)81067-6
Keshner, M. (1982). 1/f noise Proceedings of the IEEE, 70 (3), 212-218 DOI: 10.1109/PROC.1982.12282

Mandelbrot, B., & Wallis, J. (1969). Some long-run properties of geophysical records Water Resources Research, 5 (2) DOI: 10.1029/WR005i002p00321

Marinari, E., Parisi, G., Ruelle, D., & Windey, P. (1983). On the interpretation of 1/f noise Communications in Mathematical Physics, 89 (1), 1-12 DOI: 10.1007/BF01219521

MICHAELIAN, K. (2005). Thermodynamic stability of ecosystems Journal of Theoretical Biology, 237 (3), 323-335 DOI: 10.1016/j.jtbi.2005.04.019

Rikvold, P., & Zia, R. (2003). Punctuated equilibria and 1/f noise in a biological coevolution model with individual-based dynamics Physical Review E, 68 (3) DOI: 10.1103/PhysRevE.68.031913

Lin, M., & Chen, T. (2005). Self-organized criticality in a simple model of neurons based on small-world networks Physical Review E, 71 (1) DOI: 10.1103/PhysRevE.71.016133

Sole, R., Alonso, D., & McKane, A. (2002). Self-organized instability in complex ecosystems Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 357 (1421), 667-681 DOI: 10.1098/rstb.2001.0992

Mandelbrot, B., & Wallis, J. (1969). Robustness of the rescaled range R/S in the measurement of noncyclic long run statistical dependence Water Resources Research, 5 (5) DOI: 10.1029/WR005i005p00967

Bak, P., Tang, C., & Wiesenfeld, K. (1987). Self-organized criticality: An explanation of the 1/f noise Physical Review Letters, 59 (4), 381-384 DOI: 10.1103/PhysRevLett.59.381

Voss, R. (1978). ’’1/f noise’’ in music: Music from 1/f noise The Journal of the Acoustical Society of America, 63 (1) DOI: 10.1121/1.381721

Romanelli, E., & Tushman, M. (1994). Organizational Transformation as Punctuated Equilibrium: An Empirical Test The Academy of Management Journal, 37 (5) DOI: 10.2307/256669

Gersick, C. (1991). Revolutionary Change Theories: A Multilevel Exploration of the Punctuated Equilibrium Paradigm The Academy of Management Review, 16 (1) DOI: 10.2307/258605

WAKE, D., ROTH, G., & WAKE, M. (1983). On the problem of stasis in organismal evolution Journal of Theoretical Biology, 101 (2), 211-224 DOI: 10.1016/0022-5193(83)90335-1

Hooge, F. (1976). 1/f noise Physica B+C, 83 (1), 14-23 DOI: 10.1016/0378-4363(76)90089-9

Gould, Stephen Jay, & Eldredge, Niles (1977). “Punctuated equilibria: the tempo and mode of evolution reconsidered.” Paleobiology 3 (2): 115-151. (p.145)

Mayr, Ernst (1954). “Change of genetic environment and evolution” In J. Huxley, A. C. Hardy and E. B. Ford. Evolution as a Process. London: Allen and Unwin, pp. 157-180.

Ridley, M., Evolution Oxford, England: Oxford University Press. ISBN 9781-405-103459. An anthology of analytical studies in paleobiology.

 

 

 

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Darwin e Boltzmann: a ligação entre átomos e seres vivos

 Um nome raramente associado de pronto à Teoria da Evolução é o do físico austríaco Ludwig Eduard Boltzmann (1844 – 1906), famoso por suas contribuições nos ramos da mecânica estatística e termodinâmica estatística. Daí já surge um ponto de contato entre Boltzmann e Darwin: quando ambos defendiam de forma ferrenha a Teoria Atômica (Boltzmann) e a Teoria da Evolução (Darwin) foram severamente atacados por críticos [1,2]. Um fato histórico interessante é que Boltzmann admirava o trabalho de Darwin, esta admiração é tão notável que ficou imortalizada na seguinte citação [3]:

 

“Boltzmann tinha uma tremenda admiração por Darwin e desejava estender o darwinismo da evolução biológica para a cultural. Na verdade ele considerava a evolução biológica e cultural como uma só e a mesma coisa. (…) Curtamente, a evolução cultural era um processo físico acontecendo no cérebro. Boltzmann incluiu ética nas idéias que se desenvolveram neste modelo.”

                                                                                                                                                                                    S. R. de Groot

 

Mas qual é então a ponte conceitual entre a Teoria da Evolução e a Termodinâmica de Boltzmann? A resposta surge de um termo cunhado por Rudolph Clausius (1822 – 1888): entropia. O trabalho de Clausius foi o de afirmar que durante processos espontâneos existe uma grandeza crescente de forma monotônica chamada entropia (esta definição serve apenas para sistemas isolados, que não permitem entrada nem saída de energia do sistema) [4]. Esta é a conhecida (e por muitas vezes mal utilizada) Segunda Lei da Termodinâmica [5].

 

Pelo enunciado da Segunda Lei já existe um caráter direcional associado à entropia. Este caráter é explorado pelo próprio Boltzmann no assim chamado “Princípio da Irreversibilidade Macroscópica”, problema também estudado pelo químico soviético (formalmente russo, pois nasceu antes da Revolução, e posteriormente naturalizado belga) Ilya Prigogine (1917 – 2003). Vale ressaltar a idéia de que a teoria da evolução não viola em momento algum as leis da termodinâmica, os argumentos de anti-evolucionistas para desqualificar o trabalho de Darwin com este argumento apresentam erros de lógica ou conceituais (um quarto organizado não tem entropia menor que o mesmo quarto desorganizado, e em uma sala de aula desorganizar as carteiras não faz a entropia do sistema aumentar, em termos mais precisos a entropia é a desordem de um sistema microscópico, ou em uma forma mais rigorosa, a dispersão energética de um sistema).

 

 A interpretação dada por Boltzmann à entropia foi estatística. A grande idéia (uma das grandes idéias deste grande gênio) de Boltzmann, que desenvolveu a mecânica estatística antes que a Teoria Quântica fosse desenvolvida, foi a de descrever um sistema em termos probabilísticos e estatísticos, uma vez que se tornava um desafio imensamente difícil (senão impossível) saber as energias individuais de cada partícula de um sistema.

 

A última metade do século XIX assistiu o surgimento na biologia e na física de um novo paradigma: a análise mecanística do comportamento macroscópico. Na física, Boltzmann propôs um modelo mecanístico de fenômenos macroscópicos baseado em uma noção radicalmente nova da heterogeneidade molecular: as moléculas em qualquer grande sistema diferem em nível de energia. Na biologia, Darwin foi o cientista que desenvolveu a explicação mecanística de tendências evolutivas baseado na noção análoga de heterogeneidade de organismos: os indivíduos de qualquer grande população de organismos replicantes diferem em termos de fecundidade e mortalidade.

 

Já o direcionamento em populações de organismos replicantes pode ser parametrizado em termos do conceito estatístico da entropia evolutiva [6]. Mas como então duas coisas aparentemente tão distintas como evolução natural e entropia estatística conseguiram se acoplar?

 

 

 Isto também demanda um pouco de história: Boltzmann profundamente ligado às tradições matemáticas do século XIX da física derivou sua célebre equação de entropia (S=klogW), onde W é o número de estados energéticos disponível em uma dada temperatura, k é a constante de Boltzmann. Esta equação foi trabalhada por Josiah Willard Gibbs (1839 – 1903), que a deu uma interpretação de probabilidade, a assim chamada entropia de Gibbs.

Assim então o universo macroscópico pode ser entendido em termos de mudanças temporais de uma função analítica bem definida de estados microscópicos. O tempo de relaxação do processo adiabático nesta teoria é determinante para a definição de processos reversíveis e irreversíveis. Como esperado, processos irreversíveis têm grande tempo de relaxação, já processos reversíveis, pequeno tempo de relaxação. O termo relaxação refere-se ao tempo preciso para que um sistema que sofre uma perturbação retornar ao seu estado de equilíbrio.

A coerência e complexão lógica da teoria desenvolvida por Boltzmann e Gibbs derivam do conceito puramente geométrico da heterogeneidade molecular que foi analiticamente expresso pela física disponível no século XIX. 

Darwin, no entanto desenvolveu sua teoria nos moldes naturalistas da biologia do século XIX. Um molde que se apoiava muito mais na observação que em desenvolvimentos matemáticos. A Teoria da Evolução por seleção natural em contraste com Termodinâmica Estatística é essencialmente uma teoria qualitativa, que provê um framework mais conceitual que analítico para entender a dinâmica evolucionária em populações de seres vivos [6].

 

A redescoberta das leis de herança de Mendel em 1910 faz parte do processo de surgimento de uma teoria da evolução analítica, tornando-se um importante tópico de estudos biológicos. A primeira síntese matemática da teoria de Darwin surge com o livro “Genetical Theory of Natural Selection”[7] de Ronald A. Fisher, um livro de doze capítulos que aborda temas desde a natureza da herança até as condições para uma civilização permanente. Este livro, cuja pedra fundamental  é incorporada no “teorema fundamental da seleção natural”, congrega um estudo matemático da teoria de Darwin e das leis de Mendel.

 

 

 Atualmente é considerado que a teoria de Fisher e suas extensões de variedades não explicam o conceito de macroevolução [8,9]. O teorema fundamental e um grande conteúdo de estudos de genética clássica preocupam-se primariamente com mudanças em freqüências genéticas em uma população devida à viabilidade diferencial de genótipos. O conceito de aptidão média, a chave-mestra da teoria fisheriana descreve a viabilidade média de genótipos, conceitos que não precisam estar relacionados à persistência ou estabilidade de uma população [8].

 

Por outro lado, a variabilidade demográfica tem sua origem em processos que estão ligados à ontogenia do indivíduo [7]. Tal afirmação pode ser observada em (a) populações celulares, onde a variabilidade demográfica resulta de mutações aleatórias, como por exemplo, distribuição desigual de componentes metabólicos, ou (b) em organismos multicelulares complexos onde a variabilidade deriva de pequenas variações na seqüência do evento de desenvolvimento que transformam um zigoto em um adulto. A implicação disso é que em uma população qualquer geneticamente homogênea será caracterizada pela heterogenia demográfica, condição que explica a estabilidade e persistência de uma população à condições ambientais diversas.

 

 A teoria de Boltzmann e Gibbs é baseada na geometria do sistema, enquanto que a taxa de variabilidade de um sistema de seres vivos tem caráter dinâmico. O que torna a teoria de Boltzmann e Gibbs incapaz de descrever sistemas a natureza dinâmica da heterogeneidade de biopopulações.

 

Em 1950, dois pesquisadores, Kolmogorov e Sinai [9] introduziram uma noção de entropia dinâmica baseados na teoria ergódica de Boltzmann, cujos principais conceitos são a hipótese ergódica (essa hipótese pode ser enunciada como: um sistema de moléculas assumirá ao longo do tempo todos os micro-estados concebíveis com a conservação da energia) e a ergodicidade. Neste ponto já é possível vislumbrar uma ponte que começa a ser construída entre as teorias de Boltzmann (ou Boltzmann-Gibbs) e Darwin. A teoria ergódica estuda as propriedades estatísticas de um sistema mecânico em termos de um objeto matemático chamado de medida preservando a transformação de um espaço de medida [9].

 

O trabalho de Demetrius [10] explorou o isomorfismo invariante e conseguiu criar um primeiro modelo de heterogeneidade em taxas de nascimento e morte que caracterizam uma biopopulação. Em estudos posteriores, este modelo foi explorado para o desenvolvimento de um análogo evolucionário da teoria de Boltzmann [6].

Conforme os modelos tornam-se cada vez mais refinados, explicações e previsões de estabilidade e persistência populacional tornam-se mais confiáveis [10, 11]. Esforços para elucidar de forma mais conclusiva a relação entre termodinâmica e evolução ainda hoje são feitas, gerando um grande número de trabalhos [6].

 

 As relações entre a teoria de Boltzmann e de Darwin geraram sem dúvidas muitos frutos. Em uma análise rápida destes desenvolvimentos, três importantes modelos para explicar termodinamicamente as observações feitas de uma biopopulação são descritos na Ref. 6: a heterogeneidade intrínseca de organismos replicantes, a dinâmica populacional e a dinâmica evolutiva.

 

É possível concluir destes vários estudos feitos na direção de ligar as duas teorias que as estruturas matemáticas da mecânica estatística de organismos replicantes (Teoria da Direcionalidade) e a mecânica estatística de sistemas físicos (Teoria Termodinâmica) estão intimamente ligadas. A entropia evolutiva é uma extensão da entropia termodinâmica [6]. O Princípio de Direcionalidade, que descreve uma complexidade crescente e a estabilidade de entidades replicantes sujeitas à constantes de crescimento estacionárias é um análogo em não-equilíbrio da Segunda Lei, que descreve um crescimento na desordem de um sistema de matéria inanimada sujeito à processos irreversíveis e condições adiabáticas.

 

 

Referências

  1. Revista Super Interessante, Edição 263, p. 06, Março (2009). Entrevista de Dom Odílio Scherer. 
  2.  “Theoretical Physics and Philosophical Problems, Selected Writings” – S. R. de Groot  Livro.
  3. Ilya Prigogine – Nobel Lecture Lecture
  4. Tutorial sobre a Segunda Lei da Termodinâmica   página acessada em 15/12/2010.
  5. Demetrius, L., PNAS April 15, 1997 vol. 94 no. 8 3491-3498.  Artigo
  6. Fisher R A (1930) The Genetical Theory of Natural Selection (Dover, New York).
  7. Maynard, Smith J. (1998) in Evolutionary Progress, ed Nitecki M (University of Chicago Press, Chicago), pp 219-230.
  8. Billingsley, P. Ergodic Thoery of Information (Wiley, New York).
  9. Demetrius, L. (1977) Proc NatlAcd Sci USA 77:384-386.
  10. Demetrius L (1974) Proc Natl Acad Sci 71:4645–4647, pmid:4531007.  Artigo
  11. Wang Z, Feng M, Zheng W, & Fan D (2007). Kinesin is an evolutionarily fine-tuned molecular ratchet-and-pawl device of decisively locked direction. Biophysical journal, 93 (10), 3363-72 PMID: 17675343

 

 

 

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Caos, Complexidade e Evolução: Mais uma Ponte entre Termodinâmica e Evolucionismo

A afirmação de que e Teoria Evolucionista transgride a Segunda Lei da Termodinâmica é falsa em todos os níveis (Brooks e Wiley, 1986), a própria vida pode ser considerada como uma manifestação da Segunda Lei (Schneider e Kay, 1994). Este texto vem como uma espécie de continuação do texto “Boltzmann e Darwin: a ligação entre átomos e seres vivos”. As teorias emergentes da termodinâmica que dizem respeito ao surgimento da vida e evolução prebiótica (Morowitz, 1968; Prigogine et al., 1972; Black, 1978; Wicken, 1980) são exemplos de conciliação entre a evolução biológica e princípios de dirigibilidade termodinâmica. A analogia entre a Segunda Lei e processos evolutivos que são dirigidos por falta de recursos disponíveis (pressões alimentares, por exemplo) e sua modelagem matemática foram propostas em 1992 por Lloyd Demetrius.

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A Segunda Lei aplica-se a sistemas submetidos a condições adiabáticas e descreve um aumento na complexidade geométrica do sistema conforme um sistema caminha de um estado estacionário de equilíbrio para outro. O Teorema da Direcionalidade em dinâmica evolutiva refere-se a populações sujeitas a limitações de recursos naturais e descreve um aumento na complexidade dinâmica que caminha de um estado de não-equilíbrio estacionário para outro. Erwin Schrödinger escreveu em seu livro “O que é Vida?” (1944) que a vida podia ser compreendida como dois processos fundamentais: um, “ordem para ordem”, outro, “ordem para desordem”. Ele notou que no caso de “ordem para ordem” as qualidades genes dos pais eram passados para a cria, determinando assim as características da prole. As respostas sobre as características deste processo viriam com a descoberta da estrutura do DNA (Watson e Crick, 1953).

 

A premissa de “ordem para desordem” foi a tentativa de Schrödinger de ligar Termodinâmica e Biologia, observando o princípio da máxima entropia e notando a aparente contradição com sistemas altamente organizados, os seres vivos. Ele resolveu este dilema olhando para a Termodinâmica de Não-equilíbrio.

 

Os ecossistemas, de ponto de vista termodinâmico, são vistos como estruturas e processos em não-equilíbrio abertos ao fluxo de matéria e energia. Isto sugere que conforme ecossistemas crescem e se desenvolvem, a dissipação energética total deve crescer e tal é feito pelo desenvolvimento de estruturas e processos para que esta degradação energética ocorra (Schneider e Kay, 1994). Espécies que sobrevivem em ecossistemas servem como funis energéticos que em sua própria produção e reprodução contribuem para processos autocatalíticos que aumentam a dissipação total do ecossistema.  

 

 A macroevolução é um processo dinâmico de não-equilíbrio. O padrão geral de como se processa sugere que é resultado de um processo crítico auto-organizado (Bak et al., 1987) e esta conjectura é consistente com o registro fóssil (Solé e Bascompte, 1996). Um ambiente no qual espécies (ou outras unidades taxonômicas) interagem em um ecossistema complexo foi classicamente baseado na teoria ecológica clássica das Equações de Lotka-Volterra (May, 1974).

 

Até aqui dois assuntos foram abordados: a Termodinâmica da Evolução e Complexidade (sob o ponto de vista da Termodinâmica), este último ligado à biodiversidade e ecossistemas, cujo pesquisador mais destacado é Ilya Prigogine. Como estes assuntos desenvolvem-se de maneira intensa (Wicken, 1983) é mais adequado que sejam tratados um de cada vez. Neste texto o foco é a Complexidade, então tratemos dela.

 

A análise da complexidade começa com a análise da natureza caótica de biossistemas. É necessário então começarmos com uma descrição dos requerimentos necessários para um sistema ser considerado caótico. Tendo estas informações, a pergunta que naturalmente surge é como a aparente ordem percebida na natureza pode vir de um comportamento caótico. De forma mais simples: a ordem pode vir do caos? Os próprios conceitos que suportam a teoria da complexidade estariam errados se (i) violassem as Leis da Termodinâmica (o que não é o caso); (ii) fossem baseados em uma natureza equivocada dos sistemas estudados. É recorrente no desenvolvimento da Termodinâmica do Evolucionismo que aparentes contradições sejam respondidas, fazendo assim com que a robustez dela seja evidenciada de forma incisiva (Demetrius e Manke, 1995). 

 

  Não existe definição matemática universalmente aceita para o caos (Hasselblatt, 2003). Apesar disso, Hasselblatt define as condições para que um sistema seja considerado caótico, que são: (i) deve ser sensível às condições iniciais; (ii) deve ser topologicamente misturado; (iii) suas órbitas periódicas devem ser densas. Antes de avançar neste assunto é necessário que a definição precisa do que é um atrator seja feita. Para tanto é necessário que seja introduzido o conceito de estado fásico, introduzido em 1901 por Willard Gibbs (1839-1903). Compreende-se por tal conceito um espaço no qual todos os estados possíveis do sistema estão representados, com cada estado possível do sistema correspondendo a um único ponto no espaço fásico.

 

 Quando um espaço fásico tem em sua plotagem as variáveis de momentum e posição como função do tempo este é geralmente denominado diagrama de fase, que é utilizado em ciências físicas. Modelos de equilíbrios dinâmicos são normalmente representados usando espaços fásicos nos quais o tamanho de uma população é plotado em função do tamanho de uma segunda e uma terceira populações, sem que o eixo do tempo seja explicitamente representado. Desta forma, neste espaço o equilíbrio consiste em um só ponto.

 

Um atrator é um conjunto de pontos no espaço fásico que representa a dinâmica de uma população. Atratores de sistemas caóticos determinísticos são geralmente atratores estranhos. Este nome vem porque estes atratores são torcidos e “estranhos”, significando que eles têm dimensão fractal. Um é caótico se, e apenas se, tiver pelo menos um dos expoentes de Lyapunov é positivo (Ruelle, 1989). Estes expoentes são a medida da divergência exponencial de um sistema. A definição dos expoentes de Lyapunov, e de caos podem ser entendidas para definir sistemas barulhentos (Crutchfield, et al., 1982) de vital importância da descrição de populações. Sob a definição dos expoentes de Lyapunov, conseguimos saber se uma parte endógena de um sistema estocástico/determinístico amplifica ou suprime ao longo do tempo os efeitos de perturbações exógenas. De fato a estocasticidade (caráter aleatório) pode mudar um sistema de um regime não-caótico para um regime caótico e vice-versa, fato demonstrado por alguns sistemas epidemiológicos (Rand e Wilson, 1991).

 

Esta última sentença traz consigo o pensamento da pergunta feita anteriormente: a ordem pode vir do caos? Este é um pensamento válido neste ponto da discussão. A contestação da própria existência da casualidade tem como objetivo invalidar o Evolucionismo. Esta contestação é baseada apenas em erros conceituais ou de entendimento das Leis da Evolução e da Termodinâmica (Collier, 1986). Em sistemas celulares e baseados na lógica Booleana, a demonstração da casualidade que molda sistemas de vários componentes acoplados foi dada por Stuart Kauffman (Kauffman, 1993). Em grandes ecossistemas, tal possibilidade fica evidenciada por Claudia Pahl-Wostl (Pahl-Wostl, 1995). Estes dois livros explicam a relação entre caos e ordem, e o entrelaçamento entre os dois. Ambos são baseados no desenvolvimento da Teoria da Evolução pela óptica da Termodinâmica, dois trabalhos que também demonstram de maneira explícita a não-discrepância entre Termodinâmica e Evolucionismo. Uma citação de Wheeler é conveniente para demonstrar como é válida a idéia de ordem emergindo do caos:

 

“Na minha visão, tudo na física algum dia seguirá os padrões da termodinâmica e da mecânica estatística, da regularidade baseada no caos, lei sem lei. Especificamente, eu acredito que tudo  é construído confusamente nos resultados de bilhões e bilhões de fenômenos quânticos elementares, e que as leis e condições iniciais da física surgem deste caos pela ação de um princípio regulador, a descoberta e a formulação adequada deste é uma tarefa primária.”

                                                                                                   J. A. Wheeler em: “Am. J. Phys. 51(5) (1983) 398”.

 

 Confirmando as Teorias de Boltzmann, sobre o princípio da Irreversibilidade Mecânica e suportando o trabalho de Prigogine, a observação de que leis rígidas do universo somente são válidas no limite de um número de partículas (neste caso o estudo foi feito por um astrofísico) tendendo ao infinito, ou seja, em um número macroscópico de partículas (por exemplo, uma colher cheia de água). Isto equivale a dizer que as leis rígidas que descrevem o universo têm uma base de construção estocástica (Sidhart, 1998).

Abrindo um parêntese nesta discussão, o conceito de casualidade está presente no desenvolvimento computacional também. O exemplo mais destacado desta afirmação é o Método Computacional Monte Carlo, que é utilizado extensamente para calcular propriedades termodinâmicas não-dependentes do tempo, em sistemas com um número muito grande de partículas, este método produz resultados equivalentes aos da dinâmica molecular, cujos dados de cada partícula do sistema são calculados em uma seqüência definida (Jorgensen e Tirado-Rives, 1996). O método Monte Carlo também é utilizado para simular fenômenos não-lineares em populações de ecossistemas (Solé e Valls, 1992) (fechando parêntese).

 

 Existem evidências de que sistemas naturais se comportem de maneira caótica?

A resposta é sim. E alguns casos são mostrados a seguir: uma destas evidências é observada na dinâmica populacional de roedores, que vem da análise de séries temporais não-lineares (Turchin, 1993). Outra evidência deste comportamento é a observada na ecologia de plantas, que se processa em ciclos e de maneira caótica (Stone e Ezrati, 1996). Assuntos como o declínio da vegetação do Saara, e o colapso desta região em um deserto e pico recifes de corais caribenhos estudados em 1999 e 2000 (McCook, 1999; Nystrom, et al., 2000) são explicados por modelos caóticos (Scheffer e Carpenter, 2003).

 

Existem duas hipóteses de como encarar um ecossistema termodinamicamente e sua ligação com o evolucionismo (Schenider e Kay, 1994): (i) ecossistemas vão organizar-se de acordo com a Segunda Lei, aumentando a degradação da exergia (máximo trabalho útil durante um processo termodinâmico, que leva o sistema ao equilíbrio com um reservatório de calor (Pierre, 1998)) em energia que vem para o sistema. O corolário disso é que os ciclos de fluxo de material tendem a ser fechados. Isto é necessário para que um suprimento contínuo de material seja assegurado para processos de degradação de energia; (ii) esta surge como uma conseqüência da primeira: os ecossistemas vão evoluir para adaptar-se de forma a aumentar o potencial de sobrevivência do ecossistema e seus componentes, o que garante a degradação contínua da energia que vem para o sistema. Este processo está sujeito à quaisquer condições evolutivas ou de adaptação que melhorem as chances de sobrevivência, mas só é (em termos energéticos) viável se o seu efeito em rede aumentar a capacidade de degradação energética do ecossistema.

 

Observando ecossistemas, ambas as hipóteses (ou a hipótese e sua conseqüência) mostram ser consistentes, o que suporta mais uma vez a Teoria Evolucionista, o que aparece de novo é a lista de atributos ecológicos, para que um ecossistema amadureça, que fica expandida em relação à proposta por Odum em 1969. Os modelos baseados em atratores para ecossistemas são mais um avanço científico da Biologia Teórica e confirmam a Teoria Evolutiva, pois mais que modelos e hipóteses existem evidências acerca da natureza caótica de populações diversas que interagem entre si e com fatores abióticos, alguns pouquíssimos exemplos foram citados neste texto.

 

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Referências

 

Brooks, Daniel R., Wiley, e. O., Evolution as Entropy: Toward a Unified Theory of Biology, 1986, The University of Chicago Press.

Schneider, E. D., Kay, J. J., 1994, “Life as a Manifestation of the Second Law of Thermodynamics”, Mathematical and Computer Modeling, Vol 19, No. 6-8, pp. 25-48.

Morowitz, Harod J., Energy flow in Biology: Biological Organization as a problem in Thermal Physics, Academic Press, New York, 1968.

Prigogine, I., Nicolis, G., Babloyantz, A., Physics Today, 25 (12) 1972.

Black, S. 1978. On the Thermodynamics of Evolution. Perspec. Biol. Med., 21:348-356.

Wicken, J. 1980. A Thermodynamic Theory of Evolution. J. Theor. Biol., 87:9-23.

Watson, J. D., Crick, F. H., Nature, 171, 737-738 (1953).

Sidhart, B. G., Chaos, Solitons and Fractals, 11(2000) 1171-1174.

Collier, J., Entropy in Evolution, Biology and Philosophy, 1(1), 5-24, DOI:10.1007/BF00127087 

 

 Scheffer, M., Carpenter, S. R., Trends in Ecology and Evolution, 18, 12, 2003  Artigo

 

Nystrom, M. et al. (2000) Trends Eco.l Evol.15,413-417.

McCook, L. J. (1999) Coral Reef 18, 357-367.

Jorgensen, W. L., Tirado-Rives, J., J. Phys.Chem., 1996, 100, 14508-14513.  Artigo 

Solé, R. V., Valls, J., Bulletin of Mathematical Biology, 54 (6), 939-955, DOI:10.1007/BF02460660.

Kauffman, S. A., “The Origins of Order”, Oxford University Press, 1993.

Pahl-Wostl, C., “The Dynamic Nature of Ecosystems: Chaos and Order Entwined”, Wiley, New York, 1995.

Stone, L., Ezrati, S., Journal of Ecology 84:279-291, 1996.

Turchin, V. F., “The Cybernetic Ontology of Action”, Kybernetes 22, No 2, 1993, pp. 10-30.

Ruelle, D., !Elements of differentiable dynamics and bifurcation theory.”, Academic Presss 1989.

Perrot, Pierre (1998). A to Z of Thermodynamics. Oxford University Press.

Crutchfield, J. P., Farmar, J. D., Huberman, B. A., Physics Report, 92(2), 1982, pp. 45-82.

Rand, D. A., Wilson H. B., Proc. R. Soc. Lond. B (1991) 246, 179-184.

Hasselblatt, B., Katok, A., “A First Course in Dynamics”, Cambridge University Press, 2003.

Demetrius, L., Manke, T., Physika A 346(2005) 682-696.

Bascompte, J., and R. V. Sole. 1996. Habitat Fragmentation and Extinction Thresholds in Spatially Explicit Models. Journal of Animal Ecology 65, no. 4: 465-73.

 

May, R. M., Science, 15 November 1974, Vol. 186, no. 4164, pp. 645-647; DOI: 10.1126/science.186.4164.645.

 

 

 

 

 

 

                                                                                                                                                        

 

 



May, R. (1974). Biological Populations with Nonoverlapping Generations: Stable Points, Stable Cycles, and Chaos Science, 186 (4164), 645-647 DOI: 10.1126/science.186.4164.645

Comportamento Aviário de um Dinossauro

Há mais de cem anos a teoria de que aves surgiram de dinossauros é amplamente aceita pela comunidade científica. Antes mesmo de Darwin, muitos naturalistas já reconheciam que pássaros e répteis que vivem atualmente compartilham várias semelhanças anatômicas com os dinossauros, tais como braços alongados e grandes órbitas oculares (uma lista mais completa pode ser vista aqui).

 

Após a publicação do livro A Origem das Espécies, seguiram-se trabalhos dos quais podem ser destacados os de Gegenbaur (1863) e Parker (1864), que comentam as afinidades entre pássaros e répteis. O primeiro trabalho que aparentemente sugere relação evolutiva direta é o de Haeckel (1866). Com Thomas H. Huxley (1867), em seu artigo sobre classificação aviária, esta relação evolutiva foi firmemente defendida.

 

Desde então esta teoria adquiriu cada vez mais evidências para apoiá-la. Há forte evidência de que os pássaros são descendentes dos terópodas (dinossauros pertencentes à ordem Saurischia). Um exemplo de dinossauro desta ordem é o Oviraptor philoceratops (cujo nome vem do latim “ladrão de ovos”), descoberto pelo paleontólogo Roy Chapman Andrews, e descrito em1924 por Henry Fairfeld Osborne. O oviraptor viveu no período Cretáceo tardio, durante o Campaniano, há cerca de 75 milhões de anos.  Figura 1: representação artística de um Oviraptor philoceratops.

 

Em um artigo publicado, um fóssil espetacular de um Oviraptor foi encontrado em uma posição aviária típica: chocando os ovos (Norell, Clark, Chiappe & Dashzeveg, 1995). O espécime (IGM 100/979) foi encontrado em Ukhaa Tolgod, uma localidade do centro-sul da Mongólia em 1993, durante o projeto de cooperação entre a Academia Mongol de Ciências e o Museu Americano de História Natural.

                                  Figura 2: fóssil encontrado.

 

O fóssil não apresenta sinais de transporte após sua morte. A análise do esqueleto mostra afinidade maniraptoriana é observada pelo carpo semilunar, que é firmemente segurado pelos metacarpos I e II. As clavículas são fundidas, formando um fúrcula em forma de “v”, característica típica de ovirapitoróides.

 

         Figura 3: à esquerda, representação esquemática do fóssil, à direita, um detalhe do mesmo.

                                  Figura 4: representação do dinossauro pouco antes de sua morte.                             

 

A IGM 100/979 é a amostra melhor preservada e provê a exata posição do esqueleto no ninho. A púbis está no centro do ninho. Os ovos estão arranjados em um padrão circular, com a extremidade mais bojuda apontando para o centro do ninho, e o ninho tem 22 ovos, cada um medindo 18.0 cm de comprimento e 6.5 cm de largura. Segundo o artigo, mais fósseis desta espécie foram encontrados em posição semelhante, o que evidencia de forma muito forte o comportamento que existia antes do surgimento dos pássaros modernos e comum aos terópodas maniraptorianos não-aviários.  

 

 

Referências

 

  1.  Norell, M. A., Clark, J. M., Chiappe, L. M., Dashzeveg, D., Nature, 1995 Artigo
  2. Norell, M. A. et al, Science 266,  779-782 (1994).